Das montanhas mineiras, surge uma forte voz contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC 51/2013), que muda radicalmente as polícias no Brasil. O novo presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de Minas Gerais (Sindepominas), Marco Antônio de Paula Assis, aponta as principais falhas da PEC que, segundo ele, se for aprovada, não vai alterar em nada o comportamento dos criminosos e nem melhorar a segurança pública no País.
O presidente do Sindepominas alerta: “Existem ainda, por trás desses articuladores das ideias que sustentam a PEC, alguns gestores de outras instituições que acreditam que enfraquecendo as polícias vão se fortalecer perante a opinião pública, sendo ungidos como salvadores da pátria.”
Nesta entrevista ao Blog do Elimar Côrtes, Marco Antônio de Paula Assis ainda pondera: “Vamos desmilitarizar os militares, acabar com a delegação dos delegados de Polícia. E daí? Em que isso impacta a criminalidade? Acaso um criminoso vai se sentir menos estimulado a cometer crimes por saber que não existe mais Polícia Militar e que o servidor que tinha um cargo subalterno na instituição agora é o delegado?”
A PEC, que desde o dia 28 de fevereiro encontra-se na Subsecretaria de Coordenação Legislativa do Senado aguardando leitura de requerimento, institui a desmilitarização e unificação das policias estaduais. É uma iniciativa do senador Lindbergh Farias (PT-RJ). Cria carreira única nas polícias. Se aprovada, vai permitir que um investigador, ou escrivão, ou perito ou agente federal vire delegado de Polícia Civil ou Federal sem se submeter a um concurso público. Permitirá ainda que um soldado chegue a coronel sem fazer concurso para o Curso de Formação de Oficiais na Polícia Militar.
A instituição do concurso público para delegado e demais operadores da segurança pública é uma conquista concebida pela Constituição Federal de 1988. Antes, os governadores de Estado poderiam nomear quem eles quisessem para delegado.
Blog do Elimar Côrtes – O que o senhor acha da discussão em torno da PEC 51?
Marco Antônio de Paula Assis – É uma discussão que não evolui por falta de objeto, uma vez que ao tentar reformar tudo ela se perde entre matrizes consagradas pelos modelos produtivos e deixa de apresentar um produto que venda. Tudo bem, vamos desmilitarizar os militares, acabar com a delegação dos delegados de Polícia. E daí? Em que isso impacta a criminalidade? Acaso um criminoso vai se sentir menos estimulado a cometer crimes por saber que não existe mais Polícia Militar e que o servidor que tinha um cargo subalterno na instituição agora é o delegado?
O que se vê de consistente na PEC é apenas a força de lobby dos meritocratas das Polícias Civis e dos praças das Policias Militares que, recentemente, vêm sendo estimulados a crerem que o policiamento ostensivo é uma função menos importante no cenário da segurança pública e que eles têm condições de fazer o mais importante, que é a investigação, pelo fato de serem muitos.
Existem ainda, por trás desses articuladores das ideias que sustentam a PEC, alguns gestores de outras instituições que acreditam que enfraquecendo as polícias vão se fortalecer perante a opinião pública, sendo ungidos como salvadores da pátria.
O engano comum de todos os apoiadores da PEC 51 é acreditarem que segurança pública é algo simples. Tira aqui, põe ali, muda essa coisa e tudo fica perfeito! Falta reflexão, falta compromisso, falta responsabilidade a quem defende a PEC 51.
– O senhor é a favor de alguma reforma que introduza no sistema de Justiça Criminal do Brasil uma política pública de segurança pública?
– Reformar estruturas é uma necessidade evolucionista, o que não se renova sucumbe à modernidade. Um dos mitos mais comuns no Brasil é acreditar que Polícia e Justiça são correlatas ou mesmo integradas. Até mesmo policiais experimentados acreditam que seu trabalho é apenas uma parte da prestação de Justiça Criminal, ou, para ser mais exato, da acusação. Em minha vida profissional vi muitos policiais procurando provar a culpa de pessoas investigadas, ainda que contra todas as evidências, pela simples crença de que o grande mérito do trabalho policial é colocar pessoas na cadeia.
Acredito que a política pública denominada “segurança pública” deve imantar toda a atividade estatal de forma consistente. Por exemplo, numa escola onde professores e alunos têm segurança efetiva o aprendizado é melhor. Num posto de saúde em que as pessoas não ficam expostas a chegadas inoportunas de pessoas baleadas em confrontos de quadrilhas, a capacidade de profissionais interagirem com sua clientela é muito mais eficaz. Da mesma forma, uma Justiça Criminal onde juízes, promotores de Justiça e advogados se sentem seguros, as sentenças serão sempre as mais justas possíveis, pois o livre convencimento do juiz não será afetado pelo poder paralelo do mundo do crime.
– O senhor acha que falta interesse político de nossos governantes em resolver a questão de forma estrutural da segurança pública?
– De forma alguma. Até mesmo pelo fato de ser, quase sempre, o primeiro assunto de pauta em qualquer agenda política. Qualquer um que conseguir resolver, de forma estrutural, o problema da segurança pública, terá a admiração de todo o mundo civilizado. Durante muito tempo o prefeito de Nova Iorque, Rudolph Giulianni, foi festejado no mundo inteiro como o grande pensador da segurança pública, até que ficou provado que os dados foram manipulados e que a política de tolerância zero era uma máscara de eficiência sobre o velho problema de sempre.
Desde que a conheço, a segurança pública tem sido entregue aos “homens de ouro”. No período dos governos militares, os secretários de Segurança eram oficiais das Forças Armadas, depois passaram a ser grandes delegados de Polícia ou coronéis das Polícias Militares. Hoje, grande parte deles é composta de delegados da Polícia Federal. Essa sequência de experimentações mostra que há um esforço de renovação conceitual e até mesmo uma crença de que a qualquer momento vai se chegar a um concerto sobre o tipo ideal de profissional para dar resposta a essa grande indagação.
– Qual a sua visão sobre a criação da PEC nesse momento?
– Não existe o momento ideal para uma PEC. Qualquer reforma da casa em que moramos, com a gente dentro, é vista como um grande desconforto. Pode ser que a nova configuração seja infinitamente mais confortável do que a que temos agora, mas ninguém quer conviver com o desconforto em nome das melhorias que poderão advir. Pode ser que não tenhamos o ideal, mas a simples aceitação de que pode ficar pior já é um grande desestímulo, principalmente quando o que se desenha não tenha sequer um jeito do que acreditamos ser melhor.
– Com a aprovação da PEC 51, como ficariam os seguintes setores:
Extinção da PM, PC e Corpo de Bombeiro Militar: Essa é a grande questão a ser respondida: como se chamará o chefe dessa (*)? Qual será o nome do órgão público onde pessoas serão chamadas para os fins da investigação? Quem vai para a rua fazer o papel de policial ostensivo? E o perito? O legista também poderá ser chefe? Como serão chamados os antigos militares? Na hora de dividir os novos cargos, quem terá prioridade? E, cá pra nós, que é que bombeiro tem a ver com isso?
Investigação policial: Todo mundo investiga, todo mundo realiza o “ciclo completo”, maravilhoso! Até que surja algum problema e alguém tenha que dar uma resposta pública. E aí? Quem vai por a cara? Quem vai pedir desculpas?
Investidura pública dos novos policiais: Nos termos da PEC, não haverá mais concursos para o topo da carreira, quem quiser ser gestor da segurança, por mais qualificado que seja, terá que se sujeitar a uma carreira de comando onde, se conseguir provar seus dotes e livrar-se do assédio moral, ao término da carreira, já cansado, será o isento comandante daqueles que tentaram por todos os meios impedir sua ascenção como forma de garantir a sua própria.
Hierarquia na polícia: As pessoas que defendem a PEC 51 acreditam que hierarquia é desnecessária porque as polícias são, na verdade, clubes de cavalheiros onde todos possuem uma ética impecável e conhecem seu lugar na estrutura organizacional. Assim sendo, hierarquia é apenas uma notícia de um triste passado onde existiam pessoas más: a polícia agora é feita de nobres policiais éticos, corajosos e inteligentes.
Fiscalização da atividade policial: Fiscalizar o quê? Helô-ôu! Ainda não deu pra ver que nós somos os mocinhos? Esse deslumbramento de quem defende a PEC 51 chega a ser histriônico. Ainda acreditam que uma mesma instituição é capaz de tratar suas mazelas com isenção e submeter todos os fatos ao crivo de um controle democrático.
Guardas municipais: São ótimas, principalmente para o exercício da polícia de costumes, além de garantir a efetividade das fiscalizações de posturas públicas. Mais do que isso é deslumbramento de quem desconhece o modelo federativo brasileiro.
– Qual o histórico da Polícia Judiciária no Brasil?
– A Polícia Judiciária teve seu início no Brasil no período imperial, quando a autoridade policial era exercida por um juiz de Direito. Posteriormente, a autoridade passou para o acervo de competência dos juízes de paz e, finalmente, para pessoas cuja reputação recomendava, as quais recebiam delegação dos governantes para atuarem como provedores locais ou regionais da segurança, podendo nomear diretamente seus cooperadores. Hoje, todos os delegados de Polícia do Brasil são bacharéis em Direito selecionados em concursos de provas e títulos. O primeiro tratamento constitucional das Polícias Judiciárias foi, curiosamente, o da Constituição de 1988, que cuidou de lhe amputar uma série de prerrogativas como forma de garantir direitos individuais.
– Em seu Estado a Polícia Militar também atua como Polícia Judiciária, solicitando, por exemplo, à Justiça medidas cautelares mesmo quando “investiga” crimes comuns?
– Sim, meu caro, em meu Estado a Polícia Militar também desconfia de sua competência para prevenir o crime. Apesar dos últimos governadores do Estado terem investido maciçamente na Polícia Militar, seus comandantes e subordinados acham que o único trabalho eficaz de segurança pública é aquele que foi confiado constitucionalmente às Polícias Civis, qual seja, a investigação do crime que já aconteceu. Além de solicitarem mandados de busca de apreensão em investigação de crimes comuns, o que nossos juízes concedem por não acreditarem em nossas leis, ainda se escondem atrás de um grande “call center” chamado “CIAD” (Centro Integrado de Atendimento e Despacho) para atender aos locais onde ocorreram os crimes que deveriam ter evitado.
Saiba Mais
O doutor Marco Antônio de Paula Assis, conhecido também como Lobo Guará, foi eleito no dia 6 de fevereiro deste ano o novo presidente do SINDEPOMINAS. Ao todo foram recebidos 1.074 Votos. A chapa 1, “Heróis da Resistência”, presidida por ele, obteve 551 votos. A Chapa 2 “Novos Rumos, presidida pelo Dr. Bruno Tasca Cabral, recebeu 514 votos. O pleito teve ainda 6 votos nulos e 3 em branco.
No primeiro escrutínio, realizado dia 22 de janeiro, faltaram alguns votos para completar os 947 correspondentes ao quorum mínimo de 2/3 dos filiados para definir o processo eleitoral. Com isso, a eleição teve seu prazo prorrogado para o dia 6 de fevereiro a fim de receber os votos remanescentes pelos correios ou de forma presencial.
O novo presidente do Sindepominas é o Delegado de Polícia Civil aposentado Marco Antônio de Paula Assis (Lobo Guará), que é natural de Abaeté/MG, tem 50 anos, é casado e pai de três filhos. Dr. Lobo Guará ingressou na Polícia Civil em 1986 como detetive. Em 1990, foi aprovado em concurso público para o cargo de Delegado de Polícia. Trabalhou nas delegacias de Ferros, Serro, Betim, Vespasiano, Lagoa Santa, Contagem e Belo Horizonte. Sua gestão à frente do SINDEPOMINAS terá duração de três anos e, nesse período, em conjunto com os demais diretores sindicais, espera poder implementar o programa Sindicato 100%, com modernização administrativa, ampliação de benefícios aos filiados e melhoria do perfil de negociações com o governo.