Os apelos da presidente Dilma Roussef (PT) para que a Indonésia suspendesse a pena de morte do carioca Marco Archer Cardoso Moreira, preso há mais de 10 anos naquele país por tráfico de drogas, não surtiram efeito: no sábado, Marco foi morto por um pelotão de fuzilamento da Indonésia. Outro brasileiro, o paranaense Rodrigo Muxfeldt Gularte, também se encontra no corredor da morte para ser executado. Foi preso, também há 10 anos, por tráfico de drogas.
Marco Moreira foi preso em 2003 após tentar entrar na Indonésia com pouco mais de 13 kg de cocaína escondidos no interior de uma asa-delta. No momento em que foi pego, ainda no aeroporto, conseguiu escapar e ficou foragido por duas semanas. Seu julgamento por tráfico de drogas e posterior condenação à morte aconteceram em 2004. Desde então, teve seu caso acompanhado por um advogado e também pelo governo brasileiro. O Estado brasileiro agiu corretamente para defender seu cidadão.
Pelas redes sociais, o povo brasileiro se manifestou: alguns ficaram indignados; outros, no entanto,aplaudiram a Justiça da Indonésia por ter condenado Marco à pena de morte. O governo da presidente Dilma ameaça a Indonésia com represálias no campo diplomático.
O povo brasileiro é desse jeito: sempre que há algo que causa comoção, ele se manifesta. Os brasileiros são capazes de ficar – e com razão – indignados com ataques terroristas a uma revista em Paris, em que foram mortos 12 pessoas, mas não vão às ruas protestar pelas mortes de milhares de brasileiros no nosso dia-a-dia.
Agora volta à discussão sobre pena de morte, porque, pela primeira vez, um brasileiro foi vítima (seria esse mesmo o termo a ser usado?) desse tipo de sentença em um país estrangeiro. Esquecem todos, entretanto, que o Brasil já tem pena de morte, aplicada diariamente nas ruas das periferias das cidades brasileiras.
Por aqui, há muitas décadas o tráfico de drogas criou suas próprias leis: os chefões do tráfico prendem seus rivais, julgam e os condenam à pena capital. Raramente, aplicam sanções “mais leves”, como tortura, tiros nos pés ou nas mãos e até estupro. As vítimas dos traficantes não têm direito a advogados.
Os maiores “pacientes” dos traficantes pelo Brasil afora são integrantes de gangues rivais e policiais militares (em sua maioria), civis e até federais. Em 1992, dois agentes federais lotados na Superintendência Regional da Polícia Federal no Espírito Santo, ao se perderem em uma favela no Rio, foram cercados, dominados e executados a tiros por traficantes. Um terceiro agente conseguiu sobreviver.
Os traficantes no Brasil não ouvem a voz de clemência dos pais de suas vítimas. Quando a sentença é dada, tem de ser cumprida a todo custo: a vítima é caçada e morta. Quem cumpre a missão da execução geralmente são os “soldados” do tráfico, que não discutem a ordem. São fiéis e leais, pois, quando são presos pela polícia, jamais deduram o patrão, que, assim, nunca é indiciado como mandante de crime.
As vítimas dos traficantes são crianças, adolescentes (em sua maioria negros), adultos que invadem seus negócios iu abrem uma concorrência e policiais, que ousam combater seus crimes. Quando saem para executar a missão, os “soldados” do tráfico estão sempre armados de pistolas e fuzis: atiram a esmo, acertam seu alvo, mas matam também crianças, mulheres e idosos com as chamadas “balas perdidas”.
Sim, no Brasil já tem pena de morte há várias décadas contra policiais sem que ninguém vá às ruas protestar; sem que grupos de direitos humanos façam campanha pelo fim da matança. No Rio de Janeiro, quase 200 policiais militares foram assassinados no ano passado. É ou não pena de morte ou uma guerra civil?
Levantamento feito pela Anistia Internacional indica que somente em 2013 pelo menos 778 pessoas foram alvo da pena de morte em mais de 50 países que adotam a pena capital. Dados da última edição do Anuário de Segurança Pública revelam que 490 policiais morreram de forma violenta em 2013 no Brasil. De 2009 até 2014, foram mais de 1.770 homens da lei assassinados em nosso País. Ou seja, anualmente, o Brasil já está quase chegando ao topo do mundo quando o assunto é pena de morte aplicada contra policiais.
Nossos congressistas deveriam aproveitar o clamor para estudar reformas urgentes nos Códigos Penal e Processual brasileiros. Nada de pena de morte oficial, mas aumento de punição (tempo de prisão) para assassinos, principalmente quem mata autoridade do Estado, latrocidas (quem mata para roubar), estupradores, traficantes e corruptos; nada de prisão perpétua, mas o fim da chamada progressão de pena. O sujeito, ao ser condenado, precisa saber que terá de cumprir a pena integralmente.
Enquanto a presidente Dilma fica indignada com a morte, diante de um pelotão de fuzilamento, do carioca Marco Moreira na Indonésia, os traficantes vão aplicando diariamente a pena de morte por todo o Brasil sem que o Estado e a sociedade brasileiros reajam.
A “pena de morte’ no Brasil
– A cada dia, 154 pessoas morreram, em média, vítimas de homicídio no Brasil, em 2012. Ao todo, foram 56.337 pessoas que perderam a vida assassinadas, 7% a mais do que em 2011, segundo o Mapa da Violência 2014.
– As principais vítimas são jovens do sexo masculino e negros. Ao todo, foram vítimas desse tipo de morte 30.072 jovens, com idade entre 15 e 29 anos. O número representa 53,4% do total de homicídios do País. Também, desse total, 91,6% eram homens.
– Os dados de 2012 revelam que, a partir dos 13 anos de idade, o percentual começa a crescer. Passa de quatro homicídios a cada 100 mil habitantes para 75, quando se chega aos 21 anos de idade.
– Os homicídios também vitimam majoritariamente negros: pretos e pardos. Foram 41.127 negros mortos, em 2012, e 14.928 brancos.
– Ao todo, ao longo desta década, morreram 556 mil pessoas vítimas de homicídio, “quantitativo que excede largamente o número de mortes da maioria dos conflitos armados registrados no mundo”.
– Comparando 100 países que registraram taxa de homicídios, entre 2008 e 2012, para cada grupo de 100 mil habitantes, o estudo conclui que o Brasil ocupa o sétimo lugar no ranking dos analisados. Fica atrás de El Salvador, da Guatemala, de Trinidad e Tobago, da Colômbia, Venezuela e de Guadalupe.
– Dados do Ministério da Justiça indicam que, pelo menos 70% dos homicídios registrados no Brasil, são provocados pela guerra do tráfico ou uso de drogas.
A pena de morte pelo mundo
Em 2013 (últimos dados disponíveis da Anistia Internacional), houve 778 execuções no mundo, 96 a mais do que em 2012.
1.925 pessoas foram condenadas à morte em 57 países em 2013.
Há cerca de 23 mil pessoas em corredores da morte pelo mundo.
Os métodos de execução variam. Decapitação (Arábia Saudita), eletrocução (Estados Unidos), enforcamento (Afeganistão, Bangladesh, Índia, Irã, Iraque, Japão, Kuwait, Malásia, Nigéria, Autoridade Palestina – Hamas, Sudão do Sul, injeção letal (China, Vietnã e Estados Unidos), fuzilamento (China, Indonésia, Coreia do Norte, Arábia Saudita, Somália, Taiwan e Iêmen).
Execuções públicas ocorrem em quatro países: Irã, Coreia do Norte, Arábia Saudita e Somália.
Países que condenam à morte por tráfico de drogas incluem China, Indonésia, Irã, Malásia, Paquistão, Qatar, Arábia Saudita, Tailândia, Emirados Árabes e Iêmen.
A China não divulga quantas pessoas executa anualmente e alega que o número é segredo de Estado.
O ministério da Saúde chinês ainda usa órgãos de prisioneiros executados em transplantes, segundo a Anistia Internacional.
80 pessoas foram condenadas à morte nos Estados Unidos em 2013, 39 foram executadas (43 em 2012).
Maryland tornou-se, em 2013, o 18º estado americano a abolir a pena de morte.
Mais de 80% dos 67 especialistas incluídos em um estudo nos EUA concluíram que a pena de morte não reduz crimes.
Mas um estudo de pesquisadores da Universidade de Houston concluiu que cada execução no Texas preveniu entre 11 e 18 homícios no Estado.
Um estudo da Universidade de Michigan indica que um a cada 25 condenados à morte nos EUA é inocente.
Fonte: BBC Brasil