Uma ocorrência desproporcional foi registrada esta semana pela Guarda Civil Municipal de Vitória que demonstra a falta de habilidade e conhecimento de parte de alguns de seus agentes para enfrentar uma situação atípica. Um cidadão aposentado de 81 anos de idade, que acabara de sair de um condomínio comercial onde trabalha como vigilante, foi algemado pelos agentes da Prefeitura Municipal de Vitória e conduzido à 1ª Delegacia Regional (antigo DPJ da Capital), no bairro Horto, onde foi autuado em flagrante por porte ilegal de arma e desacato. Antes de ser algemado, o aposentado ainda pagou R$ 20,00 por uma corrida de táxi que não foi totalmente realizada.
O fato aconteceu na noite de quarta-feira (04/03) e nesta sexta-feira (06/03) o cidadão, que se chama Valdemar Silva Costa, o Valdemar Carabina, que é investigador de Polícia Civil aposentado, foi solto por ordem da Justiça. A desproporcionalidade está no fato de os agentes comunitários e de trânsito que participaram da ocorrência, talvez por inexperiência ou despreparo, terem algemado o aposentado de 81 anos.
Os agentes, de repente, desconhecem que a Súmula 11 do Supremo Tribunal Federal (STF) diz que “só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.”
Valdemar tinha saído do edifico Martinho de Freitas, no Centro, onde trabalha como vigilante, mesmo já estando aposentado há mais de duas décadas. Já passavam das 10 horas da noite de quarta-feira quando ele ia embora para casa. Dirigiu-se até a um dos pontos de táxi da Praça Costa Pereira e solicitou uma corrida até sua residência, no bairro Aribiri, Vila Velha.
O taxista Natanael Viana Oliveira ligou o taxímetro e deu saída com o carro. Alguns metros depois, Valdemar sentiu falta de sua bolsa e começou a discutir com o motorista. Irritado, o policial aposentado disse que iria saltar do carro e ir embora de ônibus, mas o taxista alegou que ele teria que pagar R$ 20,00 pela corrida. Depois, o taxista retornou à Praça Costa Pereira para tentar encontrar a bolsa de Valdemar.
A discussão prosseguiu e Natanael pediu ajuda a agentes de trânsito que estavam parados numa viatura em frente a um supermercado, na Costa Pereira, que o orientaram a telefonar para o Ciodes. O Ciodes mandou para o local uma viatura da Guarda Municipal. Aí foi a maior “baixaria”, segundo os agentes da Guarda Municipal, com Valdemar xingando todo mundo e dizendo que “agentes municipais não são policiais”.
À medida que o tempo foi passando, mais agentes da Guarda Municipal chegavam à Praça Costa Pereira. A guarda comunitária municipal Luciana Aparecida Oliveira Zamprogno, que assinou o Boletim de Ocorrência, descreve a situação e, no final, confirma que, diante dos xingamentos proferidos por Valdemar, o aposentado de 81 anos de idade “precisou ser algemado”.
Nos depoimentos dados por ela e sua colega Teresa Maria da Silva Neitzel – que é agente de trânsito e que teria sido a vítima das “agressões verbais” por parte de Valdemar – à Polícia Civil, as duas confirmam ter algemado o aposentado de 81 anos de idade.
A esta altura, os agentes já haviam recolhido o revólver calibre 32 que estava com Valdemar. O investigador aposentado, mesmo não tendo sequer dado uma volta de 500 metros no táxi de Natanael, teve que pagar R$ 20,00 pela corrida não realizada.
Levado para o antigo DPJ de Vitória, Valdemar foi autuado em flagrante pelo delegado de plantão, Guilherme Sodré Barbosa. O investigador aposentado foi autuado nos artigos 14, caput, da Lei 10.826/2003 (que aborda o porte ilegal de arma), e artigo 331 do Código Penal Brasileiro (desacato a servidor público).
Valdemar foi transferido ainda na madrugada do dia 5 para a Delegacia de Vila Velha, onde ficam presos policiais civis acusados de crime. A prisão dele foi comunicada ao Sindicato dos Servidores Policiais Civis do Estado do Espírito Santo (Sindipol), que tomou as providências para conseguir, via Justiça, a liberdade do investigador aposentado.
Sindipol vai representar contra os agentes comunitários
O presidente do Sindipol, Jorge Emílio Leal, não discute o mérito da acusação que pesa contra Valdemar Costa. “Se ele estava com uma arma ilegal, tem que responder na Justiça”, ponderou o dirigente do Sindicato. O que está deixando os policiais civis revoltados é o fato dos agentes da Guarda Civil Comunitária terem algemado um aposentado de 81 anos de idade:
“Houve um abuso de poder e uma ação desproporcional diante um idoso de 81 anos. Houve um desrespeito a uma decisão já consolidada pela mais alta Corte do País, que é o STF. Não questiono a prisão do senhor Valdemar, mas a maneira arbitrária e violenta com que os agentes da Guarda Civil Comunitária de Vitória agiram, algemando um aposentado com mais de 80 anos. Esse cidadão muito contribuiu para a segurança pública do Estado e continua contribuindo, trabalhando diariamente como vigilante em um prédio comercial no centro de Vitória”, protestou Jorge Emílio.
“Com certeza, o Sindipol vai à Justiça para denunciar os agentes por abuso de autoridade e por descumprirem uma decisão do Supremo”, completou o dirigente do Sindipol.
Outro fato que está revoltando a categoria de policiais civis é a declaração dos agentes comunitários, que disseram em depoimento que Valdemar estava “embriagado”. Segundo Jorge Emílio, “trata-se de mais uma mentira. O senhor Valdemar trabalha o dia todo como vigilante. Essa missão diária, a idade de 81 anos e os mais de 30 anos dedicados à Polícia Civil pesam em seu aspecto físico, o que é natural. Ele sempre andou cambaleando. Quem conhece o senhor Valdemar sabe de sua limitação física.”
Sindipol consegue soltura de Valdemar Costa
Ainda na quinta-feira, um dos advogados do Departamento Jurídico do Sindipol, o criminalista Luiz Alfredo de Souza e Mello, protocolizou na 6ª Vara Criminal de Vitória, para onde o Auto de Prisão em Flagrante em desfavor de Valdemar Costa foi distribuído, pedido de soltura. O caso foi analisado pela juíza Cláudia Vieira de Oliveira Araújo, que na tarde desta sexta-feira (06/03) deferiu o pedido da defesa.
“Tenho que a prisão obedeceu aos requisitos legais, não havendo nenhum vício formal ou substancial no auto de prisão em flagrante delito, razão pela qual homologo-o”, considerou a magistrada, que no entanto, ressalvou:
“Não obstante a existência de indícios de que o autuado seja o autor dos fatos narrados na ocorrência, tal requisito não se faz suficiente para a manutenção da prisão. Assim, por ser medida de exceção no ordenamento jurídico a prisão cautelar não se destina a punição antecipada da pena, sob o risco de revelar-se inconstitucional, por ofensa às garantias constitucionais da presunção de inocência e do devido processo legal.”
A juíza Cláudia Vieira Araújo determinou a soltura de Valdemar, impondo, todavia, aplicação das medidas cautelares. “A medida cautelar se justifica por ser necessária para a garantia da aplicação da lei penal e da instrução processual. Não há qualquer elemento nos autos que demonstre que o autuado (Valdemar) se escusará à aplicação da lei penal. Além disso, consta dos autos que o autuado é idoso, com 81 (oitenta e um) anos de idade…A liberdade provisória é direito que o autuado tem de aguardar em liberdade o desenrolar do processo até o trânsito em julgado da sentença, vinculado ou não a certas obrigações, sendo esta uma garantia constitucional, prevista no artigo 5º LXVI da Constituição Federal, o qual dispõe que “ninguém será levado à prisão ou nela mantido quando a lei admitir a liberdade provisória com ou sem fiança.”
A magistrada concedeu a liberdade provisória a Valdemar Silva Costa mediante o cumprimento das seguintes medidas cautelares: a) Proibição de se ausentar desta Comarca por mais de 10 dias, salvo autorização expressa deste Juízo, bem como mudar de endereço sem prévia comunicação (artigo 319, inciso IV, do CPP); e b) Recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga (artigo 319, inciso V, do CPP).
O que diz a lei
Porte ilegal de arma de fogo de uso permitido
Art. 14. Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
CP – Decreto Lei nº 2.848 de 07 de Dezembro de 1940
Art. 331 – Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela:
Pena – detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.
Exploração de prestígio