A Polícia Federal está aguardando há 11 anos uma solução para um impasse que teria sido criado pelo então procurador da República no Estado, Henrique Geaquinto Herkenhoff. Em 2003, quase um ano depois da chegada dos federais ao Estado, Henrique Herkenhoff cumpriu mandado de busca e apreensão dentro do escritório da Missão Especial de Combate ao Crime Organizado no Espírito Santo, na Praia do Canto, em Vitória, e recolheu diversos documentos e uma fita DAT, que continha gravações de todas as interceptações telefônicas realizadas com ordem judicial. Até hoje a PF mantém um escritório na Praia do Canto, embora a sede da Superintendência Regional fique em São Torquato, Vila Velha.
A ordem para recolhimento do farto material foi assinada por um juiz federal, acolhendo pleito do próprio Henrique Herkenhoff. Entre os documentos recolhidos, segundo a Polícia Federal, estavam Inquéritos Policiais em andamento, interrogatórios de investigados e testemunhas e cópias de extratos bancários e de sigilo fiscal de acusados de ligação com o crime organizado.
A Missão Especial teve início no dia 17 de julho de 2002. Dela faziam parte as Polícias Federal e Rodoviária Federal, a Procuradoria Geral da República no Estado, Ministério Público Estadual e as Justiça Federal e Estadual. No âmbito estadual, foi criada a Vara Especial de Central de Inquéritos, para tornar mais ágil, na ocasião, a expedição de mandados de busca e apreensão e de prisão.
Os juízes Alexandre Martins de Castro Filho e Carlos Eduardo Ribeiro Lemos davam o apoio do Judiciário à Missão Especial. Alexandre Martins acabou assassinado em 24 de março de 2003, quando os trabalhos da Missão Especial ainda se desenvolviam. Pelo Ministério Público Federal, o apoio à Missão era dado pelo então subprocurador da República, José Roberto Figueiredo Santoro – hoje aposentado –, e Henrique Herkenhoff.
No mesmo ano de 2003, Herkenhoff foi transferido para atuar na 3ª Procuradoria da República em São Paulo, com atribuições também no Mato Grosso do Sul. Quatro anos mais tarde chegou à cadeira de desembargador do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (com jurisdição em São Paulo e Mato Grosso do Sul). Sua nomeação foi assinada pelo então presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT).
Henrique Herkenhoff cortou, assim, laços jurídicos com o Espírito Santo, até que, em 2010, abdicou-se do cargo de desembargador federal e decidiu abraçar a carreira de advogado e empresário – ele é um dos donos do site Leia-se, principal aliado na imprensa e um dos maiores incentivadores do ex-governador Paulo Hartung a disputar de novo o Palácio Anchieta.
A decisão do então ministro da Justiça Paulo de Tarso Ribeiro, da fase final do governo de Fernando Henrique Cardoso, de constituir a Missão Especial de Combate ao Crime Organizado no Espírito Santo, em julho de 2002, foi a alternativa encontrada após a crise política gerada pela decisão de Geraldo Brindeiro, ex-Procurador Geral da República, de arquivar o pedido de intervenção federal no Estado, apresentado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em abril do mesmo ano.
A Missão Especial foi constituída num ambiente turbulento, em que prevaleciam os interesses eleitorais de 2002. José Ignácio Ferreira vivia seus últimos momentos no governo e Paulo Hartung, que era senador da República, vislumbrava a chance de vencer as eleições no primeiro turno, o que acabou não acontecendo: Hartung venceu no segundo turno, numa disputa apertada com Max Mauro, cujo slogan era “somente eu tenho coragem de enfrentar o crime organizado”.
O chamado grupo de elite da Polícia Federal foi criado em julho de 2002 e seus 192 integrantes – pessoas de vários órgãos federais – deveriam produzir os resultados esperados em 90 dias de atuação, prazo este prorrogado devido ao volume de trabalho e aos insuficientes recursos disponibilizados.
Onze anos depois, vem à tona agora o que aconteceu naquele final de tarde de 2003. Inspirado pelo então subprocurador José Santoro, Henrique Herkenhoff foi à Justiça Federal e obteve mandado de busca e apreensão para adentrar no QG da Missão Especial da Praia do Canto. Foi lá protegido por policiais militares. Recolheu materiais provenientes de investigação e até uma fita DAT, que encerrava todo o trabalho da Missão Especial.
Delegados e agentes que estavam no escritório da Missão Especial no momento da chegada de Henrique Herkenhoff e sua equipe ainda tentaram questionar a realização do cumprimento do mandado de busca e apreensão. Um deles telefonou para o então superintendente Regional da Polícia Federal, delegado Roberto Precioso, que determinou aos seus profissionais que obedecessem à ordem da Justiça, embora a considerasse “ilegal”.
O delegado Precioso, hoje aposentado e residindo em São Paulo, foi procurado pelo Blog do Elimar Côrtes no decorrer dos últimos 30 dias. Não quis dar entrevista, apenas confirmou a realização da diligência feita pelo então procurador da República Henrique Herkenhoff no escritório da Missão Especial.
O Blog conseguiu contato com outros agentes e delegados que integraram a Missão Especial. Todos residem fora do Espírito Santo. Com a garantia do anonimato – pois temem represália –, eles confirmaram que entre os documentos recolhidos por Henrique Herkenhoff estavam provas contra acusados de desvio de recursos públicos, como políticos, empresários e outras autoridades. Revelaram que na fita DAT, recolhida na diligência, continham conversas telefônicas que comprometiam “pessoas influentes da sociedade capixaba e brasileira”.
Um agente informou que no dia seguinte à diligência, o delegado Roberto Precioso encaminhou ofício ao então diretor geral da Polícia Federal, delegado Paulo Lacerda; à Procuradoria Geral da República, em Brasília; ao governador Paulo Hartung; ao secretário de Estado da Segurança Pública, Rodney Miranda; e a todos os juízes estaduais e federais responsáveis pela concessão de mandados de busca e apreensão e outras medidas cautelares, para quebra dos sigilos telefônicos, bancários e fiscais dos investigados, que haviam sido recolhidos por Henrique Herkenhoff. Hartung e Rodney Miranda eram, até o momento desta postagem, as únicas autoridades do Executivo estadual a tomarem conhecimento da diligência feita por Herkenhoff, apesar de mais uma década depois do fato.
“Havia na fita DAT escutas telefônicas concedidas por outros juízes. Foi-se embora de nossas mãos uma gama imensa de informações e processos. Além das conversas entre criminosos, a fita armazenava todas as informações apuradas desde a chegada da Missão Especial ao Estado. Era todo o serviço realizado pelo nosso grupo sobre o crime organizado. Toda a finalidade da Missão Especial acabou-se ali, naquela diligência, porque até hoje o doutor Henrique Herkenhoff e a Procuradoria da República no Espírito Santo não devolveram os materiais produzidos pela Polícia Federal”, disse um delegado, que atualmente reside em Brasília e que atuou na Missão Especial.
Outro agente disse que a situação naquela tarde causou constrangimento: “Foi um desrespeito muito grande com a sociedade. Ficamos, sim, todos constrangidos com a diligência do doutor Henrique Herkenhoff.”
Outro delegado federal acrescentou: “Eu me recordo que no dia seguinte o doutor Roberto Precioso, nosso superintendente, enviou comunicação para autoridades do Estado e do País, informando sobre o corrido. Ele só não comunicou aos bandidos que estavam sendo monitorados”.
“Não posso falar nada, porque é sigilo de Justiça”, diz Herkenhoff
O ex-procurador da República e ex-desembargador Federal Henrique Herkenhoff disse ao Blog do Elimar Côrtes nesta segunda-feira (19/05) que nada poderia falar a respeito da diligência que teria realizado no escritório da Missão Especial, há 11 anos atrás, na Praia do Canto, por conta do que alegou “sigilo de Justiça”.
“Se tudo que aconteceu na época não foi divulgado é porque tramitava em sigilo. Tudo que foi feito teve o controle do Ministério Público e do Judiciário”, afirmou Herkenhoff.
Indagado a respeito da fita DAT, que, segundo a Polícia Federal, continha informações a respeito dos investigados pela Missão Especial, Henrique Herkenhoff prosseguiu: “Não tenho como confirmar e esclarecer. Este assunto vou manter em sigilo”.
A Procuradoria da República no Espírito Santo foi procurada para comentar o caso. A Assessoria de Comunicação do órgão alegou que a direção do Ministério Público Federal no Estado “desconhece o fato”.