As recentes notícias em referência à Proposta de Emenda Constitucional n. 443/09, também denominada de “PEC DAS CARREIRAS JURÍDICAS”, vêm trazendo algumas informações deformadas (ou incompletas) que, por conseguinte, vêm desqualificando o sofrido trabalho de muitos e formando opiniões perigosas. O motivo deste informe, posto que humilde, serve para injetar o lado oculto da discussão, uma vez que outras informações não reveladas a contento prejudicam muito a imparcialidade das opiniões. Com efeito, não estou simplesmente a legitimar uma luta (que tão arduamente conseguiu dar seu princípio) ou esgotar um tema tão complexo, mas a equilibrar prós e contras ao debate para uma interpretação mais justa.
Os principais veículos formaram uma opinião, em suma, de que a PEC n. 443/09 traria salários de R$ 30 mil às carreiras jurídicas, porquanto vinculado ao do Ministro do Supremo Tribunal Federal de R$ 33 mil. Não é verdade, porque tal informação é incompleta e engana o ouvinte/leitor, levando a pensar que essa prerrogativa atinge todos da carreira jurídica. Em verdade, somente “um único extremo chefe de uma instituição” ganharia R$ 30 mil, caso a proposta fosse aprovada. No caso da polícia, por exemplo, tão somente o Delegado Geral da Polícia teria tal legitimidade.
Pois bem.
Em regra, as carreiras jurídicas estão organizadas em classes, com maior ou menor grau, de acordo com peculiaridades de cada instituição. Segundo a PEC DAS CARREIRAS JURIDICAS, os intervalos de classe serão preenchidos de 5% a 10% do salário do extremo chefe em escala piramidal. Isso resultaria uma remuneração com variação de 15 a 24 mil para um advogado, procurador e delegado para o distinto execício inicial.
Igualmente importante, outra verdade ignorada é a de que sua aplicação (eficácia) foi diferida para daqui a dois anos, para União, e três anos, para estados e municípios. Então não há impacto orçamentário como querem fazer crer. Os valores impactantes sugeridos são irreais.
Assim, vem o primeiro lado oculto o qual a imprensa não revelou com propriedade: a grande maioria das carreiras jurídicas já ganha o que está previsto pela PEC n. 443/09 e sua aplicação tem eficácia diferida. Entendam, não é pauta-bomba! A questão em disputa é muito mais simbólica do que propriamente orçamentária. A motivação da “isonomia” que as carreiras buscam é de dignidade e de consideração, que a cada dia vêm provando sua carência com o distanciando impetuoso do Ministério Público e do Poder Judiciário, e isso é muito maior, nobre e representativo do que o valor material.
Ora, qualquer jurista tem conhecimento de que outrora o Ministério Público e a Advocacia Geral eram um órgão único, mas separados apenas para divisão de tarefas em nome da coerência sistêmica. Já o cargo de delegado (de polícia), na sua origem, era exercido pelo Poder Judiciário; hoje, exercido pelos chefes de polícia como “longa manus” do Judiciário para manter os magistrados à distância segura do fato, igualmente em nome da coerência sistêmica do sistema acusatório (por isso, dentre diversas atribuições, exerce atipicamente algumas funções próprias do juiz, tais como determinação de prisão em flagrante, arbitramento de fiança etc).
Não por outro motivo, em especial a cargo de delegado, o texto original da Constituição Federal de 1988 já previa a isonomia da carreira jurídica.
“Art. 241. Aos delegados de polícia de carreira aplica-se o princípio do art. 39, § 1º, correspondente às carreiras disciplinadas no art. 135 desta Constituição.”
O cargo de delegado de polícia sempre pertenceu à carreira jurídica. Mas a perda da referência textual, com a introdução da EC n. 19/98, impôs, para muitos, o esquecimento da sua origem, infelizmente. A partir daí, foi vencido ao efeito deletério e natural do tempo. O efeito imediato foi a questão remuneratória; já o mediato, a do próprio “status”. Em verdade, a PEC 443/09 não traz nada de inédito à mencionada carreira, mas tão somente traz à baila o esquecido título que remonta ao remoto hesterno.
Assim sendo, não é tão absurdo como dizem por aí. Se fosse tão monstruoso, de verdade, nenhum Deputado Federal confiaria seu voto em favor. Mas como visto, não é à toa que o primeiro turno da PEC foi aprovado por quase unanimidade.
Na verdade, como segundo lado oculto dessa discussão, tem-se que a PEC DAS CARREIRAS JURÍDICAS pretende corrigir a desigualdade que vem se intensificando a cada dia que passa, resgatando a isonomia das classes, dentre seus altos valores.
Tem também outro grande problema. É que a PEC DAS CARREIRAS JURÍDICAS está servindo de bode expiatório (e arma) de alguns políticos, querendo justificar sua própria crise política (e econômica) e a falta de credibilidade, desqualificando um árduo trabalho e sacrifício que vem se concretizando há mais de duas décadas. Já para uns, esse cenário serve de munição para um tiro contra o Governo Federal. Assim, muitos lançaram uma opinião no sentido de que o resultado favorável da Câmara era um mero reflexo do falido cenário político. Por óbvio, essa afirmação pode até ser uma “meia verdade”, pois, de fato, tal crise pode ter contribuído à luta. Mas não se engane, essa luta é autêntica, digna e tem vida própria.
Não sejamos inocentes. A PEC DAS CARREIRAS JURÍDICAS, como lembrado antes, não é um item de “pauta-bomba” como a imprensa pejorativamente vem a denominando, tachando-a como uma simples vingança política do embate dos Poderes Legislativo e Executivo. Esse filme está muito previsível, cuja pretensão é criar uma figura de herói para “consertar” e resgatar o Brasil da “crise”. Não acham?
Como dito alhures, só um único chefe da instituição vai ganhar o extremo de 30 mil reais; a maioria das carreiras já ganha o salário previsto pela proposta (que varia de 15 a 24 mil reais); e implementação tem eficácia diferida para dois anos (União) ou três anos (estados e municípios). E mais, o tema principal é a isonomia, diga-se: um resgate da dignidade das (demais) carreiras jurídicas.
Então segue o terceiro e derradeiro lado oculto: Essa proposta de emenda, que é de 2009, já tramita há 06 anos só para ter início a uma votação; mas, antes disso, foram outros 20 anos de luta protagonizados pelos autores invisíveis, mudos e sem cores só para obtenção de um número da PEC. Então, não rebaixemos o legítimo suor e esforço das carreiras como uma repugnante vingança política. Só quem acompanha diariamente os rastros de lágrima teria legitimidade para falar “mal” da PEC n. 443/09.
Com isso, ventilados alguns lados ocultos da discussão, longe de esgotar o assunto, espero ter contribuído para equilibrar algumas opiniões de prós e contras, tornando suas interpretações mais justas. A PEC não é um monstro sem sentido ou uma “pauta-bomba”. Mas carrega um valor muito mais elevado.
Encerro aqui minha voz sem deixar conclusão, pois tal não era pretendido desde o início e não estou a convencer ninguém. Mas só gostaria que as opiniões fossem de construção mais justa, ponderando outros argumentos que, na maioria, foram simplesmente ignorados.
(Texto extraído do site da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal. O autor do artigo, Yong Suk Choi, é delegado federal)