O presidente da Associação dos Oficiais Militares Estaduais do Espírito Santo (Assomes/Clube dos Oficiais), tenente-coronel Rogério Fernandes Lima, enalteceu a iniciativa da Câmara dos Deputados em realizar, no Espírito Santo, audiência pública em que foi discutida a reforma do Código Penal Militar e do Código de Processo Penal Militar. Ambos os Códigos são de 1969 e a atualização é um anseio da Justiça Militar e de outros setores envolvidos com o tema.
O seminário aconteceu na segunda-feira (19/06), no Plenário da Assembleia Legislativa, em Vitória. Embora seja do interesse geral, sobretudo das corporações militares, os Comandos-Gerais da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros do Espírito Santo não participaram da audiência pública – apesar de terem sido convidados – e nem enviaram representantes – nem mesmo oficiais das duas Corregedorias.
“É lamentável que a PM e o Corpo de Bombeiros não se dignaram a participar oficialmente do debate”, protestou o deputado federal Subtenente Gonzaga (PDT-MG), relator da Subcomissão Especial destinada a discutir e propor alterações nos dois Códigos – a Subcomissão é vinculada à Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados.
Já o presidente do Clube dos Oficiais, tenente-coronel Rogério, elogiou o alto nível do seminário. Ele foi um dos expositores da audiência pública:
“O seminário na Assembleia Legislativa foi muito interessante porque ouvimos juristas de vários Estados, bem como os presidentes dos Tribunais de Justiça Militar de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. O tema é importante para a carreira dos oficiais militares, pois exercemos a função de Polícia Judiciária Militar, nas confecções de Auto de Prisão em Flagrante Delito (APFD) e na condução dos Inquéritos Policiais Militares (IPM)”, disse o tenente-coronel Rogério, que ainda acrescentou:
“Não obstante, os oficiais funcionam como juízes- militares na Vara de Auditoria Militar, quer seja no Conselho Permanente de Justiça ou no Conselho Especial”.
Em sua exposição, o tenente-coronel Rogério ressaltou a importância do policial militar e do bombeiro militar como mediadores de conflitos. “O policial militar, muitas vezes, é o único servidor público estadual presente nos 78 municípios do Espírito Santo. Defendo que o Código Penal Militar e o Código Processual Militar, que datam de 1969, precisam de uma atualização à luz da Constituição Federal de 1988, obedecendo os seus princípios implícitos e explícitos”, completou o presidente do Clube dos Oficiais.
O evento contou ainda com a presença de representantes da Câmara dos Deputados, da Assembleia Legislativa, da Justiça Militar, do Conselho Nacional de Justiça, de advogados, policiais e bombeiros militares.
De acordo com o deputado federal Subtenente Gonzaga, um dos objetivos das audiências públicas é dar mais cidadania aos Códigos.
“Nós precisamos de um Código que defenda a cidadania dos policiais e bombeiros militares. A legislação precisa ser rígida, mas que não imponha que a hierarquia, a disciplina e o controle interno sejam instrumentos de dominação das pessoas dentro da corporação. Nós estamos tratando de pessoas que têm direito ao respeito e ao devido processo legal, à defesa, ao contraditório e a um julgamento justo”, explicou Subtenente Gonzaga.
Juristas se divergem sobre alguns tópicos do tema
Outra questão que permeou o debate é se apenas a atualização da legislação seria suficiente ou se seria necessária a elaboração de novos códigos. Algumas posições sobre o assunto foram divergentes. O presidente do Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo, juiz Sílvio Hiroshi Oyama, por exemplo, acredita na atualização da legislação vigente.
“Eu gosto de enfatizar que o Código Penal Militar e o Código de Processo Penal Militar são de 1969. Se pensar em termos de legislação, não é uma legislação tão antiga”, pontuou Silvio Hiroshi Oyama, que também esteve representando a Associação dos Magistrados das Justiças Militares Estaduais (AMAJME),
“O que eu tenho debatido muito é a necessidade de atualização e não da feitura de um novo Código. Existem vários artigos no Código Penal Militar que são muito mais atuais do que o Código Penal comum”, destacou.
Já o presidente do Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais, juiz Fernando Antônio Nogueira Galvão da Rocha, defendeu a elaboração de novos Códigos. “Parece que há um consenso que a nossa legislação perdeu a simetria e que nós não temos acompanhado as discussões mais recentes da Justiça comum”, apontou.
Segundo ele, uma das maiores dificuldades da Justiça Militar é o “instrumental antigo”: “Precisamos ter códigos novos e não é suficiente fazer pequenas alterações. Porque nós temos grandes problemas”, frisou.
O procurador-geral de Justiça Militar, Jaime de Cássio Miranda, discordou do posicionamento do magistrado mineiro, pois a elaboração de novos Códigos demoraria muito.
“Acho que a melhor forma de fazer essas mudanças é fazendo uma adaptação. Precisamos buscar saídas pontuais, modificando aquilo que é mais urgente”, sugeriu Jaime de Cássio Miranda.
A representante da Justiça Militar da União, juíza Maria Placidina de Azevedo Barbosa, também defendeu mudanças pontuais em vez de uma legislação totalmente nova. Como exemplo de dispositivo a ser acrescentado, sugeriu a adequação da lei à presença feminina na esfera militar.
“Em 1969 (ano em que os Códigos foram publicados), as mulheres não podiam entrar para as Forças Armadas, mas hoje isso é uma realidade, ou seja, precisamos atualizar, por exemplo, as leis de assédio sexual dentro da instituição”, destacou.
Atualizações
Dentre as alterações defendidas pelos participantes estão as adequações da legislação militar às atualizações do Direito Penal comum. Sílvio Oyama enfatizou essa necessidade:
“O legislador tem, por vezes, esquecido de estender a legislação comum para o âmbito militar. A Polícia Militar só pode trabalhar com delitos que estão dentro do Código Militar. Se esse Código não sofre atualização, automaticamente a Justiça fica de mãos atadas”, explicou Oyama.
Ele exemplificou a questão com o caso das milícias. “Esse delito (milícia), a Justiça Militar não pode julgar porque foi uma atualização do Código Penal e não foi estendida à Justiça Militar. E quem trabalha nessa área sabe que grande parte das milícias são formadas por policiais militares”, explicou.
Já o deputado Subtenente Gonzaga acrescentou outros temas que foram atualizados no Código Penal Brasileiro e não foram estendidos ao militar, como os crimes de tráfico de drogas, infanticídio e tortura.
O presidente da Associação de Cabos e Soldados da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros e do Estado do Espírito Santo (ACS/ES), sargento PM Renato Martins da Conceição, também participou da audiência pública, afirmando que é preciso romper alguns paradigmas em relação ao Direito Militar.
“Os Códigos se aplicam aos militares federais e estaduais, quando, na verdade, o militar estadual cuida da segurança pública e da proteção do cidadão, enquanto que o militar federal cuida da defesa nacional. Não seria correto, na minha visão, colocá-los no mesmo patamar porque tratar um cidadão no atendimento de uma ocorrência não é a mesma coisa que tratar o inimigo externo. O policial militar é treinado e condicionado a lidar com o cidadão, ele não lida com o inimigo e por diversas vezes o militar tem que agir por iniciativa própria, precisa agir avaliando circunstâncias e situações mais variadas onde ele decide, enquanto que o militar federal age por comandamento, seguindo a regra do já o militar estadual, quem o conduz é a circunstância, sua avaliação do fato e em frações de segundos”, ponderou o sargento Renato.
O deputado estadual Josias Da Vitória (PDT), que é cabo da reserva remunerada da PM, os militares estaduais brasileiros vivem sob regulamentos diabólicos:
“Não dá mais para nossos militares serem regidos por regras diabólicas. Precisamos do apoio dos senhores na Câmara Federal para mostrarem o que acontece no Espírito Santo. Estamos há anos tentando acabar com o atual Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do Espírito Santo, que é regido por um decreto de 2001, arcaico e diabólico. Precisamos atualizá-lo, mas essa Casa não debate o tema”, protestou Da Vitória.
O parlamentar se refere ao Projeto de Decreto Legislativo 02/2008, de sua autoria e que sustaria o Regulamento Disciplinar dos Militares Estaduais. Em fevereiro deste ano, o projeto foi rejeitado por 16 votos durante a sessão da Assembleia Legislativa.
Policiais capixabas
Outro assunto que veio à tona durante os trabalhos foi o movimento de paralisação dos policiais militares capixabas, ocorrido em fevereiro deste ano. O seminário estava sendo acompanhado por familiares de policiais, que empunhavam faixas pedindo justiça pelos militares que foram presos por participarem do movimento.
A Subcomissão
A Subcomissão Especial destinada a discutir e propor alterações no Código Penal Militar (Decreto-Lei 1.001/69) e no Código de Processo Penal Militar (Decreto-Lei 1.002/69) é vinculada à Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados.
O colegiado tem promovido diversos encontros estaduais para discutir o assunto. Já foram realizados seminários em Belo Horizonte (MG), São Paulo (SP), Boa Vista (RR) e Goiânia (GO). Após o ciclo de debates, que ainda vai passar por Fortaleza (CE), Florianópolis (SC) e Porto Alegre (RS), o colegiado pretende elaborar uma proposta de lei para tramitar na Câmara Federal.
No Espírito Santo, o debate foi realizado com o apoio da Comissão de Segurança e Combate ao Crime Organizado da Assembleia Legislativa.
(Com informações também dos portais da Ales e da ACS/ES)