Bruno Taufner Zanotti é uma pessoa de fala mansa. Por trás da quietude, porém, está um profissional frenético. Delegado de Polícia Civil, professor e escritor, ele divide seus dias exercendo várias tarefas. Não abandona nenhuma das missões e, ao mesmo tempo em que tem atuação firme como um dos delegados da Corregedoria Geral de Polícia Civil do Espírito Santo, encontra tempo para dar aulas de Direito em faculdades e falar de sua sobras literárias.
O capixaba Bruno Zanotti e o delegado de Polícia do Maranhão Cleopas Isaías Santos acabam de lançar a segunda edição da coleção “Carreiras em Ação”, com a obra “Delegado de Polícia em Ação: Teoria e Prática no Estado Democrático de Direito”, pela Editora JusPodivm.
Com abordagem abrangente e didática, a coleção visa preparar os candidatos para as provas discursivas dos concursos das carreiras jurídicas mais importantes do País, suprindo uma lacuna no mercado. Além de trazer modelos de peças, pareceres e pronunciamentos, contemplando orientações e dicas essenciais, a coleção tem o objetivo de facilitar a compreensão de como se dá a atuação prática em cada carreira jurídica, tanto na esfera judicial, quanto na extrajudicial.
“A obra veio para romper uma ideia muito comum nos manuais de Processo Penal no Brasil, qual seja, o compartilhamento acrítico de que o delegado de Polícia é um agente exclusivamente do Estado e não de proteção da sociedade”, afirma Bruno Zanotti.
Blog do Elimar Côrtes – Fale um pouco de sua trajetória até chegar ao o cargo de delegado de Polícia Civil.
Bruno Taufner Zanotti – Sou formado pela Faculdade de Direito de Vitória, local onde, logo após a formatura, iniciei um curso de pós-graduação em Direito Público, ao mesmo tempo em que eu conciliava as minhas atividades como advogado e estudava para concursos públicos. Na época, meus estudos eram direcionados, principalmente, para os cargos de Delegado da Polícia Federal, Procurador do Estado ou de Município, Ministério Público e analista em alguns Tribunais.
Posteriormente, e de forma paralela aos estudos para concurso público, iniciei a pós-graduação strictu sensu (mestrado) em Direitos e Garantias Fundamentais, o que, devido à alta carga de leitura, chegou a dificultar meus estudos para concurso, mas sem nunca desistir desse objetivo. Coincidentemente, já no segundo ano do mestrado, fui nomeado para o cargo de delegado de Polícia aqui no Estado e, na mesma semana em que esse fato aconteceu, surgiu o convite para eu escrever o meu primeiro livro, que se chama “Controle de Constitucionalidade para Concursos”, que chegou à 3ª edição em junho deste ano.
Nesse período, fui nomeado em alguns concursos públicos, inclusive fora do Estado, mas optei pelo cargo Delegado da Polícia Civil do Espírito Santo, que atualmente ocupo. A paixão pela minha atual atividade foi desenvolvida no dia-a-dia, com muita dedicação e apoio dos colegas. Inicialmente, fui lotado durante na Acadepol (Academia de Polícia Civil) e na DHPP (Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa).
Posteriormente, fui designado como delegado de Polícia na DIPO de Linhares e cheguei acumular outras delegacias. Foi nessa época que surgiu, por minha iniciativa junto à editora, a oportunidade de escrever o livro “Delegado de Polícia em Ação”.
A coleção ‘Carreiras em Ação’ já contava com um livro para o Ministério Público e outro para a Advocacia Pública, motivo pelo qual verifiquei junto à editora a possibilidade de produção desta obra. Foi então que a editora me apresentou Cleopas Isaías Santos, delegado de Polícia do Maranhão, com quem eu escrevi a obra, que, no mês passado, chegou a sua 2ª edição.
Atualmente, além dessas duas obras, tenho dois outros livros: “Controle de Constitucionalidade”, pela Editora Juspodivm, para a Coleção Leis Especiais Comentadas, cuja 3ª edição foi lançada no mês passado, onde analiso, artigo por artigo, as principais leis e artigos da Constituição Federal sobre o tema; e o livro “Carreiras Específicas: Delegado de Polícia Civil”, publicado pela Editora Saraiva, no qual eu sou o responsável em analisar inúmeras questões de concurso público sobre o tema de Direito Constitucional. Ademais, também estou cursando outro curso de pós-graduação strictu sensu em Direitos e Garantias Fundamentais, mas, agora, na forma de doutorado. Por fim, após trabalhar em Linhares, estou, atualmente, localizado na Corregedoria Geral da Polícia Civil.
– Qual é a síntese do livro “Delegado de Polícia em Ação”?
– Na época em que surgiu a oportunidade de eu escrever o livro, somente existia mais um no Brasil que tratava desta temática, que é a obra “Manual do Delegado”, de autoria de Amintas Vidal Gomes e atualizada pelo delegado Rodolfo Laterza (atual presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado do Espírito Santo). Por isso, a obra nasceu em decorrência da nítida escassez de livros no mercado editorial brasileiro que tratassem do cargo de delegado de Polícia e que, efetivamente, fossem escritos por profissionais da classe comprometidos com o respeito às normas constitucionais e que conhecessem o cotidiano da atividade policial. O tema do inquérito policial era, basicamente, tratado em Manuais de Processo Penal escritos por promotores de Justiça, magistrados e advogados.
A partir de teóricos como Ronald Dworkin, Jürgen Habermas, Lenio Streck, Peter Häberle, Aury Lopes Jr. e Luigi Ferrajoli, busquei, em coautoria com o delegado Cleopas Isaías Santos, reescrever os fundamentos basilares para o exercício do cargo de delegado de Polícia e para o funcionamento da investigação policial. Durante a pesquisa, verificamos que muitos julgados dos Tribunais e diversos posicionamentos de doutrinadores possuem entendimentos que não são compatíveis com uma atuação adequada aos direitos fundamentais e à Constituição Federal de 1988.
– O que difere esta segunda edição da primeira edição?
– No caso da obra, “Delegado de Polícia em Ação”, a segunda edição foi lançada no mês passado. A nova edição de um livro é sempre motivo de grande alegria para os autores. No caso desse trabalho, a alegria é potencializada pela edição de duas tiragens em 10 meses, sendo que a primeira esgotou-se em apenas um mês após sua publicação. Como não seria adequada uma nova edição em tão pouco tempo do lançamento inaugural, optou-se por uma segunda tiragem, que também se esgotou em menos de um ano.
Além da necessária atualização da obra com os recentes julgados do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, a obra vem atualizada em razão da publicação das seguintes leis: Lei nº 12.830/2013 (investigação conduzida pelo Delegado de Polícia); Lei nº 12.850/2013 (nova Lei das Organizações Criminosas); Lei nº 12.852/2013 (Estatuto da Juventude); Lei nº 12.878/2013 (nova prisão cautelar para fins de extradição); Lei nº 12.894/2013 (novas atribuições investigatórias da Polícia Federal), além da aprovação das Súmulas do I Seminário Integrado da Polícia Judiciária da União e do Estado de São Paulo.
Ademais, vários outros temas que fizeram parte do dia a dia no último ano dos delegados de Polícia do Espírito Santo e de outros Estados da federação também foram incorporados ao livro, como a questão da suposta atribuição investigativa da Polícia Militar nos crimes de homicídio cometidos por militares em face de um civil, a possibilidade de o delegado de Polícia figurar como testemunha em uma ação penal e o real significado do mesmo tratamento protocolar dos magistrados e membros do Ministério Público atribuído ao delegado de Polícia com base na Lei nº 12.830/13.
– Qual é o público alvo do livro?
– A ideia proposta foi escrever um livro que fosse direcionado, ao mesmo tempo, para os profissionais da área, para os estudantes de Direito, para os candidatos a concurso público e para todos que, de alguma forma, queiram conhecer o cargo e a atividade policial. No livro, foi pesquisado o que existe de mais atualizado em termos de teoria, em termos de prática policial, em termos de julgados dos Tribunais superiores e em termos de questões de concursos públicos.
– Em que a obra ajuda o operador de segurança no seu dia a dia?
– A obra tem exatamente por finalidade gerar na atividade policial um lugar com um alto grau de segurança para o operador jurídico, sem nunca esquecer o seu compromisso com a proteção da sociedade e dos direitos fundamentais. Estamos muito acostumados com o “jeitinho” na segurança pública, onde, muitas vezes, o próprio Estado legitima o desvio de função. A proposta se insere exatamente neste contexto, com uma ativa atuação do delegado de Polícia que busca, acima de tudo, não uma atuação voltada para a conveniência e oportunidade do Estado, mas, sim, uma atuação que coloque a sociedade, os direitos fundamentais e a segurança pública em primeiro plano.
– Vamos abordar agora a história dos autores: quem é Cleopas Isaías Santos?
– Cleopas Isaías Santos também é delegado de Polícia, mas no Estado do Maranhão. Ele é Mestre e Doutorando em Ciências Criminais pela PUC do Rio Grande do Sul, especialista em Dogmática Penal Alemã pela Georg-August Universität Göttingen (Alemanha), especialista em Direito Penal Econômico e Europeu pela Universidade de Coimbra (Portugal), além de dar aula em vários lugares.
Quanto a mim, sou doutorando e mestre em Direitos e Garantias Fundamentais pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV); especialista em Direito Público pela FDV; professor de Direito Constitucional e Direito Penal; professor do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Direito Público pela FGV-RJ; professor do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu da Associação Espírito-Santense do Ministério Público; professor de cursos preparatórios para concurso público; delegado da Polícia Civil do Estado do Espírito Santo; cofundador do site www.pensodireito.com.br e colunista do site www.delegados.com.br.
– Como senhor vê as inúmeras tentativas de tomada da autonomia funcional dos delegados de Polícia?
– Essas tentativas consistem em um ponto extremamente delicado na atividade do delegado de Polícia, pois, como defendo no meu livro, a Autoridade Policial possui a autonomia funcional como um quesito inerente a sua atividade.
O autor Luiz Flávio Gomes tem um artigo bem interessante sobre essa temática e segue a mesma linha de pensamento que adoto, no sentido de que a autonomia funcional dos delegados de Polícia decorreria implicitamente do sistema constitucional vigente. Alguns Estados já possuem tal prerrogativa expressa em suas Constituições, como São Paulo e Espírito Santo.
Não obstante, tal prerrogativa somente estará plenamente garantida quando à Autoridade Policial também for conferida a inamovibilidade, a vitaliciedade, salários condignos com a relevância (atualmente, temos o segundo pior salário do País) e o risco do cargo e o foro por prerrogativa de função. Somente esse conjunto de prerrogativas será capaz de evitar as intervenções políticas no exercício das funções, de modo a possibilitar uma atuação imparcial da Autoridade Policial no curso do inquérito policial.
Em outras palavras, muito ainda necessita ser feito em termos nacionais e estaduais para que, de fato, seja materializada, em seu aspecto mais amplo, a autonomia funcional dos Delegados de Polícia.
É importante ressaltar que essa autonomia passa, necessariamente, pela conscientização de cada ocupante do cargo, que deve conhecer exatamente o poder que possui e a repercussão da responsabilidade de cada um dos seus atos. Afinal, como diz o poeta: “A lição nós sabemos de cor. Só nos resta aprender”.
– O senhor diria que o livro “Delegado de Polícia em Ação: Teoria e Prática no Estado Democrático de Direito” faz jus ao nome? Ou seja, que veio para mostrar que o delegado de Polícia o primeiro garantidor do acesso da população ao sistema de Justiça?
– Faz-se necessário ressaltar que a obra veio para romper uma ideia muito comum nos manuais de Processo Penal no Brasil, qual seja, o compartilhamento acrítico de que o delegado de Polícia é um agente exclusivamente do Estado e não de proteção da sociedade. Cito aqui um trecho do Prefácio do livro que trata especificamente deste ponto, de autoria do reconhecido professor Ricardo Jacobsen Gloeckner, Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná, professor adjunto de Processo Penal e Criminologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e Advogado Criminalista:
“Aos amigos Cleopas Isaías Santos e Bruno Taufner Zanotti cumpre esta tarefa primária, de iniciar este processo democratizador, na obra Delegado de Polícia em Ação, que chega agora à segunda edição, o que apenas atesta a qualidade e comprometimento dos autores com as lacunas deixadas pelo nosso atual Código de Processo Penal, que simboliza o desgaste e o anacronismo deste pensamento autoritário. A atualidade da obra e sua sintonia com a teoria constitucional dos direitos fundamentais apenas descreve esta intermitente capacidade reflexiva e questionadora dos escritores. Para além do que muito se diz sobre a função do Delegado de Polícia, nota-se cada vez mais o envolvimento desta classe com o necessário processo democratizante, a ponto de se poder equipará-la ao primeiro garantidor dos direitos fundamentais dos sujeitos no processo penal. Os autores são partícipes desta juventude pensante e compromissada com os ideais civilizatórios do processo penal. Refutando categorias desgastadas, perspectivando outras tantas, mas, substancialmente, preocupados com a constitucionalidade da investigação preliminar. Espero sinceramente que a esta edição da obra se sucedam outras tantas, colocando em foco o papel fundamental do delegado de polícia, não como um ator subsidiário ou mesmo acessório do processo penal, como quer fazer crer aquela doutrina conservadora e reprodutora do senso comum jurídico. O delegado, em toda a sua fundamentalidade para o processo penal, tampouco é uma mera engrenagem do sistema. A contemporânea figura do delegado de polícia, em uma nova tradição processual penal, na qual os autores se inserem, são verdadeiros agentes democráticos. Oxalá tenhamos esta necessária ruptura. O pontapé inicial foi dado. Resta-nos aqui a expressa admiração pelo trabalho desenvolvido pelos autores, que busca, no campo mais árido do processo penal, novos veios, destinados à inevitável e não menos importante tarefa de oxigenação constitucional tão cara à nossa (ainda) compreensão autoritária do processo penal. Que em futuro não muito distante a geração vindoura olhe para trás e atribua, a esta obra, o nascimento de um novo marco na investigação policial brasileira! Que reconheça, nestes espíritos livres, como diria Nietzsche, uma loucura. Uma loucura chamada direitos fundamentais…”
– E o futuro, doutor Bruno Zanotti?
– O futuro, como afirma o autor francês Victor Hugo, que escreveu “Os Miseráveis”, sempre significa uma nova oportunidade…
Links dos livros:
– Delegado de Polícia em Ação:
http://www.editorajuspodivm.com.br/produtos/cleopas-isaias-santos/colecao-carreiras-em-acao—delegado-de-policia—2a-ed-rev-amp-e-atualizada-2014/1337
– Controle de Constitucionalidade para Concursos:
http://www.editorajuspodivm.com.br/produtos/bruno-taufner-zanotti/controle-de-constitucionalidade-para-concursos—3a-ed-rev-amp-e-atualizada-2014/1291
– controle de constitucionalidade para a Coleção Leis Especiais Comentadas:
http://www.editorajuspodivm.com.br/produtos/bruno-taufner-zanotti/leis-especiais-para-concursos—v34–
-controle-de-constitucionalidade—3-edicao-rev-amp-e-atualizada-2014/1338
– “Carreiras Específicas: Delegado de Polícia Civil”:
http://www.livrariasaraiva.com.br/produto/4892020?PAC_ID=122420