A atual Tropa de Elite da Polícia Militar do Estado do Espírito Santo foi fundada em 1986 como fruto da necessidade de se criar uma tropa que apresentasse um nível de treinamento diferenciado, pronta para emprego em missões para as quais as tropas regulares não dispunham de meios técnicos ou operacionais. No dia 3 de setembro de 1986 foi então criada a Companhia de Polícia de Choque, ainda vinculada ao 1º Batalhão da PM (Vitória), tornando-se independente somente em 1988.
Com o passar dos anos, viu-se a necessidade de ampliação da tropa especializada. Em 28 de agosto de 1998 nasceu o Batalhão de Missões Especiais (BME). O BME tem inúmeros serviços importantes prestados à população capixabas e sua credibilidade raramente é questionada, dada à experiência e competência de seus integrantes – oficiais e praças.
Nos últimos dias, entretanto, o BME viveu no olho do furacão. Como se não bastasse a perda de um soldado – Dayclon Nascimento Feu, 28 anos, foi morto com um tiro na cabeça, durante confronto com bandidos no bairro Padre Gabriel, em Cariacica –, na madrugada de 7 de setembro do ano passado, a unidade se vê agora na obrigação de passar a limpo seu papel e tendo que justificar cada ato. Sofreu ataques de todos os lados, mas não vai esmorecer.
O Batalhão de Missões Especiais da PMES é uma das tropas mais respeitadas do Brasil. Ela capacita e dá curso para oficiais e praças de todo o País. Já deu cursos também para operadores de segurança pública de outras forças, como da Polícia Federal e Polícia Civil de outros estados, além de agentes da Justiça Federal.
Todavia, uma ocorrência com morte – a primeira na história da unidade de elite – pode colocar tudo a perder se a sociedade capixaba, a quem o BME pertence e serve com eficiência e responsabilidade, não reagir. No dia 7 de setembro de 2014, Feu estava com outros três policiais militares numa guarnição, quando ele e os colegas foram surpreendidos por bandidos armados, que atiraram na direção da viatura.
Feu acabou morto com um tiro. Investigações da Polícia Civil, conduzidas pelo sério e competente delegado João Paulo Pinto, da Delegacia de Crimes Contra a Vida de Cariacica, indicam que o tiro teria saído da arma de outro soldado, Adriano da Rocha Esteves, que, involuntariamente, atingiu a nuca de Feu.
Como se não bastasse a perda irreparável do soldado Feu, o BME é acusado de cometer erros de procedimentos. O delegado João Paulo Pinto anunciou a conclusão do inquérito no dia 19 deste mês. Deu entrevistas em que apontou os vestígios que o levaram a acreditar que o tiro mortal saiu da arma de outro policial e não dos bandidos, mesmo contrariando a Perícia Criminal da própria Polícia Civil, para quem o tiro não saiu da arma do soldado Adriano.
As entrevistas do delegado João Paulo, principalmente as dadas aos canais de TV, foram elogiadas dentro do núcleo de governo. Entretanto, o governador Paulo Hartung, em conversa com seu secretário de Estado da Segurança Pública e Defesa Social, André Garcia, pediu novamente que “arestas fossem paradas” e que o resultado das investigações de modo algum interfira na boa relação entra as Polícias Civil e Militar, que o governador quer ver integradas.
Desde os primeiros momentos da tragédia, o BME deu apoio aos familiares do soldado Feu e ao soldado Adriano – ambos, vítimas da violência de nosso cotidiano. Desde os primeiros instantes, oficiais do BME procuraram manter o controle da tropa, pois a morte do soldado revoltou seus integrantes.
Dentro da Polícia Militar, entretanto, há quem gostaria que algumas informações fossem explicadas e a versão do BME viesse ao público. No Inquérito Policial da DP de Crimes Contra a Vida de Cariacica, por exemplo, consta a informação de que a farda usada pelo soldado Feu no dia em que foi morto não teria sido preservada e foi incinerada nas dependências do quartel do BPM.
Informações que constam Inquérito Policial Militar (IPM), às quais o Blog do Elimar Côrtes teve acesso restrito e com base em depoimentos de testemunhas (praças e oficiais ouvidos no inquérito), são no sentido de que a farda foi incinerada cinco dias depois de ter sido levada para o BME. Um sargento, ao ver a farda suja de sangue, decidiu queimá-la.
Consta ainda informação de que a farda não havia até aquele momento (12 de setembro) sido requisitada pela Polícia Civil. Além do mais, as vestimentas teriam sido rasgadas por médicos durante o procedimento cirúrgico a que o soldado Feu foi submetido depois de socorrido e levado a um hospital de Vitória.
Para a Perícia Criminal, a destruição da farda não teria prejudicado a elaboração do lado, pois outros vestígios foram encontrados na viatura que fizeram com que a perícia pudesse afirmar como a morte aconteceu.
Consta ainda no Inquérito Policial Civil que as armas dos quatro policiais militares da guarnição não teriam sido recolhidas imediatamente pela PM. De acordo com fontes que tiveram acesso ao Inquérito Policial Militar, nele há explicação de que o delegado que estava de plantão na Delegacia de Crimes Contra a Vida de Cariacica madrugada do dia 7 de setembro de 2014, quando Feu foi morto, teria apreendido apenas duas armas: a arma do Feu e a do soldado, Vendler, que estava no banco da frente da viatura.
Porém, um dos oficiais que estavam na Operação após a tragédia, sugeriu ao delegado que solicitasse todas as armas. O delegado concordou. Devolveu as duas armas ao oficial, que foi ao quartel do BME e apreendeu as outras duas pistolas, ainda no dia 7 de setembro, conforme Auto de Apreensão anexado ao IPM.
O oficial colocou as quatro armas numa sacola, lacrou a embalagem e guardou em um cofre, aguardando solicitação oficial por parte da Polícia Civil. De acordo com fontes que tiveram acesso ao IPM, no dia 12 de setembro o delegado João Paulo Pinto, que aquela altura já havia assumido a presidência do Inquérito Policial que investigou o caso, requisitou as quatro armas e as anexou ao inquérito da Polícia Civil.
Está anexo também no IPM cópia do relatório do BME em que há ordem expressa para que a viatura 3117, em que o soldado Feu foi morto, não sofresse “nenhum processo de limpeza, para não prejudicar possíveis perícias necessárias”. De acordo com relatório, outro oficial solicitou à Corregedoria Geral da PM que enviasse ofício à Polícia Civil pleiteando que a perícia fosse realizada ainda naquele dia 7 de setembro, o que acabou acontecendo: a viatura foi levada até o pátio da Chefatura de Polícia, na Reta da Penha.
No dia 10 de setembro a viatura foi novamente periciada. Desta vez, atendeu pedido do chefe da Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa, delegado José Lopes.
Na última semana, o BME apanhou, sem que uma voz de dentro da caserna saísse a seu favor. Todos se calaram, aguardando um sinal positivo por parte do governo, que não chegou.
A unidade, que é considerada a tropa de elite da Polícia Militar, ficou sob fogo cruzado. Pelas redes sociais, jornais, emissoras de rádio e TV, pseudos especialistas criticaram “os erros de procedimentos” da guarnição em que o jovem soldado Feu foi baleado. Até gente do próprio governo criticou o BME, esquecendo-se de seus relevantes serviços prestados à população do Espírito Santo.
Somente quem está dentro de uma viatura, no momento em que o veículo está sendo atacado por tiros, é que sabe o pânico em que está envolvido, principalmente onde ocorreu, no bairro Padre Gabriel, Cariacica, com suas ruas apertadas e mal iluminadas.
O Batalhão de Missões Especiais é, mesmo, uma unidade operacional muito bem treinada. Tanto que, desde 2006, já participou de 38 ocorrências com reféns. Resultado: zero por cento de reféns e suspeitos perdidos. Ocorreram, porém, que dois tomadores de reféns se suicidaram quando se viram cercados do lado de fora pela polícia: em 2007, dentro de uma empresa em Cariacica, e outra no ano seguinte, em Central Carapina, na Serra. Para não se render e não irem, para a cadeia, optaram por se matar.
O Batalhão de Missões Especiais da Polícia Militar continuará firme e forte em sua missão de salvar vidas e proteger a sociedade do Estado do Espírito Santo. O ânimo da tropa não vai cair com os ataques que recebeu nos últimos dias. O BME merece mais respeito e a sociedade precisa reagir.
Como diz um dos ensinamentos de Maquiavel, o povo conspira com quem o protege. o povo conspira com quem o protege.