O procurador-geral da República, Rodrigo Janot Monteiro de Barros, opinou pela procedência parcial do pedido de Ação Direta de Inconstitucionalidade número 5.073/DF, pleiteada pela Confederação Brasileira de Policiais Civis (Cobrapol), a respeito da Lei 12.830/2013, sancionada pela Presidência da República há quase dois anos e que atribui carreira jurídica para o cargo de delegado de Polícia. Para o procurador-geral da República, pelo menos cinco dos seis artigos da lei são “inconstitucionais”. O relator da ADI, que tramita no Supremo Tribunal Federal, é o ministro Luiz Fux.
Ao analisar o mérito da ADI, o procurador-geral da República ataca cada item da Lei (sancionada em 20 de junho de 2013) e destaca, inicialmente, o artigo 2º, caput, da Lei 12.830/2013, que confere natureza jurídica às atribuições de polícia criminal e de apuração de infrações penais exercidas por delegados de polícia. Para Janot, esse item “desvirtua a sistemática da segurança pública conforme a define a Constituição da República.”
Segundo o procurador-geral da República, as atividades exercidas por delegado de polícia, ou seja, apuração de infração penal e funções de polícia criminal, em decorrência dos comandos constitucionais, possuem natureza eminentemente administrativa, não jurídica, a despeito de envolverem elementos jurídicos, como diversas outras funções públicas de natureza administrativa.
Rodrigo Janot apresenta, em seu parecer, explicação do professor e desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Álvaro Lazzarini, que morreu em fevereiro do ano passado: “A partir dessas providências, que representam a repressão imediata da Polícia Militar, a ocorrência criminal será transmitida à Polícia Civil, cabendo a esta, então a tarefa cartorária de sua formalização legal e investigatória de polícia judiciária, na apuração ainda administrativa, da infração penal, exceto as militares (art. 144, § 4 o ) e a de outros órgãos do poder público, uma vez que o inquérito policial nem sempre é necessário para instruir denúncia a ser oferecida pelo Ministério Público.”
Quanto ao artigo 2º, §§ 1º e 2º, o procurador geral da República entende que o enunciado “da lei afronta ao poder investigatório do Ministério Público e de outras instituições”. Para Rodrigo Janot, ao determinar caber a delegado de polícia condução da investigação criminal por inquérito policial ou outro procedimento legal, “a lei permite interpretação incorreta e inconstitucional de que qualquer procedimento investigatório de cunho criminal precisaria ser presidido com exclusividade por delegado de polícia. Disso resultaria exclusão de investigações realizadas por outros órgãos, com atribuições definidas, de maneira mais ou menos explícita, na Constituição da República (é o caso das comissões parlamentares de inquérito) e em leis (Receita Federal e Conselho de Controle de Atividades Financeiras, por exemplo), conforme destaca a petição inicial.”
Rodrigo Janot diz mais: “Em particular, (a lei permite) a interpretação equivocada do art. 2o , § 1 o , da Lei 12.830/2013 poderia trazer consequências indevidas à atuação do Ministério Público, cujos poderes investigatórios decorrem diretamente da Constituição da República. De maneira semelhante, o art. 2o , § 2 o , da Lei 12.830/2013, ao conferir a delegados de polícia poder de requisição de perícia, informações, documentos e dados, no curso de investigação criminal, pode induzir à interpretação equivocada e inconstitucional de que essa atribuição seria exclusiva desses servidores policiais, excluindo a atuação investigatória, o poder de requisição e a função de exercer controle externo da atividade policial por parte do Ministério Público, definidas pela Constituição da República.”
Por fim, o procurador-geral da República opina: “Consoante se analisou, a Lei 12.830, de 20 de junho de 2013, a pretexto de regulamentar investigação criminal conduzida por delegado de polícia, incorreu em numerosas inconstitucionalidades. Deve declarar-se a inconstitucionalidade do art. 2°, caput e §§ 1º , 2º , 5º e 6º , e do art. 3º. Quanto ao art. 2º, § 1º , deve ser declarada a nulidade parcial, sem redução de texto, a fim de preservar os poderes investigatórios do Ministério Público. No que se refere ao art. 2º, § 2º , deve ser declarada nulidade parcial, sem redução de texto, com intuito de resguardar o poder de requisição do Ministério Público e sua função de exercer controle externo da atividade policial, bem como de assegurar vigência à reserva de jurisdição prevista no art. 5o , XII, da Constituição da República. Ante o exposto, o Procurador-Geral da República opina pela procedência parcial do pedido, nos termos acima expostos”, finalizou Rodrigo Janot o seu parecer, datado de 26 de janeiro deste ano.
Os pontos analisados pelo procurador-geral da República:
1) É inconstitucional o artigo 2° ,caput, da Lei 12.830/2013, por atribuir natureza jurídica a cargo de delegado de polícia, pois desvirtua as funções a ele atribuídas pela Constituição da República e viola o art. 144 da CR.
2) Viola o art. 129, I, VI, VII e VIII, da Constituição, o art. 2o , §§ 1 o e 2o , da Lei 12.830/2013, ao conferir a delegados de polícia titularidade na condução de investigação criminal e poder requisitório sem ressalvar o poder investigatório, o poder de requisição e a função de controle externo da atividade policial atribuídas constitucionalmente ao Ministério Público. Nulidade parcial, sem redução de texto, do art. 2o , §§ 1 o e 2o , da Lei 12.830/2013.
3) Afronta o art. 5o , XII, da Constituição, o art. 2o , § 2 o , da Lei 12.830/2013, ao conferir poder de requisição a delegados de polícia sem resguardar a reserva de jurisdição para quebra de sigilo telefônico e para outras medidas investigativas.
4) É compatível com a subordinação da polícia ao Poder Executivo (art. 144, § 6 o , da Constituição) exigência de fundamentação para remoção de delegados de polícia, contida no art. 2o ,§ 5 o , da Lei 12.830/2013.
5) É inconstitucional o art. 2o , § 6 o , da Lei 12.830/2013, que dispõe sobre indiciamento, por atribuir a delegados de polícia função de análise técnico-jurídica da conduta investigada, desvirtuando as atribuições investigatórias desse cargo, previstas no art. 144, § 4 o , da Constituição. O dispositivo fere igualmente os princípios da finalidade e da proporcionalidade, por prever ato administrativo desprovido de relevância processual e que gera estigma para o investigado, sem nenhum ganho para o interesse público.
6) Afronta a reserva de iniciativa do Chefe do Executivo para legislar sobre regime jurídico de servidor público (art. 61, § 1 o , II, c, da CR), o art. 3o da Lei 12.830/2013, pois estabelece tratamento protocolar para delegados de polícia e fixa requisito de bacharelado em Direito para o cargo. 7. Parecer pela procedência parcial do pedido.