O comandante-geral da Polícia Militar do Espírito Santo, coronel Marcos Antônio Souza do Nascimento, assinou nesta quinta-feira (27/08) a expulsão do soldado PM Itamar Rocha Lourenço Junior, acusado de assassinar, a tiros, sua namorada, a jovem Ana Clara Félix Cabral, no dia 5 de fevereiro deste ano. O soldado Itamar está preso. A Justiça Comum chegou a suspender o Processo Administrativo Disciplinar (PAD) aberto para analisar a conduta do militar, mas depois revogou a decisão.
O Processo Administrativo Disciplinar de Rito Ordinário (PAD-RO) foi instaurado pelo Comandante Geral da PM por meio da Portaria nº 001/2015-C/3 (Corregedoria), tendo como encarregado o 1º tenente Washington Siqueira. O PAD foi aberto porque Itamar “apresentou conduta que afetou gravemente o sentimento do dever, a honra pessoal, o pundonor militar e o decoro da classe, pelo seu envolvimento no homicídio de sua namorada Ana Clara, já que teria apresentado versões contraditórias aos agentes da Corregedoria acerca do suposto assalto que teria sofrido nesse mesmo dia, além de ter confessado ao amigo Pablo Bonifácio Carneiro, agente de Polícia Civil, lotado no GOT, o local onde estaria o corpo de ANA CLARA, sendo localizado exatamente no local descrito pelo acusado, na Rodovia do Contorno, próximo ao condomínio Alphaville, Serra-ES, ocasião em que a perícia constatou que a vítima teria sido atingida por 06 (seis) disparos de arma de fogo, a maioria na região das costas e cabeça”, diz o início do relatório do encarregado do PAD, ao qual o Blog do Elimar Côrtes teve acesso com exclusividade .
“Soma-se a isso, o fato do veículo, que supostamente teria sido levado pelos assaltantes, ter sido localizado próximo ao local de onde o militar teria acionado o CIODES, apresentando sinais de luta, marcas de sangue, cabelos, cápsulas deflagradas e impactos de projetis de arma de fogo de dentro para fora, situações estas que ensejaram em sua autuação em flagrante delito”, concluiu o relatório, que é bastante contundente.
A Corregedoria ouviu depoimento de 23 testemunhas, entre amigos e amigas de Ana Clara e policiais militares. “Após a realização de diligências para o esclarecimento dos fatos, com a juntada de documentos e oitiva de testemunhas, oportunizou-se à defesa que apresentasse suas razões finais, em observância ao devido processo legal, e ao direito do acusado ao contraditório e a ampla defesa, conforme prevê o art. 5º, incisos LIV e LV, da Constituição Federal de 1988”, observa o encarregado do PAD.
O Processo Administrativo Disciplinar de Rito Ordinário (PAD-RO) foi instaurado com base no Inquérito Policial nº 021/2015, instaurado pela Polícia Civil, e demais documentos. Assim, constata-se que o soldado Itamar Lourenço foi acusado pela Portaria nº 001/2015 – C/3 Corregedoria e pelo libelo acusatório das seguintes imputações: a) Praticar violência ou qualquer outro ato que denigra a imagem da Corporação (art. 133, I, ‘n’, do RDME); b) Ter conduta incompatível com os princípios da hierarquia, ética e valores militares (art. 133, II, ‘q’, do RDME); e c) Desrespeitar regras de trânsito, de tráfego aéreo ou de navegação marítima, lacustre ou fluvial, em via pública, com veículo particular (art. 133, IV, ‘d’, do RDME). Essas condutas sujeitam, em tese, ao Licenciamento a Bem da Disciplina, por infringência do art. 30, inciso I, alíneas ‘a’, ‘b’, ‘c’ e ‘d’, do RDME.
O soldado Itamar, em seu interrogatório, não respondeu a nenhuma das perguntas formuladas pelo encarregado do PAD, preferindo exercer seu direito constitucional ao silêncio. No entanto, o militar, em sua defesa prévia, alegou: a) apresentou resumidamente os fatos contidos no Inquérito Policial nº 021/2015; b) arguiu a inépcia do libelo acusatório, a simultaneidade de procedimentos e a ausência de justa causa; c) requereu o sobrestamento do PAD; d) Que o acusado não poderia ser interrogado, já que o art. 114, § 6º, RDME prevê que “nenhum militar estadual deverá ser interrogado em estado de embriaguez ou sob efeito de substância psicotrópica”; e) requereu a redução do número de testemunhas arroladas pelo Encarregado; f) requereu a inocência do acusado.
Entretanto, todas as alegações foram afastadas pelo encarregado do PAD-RO, tenente Washington Siqueira, que fundamentou adequadamente suas decisões, inclusive, buscando jurisprudências em Tribunais Superiores.
Testemunhas relatam agressões físicas e moral a Ama Clara
O ato de expulsão assinado pelo comandante-geral da PM, coronel Marcos Nascimento, ressalta que, em relação ao mérito da questão (assassinato da jovem Ana Clara), o encarregado do PAD-RO relatou que o soldado Itamar é culpado da acusação de “Praticar violência ou qualquer outro ato que denigra a imagem da Corporação”.
No entanto, quanto a essa imputação, “inicialmente é imperioso ressaltar que não cabe a este Comandante Geral ou à Polícia Militar considerar o soldado Itamar culpado ou inocente da acusação de matar sua namorada Ana Clara, pois se trata de atribuição constitucional exclusiva do Tribunal do Júri, a quem cabe o julgamento de crimes dolosos contra a vida, conforme estabelece o art. 5º, inciso XXXVIII, alínea ‘d’, da Constituição Federal de 1988 e o art. 74, § 1º, do Código de Processo Penal (CPP).”
Todavia, frisa o comandante Marcos Nascimento, “constato que há nos autos robustas e contundentes provas da prática de violência por parte do acusado. As testemunhas afirmaram em seus depoimentos que o soldado Itamar já agredia fisicamente a sua namorada Ana Clara antes de sua morte, bem como, proferia agressões verbais e psicológicas, chegando a ameaçar de morte a vítima.”
Os depoimentos das testemunhas são muito fortes. Neles, há relatos em que Itamar agredia fortemente Ana Clara, além de xingar a moça com nomes impublicáveis. Apesar das marcas de agressões físicas no corpo, Ana Clara nunca denunciou o policial à Polícia. Há depoimentos em que Itamar dizia que mataria Ana Clara se ela rompesse o namoro com ele, já que este era o desejo da jovem. Sobre esse detalhe, o comandante Marcos Nascimento faz a seguinte observação:
“O comportamento agressivo e violento do Sd ITAMAR, anterior ao fato, já se mostra incompatível com a conduta exigida de um policial militar, de quem a sociedade espera um comportamento equilibrado e exemplar. É inaceitável que um membro da Polícia Militar tenha a conduta de agredir física e moralmente sua namorada, chegando ao ponto de ameaçar de morte a vítima. Essas condutas estão fartamente comprovadas pelas provas testemunhais, razão pela qual a violação do pundonor militar e do decoro da classe sem mostram evidentes, independentemente de se adentrar ao mérito do homicídio. Destarte, mesmo que a vítima não estivesse morta, a reprovabilidade do comportamento anterior do Sd ITAMAR permanece gravíssima, não podendo ser admitida conduta similar por parte de um policial. Desta forma, a prática de violência por parte do acusado se mostrou provada de forma peremptória e exauriente.”
O comandante-geral da Polícia Militar diz mais: “Igualmente, verifico que a conduta do soldado Itamar Lourenço Júnior denegriu a imagem da Corporação, ao contrário do afirmado por sua defesa. É notório que o caso gerou elevado clamor social, sendo manchete de todos os principais jornais impressos do Estado. Além disso, o fato foi destaque na televisão, rádios, sítios (sites) da internet, redes sociais, tendo inclusive sido noticiado na imprensa nacional. Em todas essas notícias foi noticiado que o Soldado PM ITAMAR, o Policial ITAMAR, o Militar ITAMAR ou o PM ITAMAR matou sua namorada ANA CLARA, o que atingiu e maculou a imagem da PMES e de todos os seus integrantes.”
Conduta do policial atingiu toda corporação, diz comandante
Assim, afirma o coronel Marcos Nascimento, “a conduta do acusado atingiu não apenas a vítima ANA CLARA, mas também a imagem, a honra e o decoro de toda classe policial militar, que se sentiu envergonhada pela prática hedionda de um integrante da Corporação, que matou e ocultou o cadáver de sua namorada. Desta feita, entendo que a acusação de ‘praticar violência ou qualquer outro ato que denigra a imagem da Corporação’ está amplamente comprovada e lastreada e irrefutáveis provas testemunhais e materiais.”
Em relação à acusação de “Ter conduta incompatível com os princípios da hierarquia, ética e valores militares”, o encarregado do PAD também considerou o soldado Itamar culpado. “Os fatos já relatados demonstram e corroboram por si só a incompatibilidade da conduta do Sd ITAMAR com os princípios da hierarquia, da ética e dos valores militares. É inconcebível que um integrante da Polícia Militar tenha a conduta de agredir fisicamente qualquer pessoa. Ação é agravada pela circunstância de se tratar de sua namorada. Mostra-se inaceitável que um Militar agrida verbalmente quem quer que seja, uma vez que a sociedade exige do policial um comportamento diferenciado, exemplar e equilibrado. Assim, a conduta anterior ao fato do Sd ITAMAR, marcada por agressões físicas, verbais e xingamentos a sua namorada ANA CLARA, denotam a sua incompatibilidade com a ética, os valores e a hierarquia militar”, descreve o comandante Marcos Nascimento.
Ele verificou também o histórico funcional do soldado Itamar, constando que o assassinato da namorada Ana Clara “não se mostra isolado.” De acordo com o coronel Marcos Nascimento, “mesmo integrando relativamente há pouco tempo os quadros da Polícia Militar do Espírito Santo, na qual ingressou por meio de concurso público, o acusado já respondeu a diversos processos, o que denota a reiteração de comportamento inadequado e incompatível.”
O soldado Itamar já foi punido com 17 dias de detenção em decorrência do Processo Administrativo Disciplinar de Rito Ordinário (PAD-RO) de Portaria nº 005/2011 – C/3 – Corregedoria, por ter sido flagrado por policiais civis da Delegacia de Furto e Roubo de Veículos na data de 17.03.2011 na posse do veículo HONDA FIT, cor cinza, placas KXT 3037, com adulteração de chassis e restrição de furto/roubo, ocasião em que foi autuado em flagrante delito. Também já foi punido no âmbito administrativo em 2011 por conduzir motocicleta com o licenciamento vencido e por não portar Carteira Nacional de Habilitação (CNH) para pilotar essa espécie de veículo:
“Essas punições anteriores denotam e corroboram o comportamento inadequado e incompatível do soldado Itamar com os valores, a ética, a hierarquia e a disciplina militar, merecendo sanção depuradora, à altura da gravidade”, afirma o comandante Marcos Nascimento.
“A ação criminosa do soldado Itamar atingiu não apenas a vítima Ana Clara, mas também a imagem, a honra e o decoro de toda classe policial militar”
Ao decidir pela expulsão do policial, que já está publicada em Boletim Geral da PM, o comandante Marco Nascimento afirma que “as provas carreadas aos autos demonstram de forma inequívoca, irrefutável e peremptória que o Militar, antes do homicídio, já praticava violência, física, moral e psicológica, contra sua namorada ANA CLARA FÉLIX CABRAL, conduta inaceitável para um policial militar, no qual a sociedade espera um comportamento exemplar e equilibrado. Ao contrário, as atitudes anteriores do Sd ITAMAR denotam uma conduta totalmente incompatível com os valores, a ética, a honra, o decoro, o pundonor militar, a hierarquia e a disciplina castrense.”
“Outrossim, os autos trazem provas contundentes de que a conduta do Sd ITAMAR denegriu a imagem da Corporação, uma vez que o caso gerou elevado clamor social, sendo manchete de todos os principais jornais impressos do Estado, sendo destaque na televisão, rádios, sítios (sites) da internet, redes sociais, tendo inclusive sido noticiado na imprensa nacional. A conduta do acusado é gravíssima e colide com a doutrina adotada pela Polícia Militar e com as políticas públicas de segurança adotadas pelo Comando da Instituição. O Militar atingiu não só o nome e a imagem da Corporação, mas também de todos os policiais militares, uma vez que maculou o bom nome da PMES. Assim, a ação criminosa perpetrada pelo Sd ITAMAR atingiu não apenas a vítima ANA CLARA, mas também a imagem, a honra e o decoro de toda classe policial militar, que se sentiu envergonhada pela prática hedionda de um integrante da Corporação, o qual não merece continuar fazendo parte dela.”
“Desta feita, é patente a inadequação de sua conduta com os deveres da carreira policial. Acerca da reprovabilidade dos atos praticados pelo acusado, importante frisar que o artigo 26 da Lei n°. 3.196/78 (Estatuto da Polícia Militar) serve de parâmetro para compreender as condutas que devem ser observadas por todos os Militares Estaduais e elenca, dentre outras, as seguintes: I – amar a verdade e a responsabilidade como fundamento da dignidade pessoal; II – exercer, com autoridade, eficiência e probidade, as funções que lhe couberem em decorrência do cargo; III – respeitar a dignidade da pessoa humana; IV – cumprir e fazer cumprir as leis, os regulamentos, as instruções e as ordens das autoridades competentes; IX – ser discreto em suas atitudes, maneiras e em sua linguagem escrita e falada; XII – cumprir seus deveres de cidadão; XIII – proceder de maneira ilibada na vida pública e na particular; XVI – conduzir-se, mesmo fora do serviço ou na inatividade, de modo que não sejam prejudicados os princípios da disciplina, do respeito e do decoro policial militar; XVII – abster-se de fazer uso do posto ou da graduação para obter facilidades pessoais de qualquer natureza ou para encaminhar negócios particulares ou de terceiros; XIX – zelar pelo bom nome da Polícia Militar e de cada um dos seus integrantes, obedecendo e fazendo obedecer aos preceitos da ética policial militar.”
“O artigo 30 do mesmo Estatuto estabelece: “Todo cidadão, após ingressar na Polícia Militar mediante incorporação, matrícula ou nomeação, prestará compromisso de honra, no qual afirmará sua aceitação consciente das obrigações e dos deveres policiais militares e manifestará sua firme disposição de bem cumpri-los”. As condutas que lhe são atribuídas são opostas aos deveres do cargo que ocupa.”
E, emocionado, o comandante Marcos Nascimento, encerra: “Destarte, verifica-se que todo Policial Militar deve pautar seus atos conforme a lei, estando ou não de serviço, fato que não se vislumbra na conduta do soldado Itamar. Sendo assim, resta claro que o seu comportamento o torna incompatível com a relevância da função pública que desempenha. Por tais razões, entendo que não reúne as mínimas condições para permanecer nesta Instituição.”