Onze anos depois do assassinato do juiz Alexandre Martins de Castro Filho, partes do Inquérito Policial e dos processos na Justiça começam a sair do armário. Durante anos, ficaram guardados com o argumento de “segredo de Justiça”. Este sigilo não existe mais. Um dos documentos ao qual o Blog do Elimar Côrtes teve acesso, com exclusividade, indica que o então secretário de Estado da Segurança Pública e Defesa Social do Espírito Santo, o delegado federal licenciado Rodney Miranda – hoje prefeito de Vila Velha –, autorizou a contratação do perito em Veracidade do Rio Grande do Sul, o professor Mauro Juarez Nadvorny, que colheu depoimentos de sete dos 10 acusados de suposto envolvimento no crime, além de duas testemunhas.
O secretário atendeu, assim, ao pedido de um dos seis delegados que, em períodos diferentes, atuaram nas investigações, André Luiz Cunha Pereira – o terceiro a assumir a presidência do Inquérito Policial. A conclusão da perícia do professor Mauro Nadvorny, entretanto, foi ignorada pelos delegados que assumiram as investigações após o afastamento de André Cunha: Fabiana Maioral, Danilo Bahiense e Gilson Rocha.
Alexandre Martins foi assassinado a tiros na manhã do dia 24 de março de 2003, quando chegava a uma academia, no bairro Itapoã, em Vila Velha. O Laudo Técnico Pericial de Aplicação do Polígrafo – uma espécie de teste da mentira ou da verdade – concluiu que o juiz Alexandre Martins de Castro Filho foi vítima de latrocínio (roubo seguido de morte) e não crime de mando.
O trabalho efetuado por Mauro Nadvorny teve a participação do também perito em Veracidade e inspetor da Polícia Civil gaúcha Gilson Wives Azevedo e se chama Tecnologia de Análise de Voz (LVA):
“De acordo com nosso estudo sobre a conclusão do programa LVA, chegamos à conclusão de que a morte do Dr. Alexandre Martins de Castro Filho foi resultado de um assalto seguido de morte, praticado e exclusivamente por Odessi Martins da Silva Júnior e Gilliarde Ferreira de Souza, não tendo qualquer relação com um crime de mando”, afirmaram, em documento assinado no dia 4 de dezembro de 2003, os peritos Gilson Wives Azevedo e Mauro Juarez Nadvorny.
Entretanto, o trabalho feito pelos dois peritos, contratados pelo governo do Estado do Espírito Santo e pela Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça para realizar o teste do polígrafo, não foi incluído pelos delegados André Cunha, Fabiana Maioral, Danilo Bahiense e Gilson Rocha nos autos do inquérito que investigou a possibilidade do juiz Alexandre Martins ter sido vítima de crime de mando. Vele lembra que no mesmo dia do assassinato, a equipe do então secretário Rodney Miranda já havia prendido três dos supostos assassinos e dois dos supostos acusados de intermediar o “crime de mando”.
Odessi, conhecido como Lombrigão, foi condenado a 25 anos e dois meses de prisão, enquanto Gilliarde pegou 24 anos e seis meses. Também já foram condenados pela Justiça capixaba pela acusação de envolvimento no assassinato do magistrado: André Luiz Tavares (oito anos e quatro meses); Leandro Celestino dos Santos (15 anos e dois meses); o sargento da PM Heber Valêncio (20 anos e três meses de reclusão, acusado de intermediar o assassinato); o também sargento Ranilson Alves da Silva (15 anos, acusado de intermediar o supsoto crime de mando); e Fernando de Oliveira Reis (23 anos).
O Ministério Público Estadual ainda denunciou, como supostos mandantes, o coronel da reserva da PM Walter Gomes Ferreira, o empresário ex-policial civil Cláudio Luiz Andrade Baptista, o Calu, e o juiz aposentado compulsoriamente Antônio Leopoldo Teixeira. Eles já foram sentenciados para irem a júri popular, mas, com exceção de Calu, aguardam recursos que tramitam no Superior Tribunal de Justiça, em que pedem a nulidade da pronúncia. O STJ já decidiu que Calu deve ir a julgamento, o que já pode ser marcado pela 4ª Vara Criminal (Privativa do Júri) de Vila Velha.
Os peritos gaúchos teceram ainda os seguintes comentários na conclusão do trabalho: “Existe a possibilidade de que devido ao trabalho realizado pelo Dr. Alexandre Martins de Castro Filho, pessoas por ele julgadas, sentenciadas ou sob investigação por ele autorizada, tenham tido a intenção de promover ato que levasse a sua morte, entretanto o crime em questão não foi praticado ou intermediado por qualquer uma delas”.
E seguem: “As pessoas de André Luiz Barbosa Tavares, Leandro Celestino dos Santos, Heber Valêncio, Ranilson Alves da Silva, Odessi Martins da Silva Júnior, Gilliarde Ferreira de Souza e Cláudio Andrade Baptista, por nós entrevistados, não têm qualquer relação com a possibilidade de pertencerem a uma quadrilha, terem servido como intermediárias ou intermediado a morte do Dr. Alexandre Martins de Castro Filho”.
Em relação a duas testemunhas ouvidas dentro do Laudo Técnico Pericial de Aplicação do Polígrafo, os peritos em Veracidade Gilson Wives Azevedo e Mauro Juarez Nadvorny afirmam que uma delas – Fátima Fernandes – “mente em suas declarações onde procura relacionar Odessi Martins da Silva Júnior, Heber Valêncio e Ranilson da Silva como membros da quadrilha de Fernando Cabeção que a mando deste (Fernando Cabeção) teriam executado o juiz Alexandre Martins.”
Mais adiante, os peritos relatam que “todas as análises do programa demonstram que o crime ocorreu quando” Lombrigão e Gilliarde “tentaram surpreender” o juiz Alexandre Martins com o “intuito de furtar sua caminhonete após uma tentativa malograda de assaltar um posto de gasolina, e de perseguirem outra caminhonete do mesmo tipo”.
Os peritos em Veracidade Gilson Wives Azevedo e Mauro Juarez Nadvorny prosseguem informando que Gilliarde se aproximou da vítima (juiz Alexandre Martins) e “anunciou o assalto e percebendo a reação” do juiz, “tentou atirar quando percebeu que sua arma não estava municiada e se encontrava travada”.
Ainda de acordo com os peritos, “neste momento, ambos partiram em direções opostas com Gilliarde tentando destravar e carregar sua arma já acompanhado de Odessi (Lombrigão) que saltou da motocicleta, abandonando-a na via pública”, e o juiz Alexandre Martins “tentando empunhar a sua arma”.
Conforme descrevem os peritos Gilson Wives Azevedo e Mauro Juarez Nadvorny, levando como base, segundo ele, os depoimentos que colheram durante o teste da veracidade, “no tiroteio que se seguiu”, o juiz Alexandre Martins “foi atingido por pelo menos dois disparos que o levaram ao solo.” Na sequência, Lombrigão “se aproximou, desferindo mais um tiro” no magistrado e roubou a arma de Alexandre Martins. A seguir, Lombrigão e Gilliarde “levantaram, empurraram a motocicleta e saíram em fuga”.
Os peritos concluem: “Sendo esta a verdade do material por nós estudado, damos por concluído este laudo, reafirmando que através das análises da Tecnologia de Análise de Voz (VLA), não existiu crime de mando na morte do Dr. Alexandre Martins de Castro Filho”.
Em próxima postagem, o que o perito Mauro Juarez Nadvorny e o delegado André Cunha falaram na Justiça, durante a fase de interrogatório, quando foram arrolados como testemunhas da defesa do empresário e ex-policial civil Cláudio Luiz Andrade Baptista, o Calu.
Exame foi feito antes do juiz Leopoldo começar a ser investigado
As entrevistas com sete dos 10 réus foram realizadas antes do Ministério Público denunciar três dos acusados pelo crime de mando. Os sete réus concordaram em participar do exame, pois acreditavam que o resultado poderia ajudar em sua defesa. Até dezembro de 2003, quando o Laudo Técnico Pericial de Aplicação do Polígrafo foi assinado pelos peritos Mauro Nadvorny e Gilson Wives Azevedo, o nome do juiz Antônio Leopoldo sequer aparecia no rol dos supostos suspeitos.
Naquele período, a Polícia Civil ainda realizava uma série de investigações, obtendo, inclusive, a quebra dos sigilos bancário, telefônico e fiscal dos alvos das investigações. Quando a polícia chegou ao nome do juiz Antônio Leopoldo, o caso teve de ser remetido ao Tribunal de Justiça, pois um magistrado tem foro privilegiado para ser investigado. Somente no início de abril de 2005, dois anos após o assassinato do magistrado, é que o Tribunal de Justiça anunciou oficialmente que Leopoldo estava sendo acusado de ser um dos supostos mandantes do crime, junto com o coronel Walter Gomes Ferreira. O Tribunal, na ocasião, não indiciou o empresário e ex-policial Calu. Mais tarde, porém, é que o Ministério Público incluiu o nome de Calu no processo, quando o caso voltou à esfera de primeiro grau.
Antes de dezembro de 2003, Calu já era investigado pela Polícia Civil. Por isso, dos três denunciados pelo suposto crime de mando, somente ele se submeteu ao teste do Polígrafo. Ferreira, que estava numa prisão federal do Acre, ficou de fora do teste. Leopoldo não fez o exame porque ainda não era alvo das investigações.
Embora a Polícia Civil tenha deixado de fora do relatório do indiciamento dos acusados o Laudo Técnico Pericial de Aplicação do Polígrafo, o documento foi anexado aos processo, na Justiça, a pedido dos advogados dos acusados.
O processo
1) Odessi Martins da Silva Júnior: penas fixadas em 25 anos e dois meses de reclusão em regime fechado, incurso nas penas do art. 121 § 2º, incisos I e IV e artigo 155, § 4º, inciso IV, e art. 288 c/c art. 29, na forma do art. 69, todos do Código Penal. Sentença transitada em julgado com Guia Expedida.
2) Giliarde Ferreira de Souza: penas fixadas em 24 anos e seis meses de reclusão e 60 dias multa, regime de pena fechado. Incursão nas penas do art. 121 § 2º, incisos I e IV e artigo 155, § 4º , inciso IV, e art. 288 c/c art. 29, na forma do art. 69, todos do Código Penal. Guia Expedida.
3) André Luiz Tavares: condenado a oito anos e quatro meses de reclusão em regime inicialmente fechado, incurso nas penas do art. 121 §2º, inc. I e IV , art. 155 §4º inc.IV, art. 288,c/c art. 29 , na forma do art. 69 todos do Código Penal. Guia Expedida pela Quarta Vara Criminal de Vila Velha, face ao trânsito em Julgado da Sentença.
4) Leandro Celestino dos Santos: condenado a pena de 15 anos e dois meses de reclusão em regime fechado, incurso nas penas do art. 121 §2º, inc. I e IV c/c art. 29, caput e art. 288, caput, todos do Código Penal.
5) Heber Valêncio: julgado pelo Tribunal do Júri com pena imposta de 20 anos e três meses de reclusão,incurso nos artigos 121,parágrafo segundo incisos I e IV c/c art. 29, ambos do Código Penal, cumprimento de pena em regime fechado.
6) Ranilson Alves da Silva: condenado pelo Tribunal do Júri a pena de 15 anos de reclusão, na forma do art. 121,§ 2º, incs. I e IV , art. 155 § 4º, inc. IV, e art.288, c/c art. 69 e 29 do Código de Processo Penal.
7) Fernando de Oliveira Reis: condenado Pelo Tribunal do Júri a 23 anos de reclusão em regime fechado, na forma do art. 121,§ 2º, incs. I e IV c/c art.29, caput, art. 155 § 4º, inc. IV,c/c art. 29 e art.288, caput, todos do Código Penal.
Ainda faltam ir a julgamento os três acusados de mandar matar o magistrado: o coronel da reserva da PM Walter Gomes Ferreira, o ex-policial civil Cláudio Luiz Andrade Baptista, o Calu, e o juiz aposentado compulsoriamente Antônio Leopoldo Teixeira.
Saiba Mais
Um polígrafo ou detector de mentiras é um aparelho que mede e grava registros de diversas variáveis fisiológicas enquanto um interrogatório é realizado, numa tentativa de se detectar mentiras em um depoimento. Um teste de polígrafo também é conhecido como um exame de detecção psico-fisiológica de fraude -psychophysiological detection of deception (PDD).
No início do Exame coloca-se um sensor em um dos braços da pessoa interrogada, para medição do pulso e da pressão arterial. Um tubo flexivel ajustado ao redor dotorax observa o ritmo da respiração. Dois eletrodos nas mãos ou braços medem as variações elétricas e um sensor de movimentos nas pernas medem a contração involuntária de músculos.
Um típico uso de polígrafo começa com uma entrevista pré-teste a fim de estabelecer uma conexão (ou encontrar um controle) entre o que testa e o que está em teste, e ganhar alguma informação preleminar que será mais tarde usada para controlar as questões. O testador então irá explicar sobre o polígrafo, enfatizando que ele pode detectar mentiras e que é importante responder com toda a verdade.
A cada resposta, os sensores registram em um gráfico as reações do interrogado. Conforme as reações pode determinar-se a veracidade de seu depoimento. Estudos demonstram que esse aparelho pode detectar corretamente sete em cada dez mentiras. Porém em alguns casos o criminoso mente de forma tão convincente que o equipamento não registra nenhuma reação que indique a mentira. Portanto os resultados fornecidos por esse aparelho não são considerados conclusivos, sendo utilizados somente como auxiliares nos julgamentos.
O polígrafo é bastante utilizado nos Estados Unidos, em processos nas áreas Criminais, Cíveis e Trabalhistas, inclusive existindo uma Associação Americana do Polígrafo. Em alguns estados norte-americanos o examinador (perito) deve possuir formação profissional por uma escola credenciada de polígrafos, com estágio e ser conhecedor das leis e regulamentos necessários à realização do teste da verdade.
O examinador deve possuir bons equipamentos computadorizados e submetidos ao controle de qualidade. Também é desejável que o perito tenha sólida formação em interrogatório científico visando reduzir as margens de erro do teste.
O resultado do teste do polígrafo se materializa através de um laudo pericial que será juntado ao processo judicial. O laudo deve ser elaborado por perito devidamente capacitado para aplicar, interpretar e relatar o teste da verdade.
No Brasil e na Argentina, já existem empresas especializadas na realização de testes semelhantes ao aplicado nos Estados Unidos e as opiniões jurídicas começam a mudar em relação à utilização deste tipo de tecnologia para provar a inocência de acusados. Entretanto, a predominância nas Cortes brasileiras e argentinas ainda é pela não admissibilidade do polígrafo como meio de prova.