O ato do secretário de Estado da Segurança Pública e Defesa Social, André Garcia, exonerando o delegado Rodolfo Queiroz Laterza, do Núcleo de Repressão às Organizações Criminosas e à Corrupção (Nuroc), já está trazendo para o governo um desgaste nada interessante para o início de um ano eleitoral. Em solidariedade ao colega, outro integrante do Nuroc entregou o cargo. É o delegado Ícaro Ruginski Borges Nascimento Silva, também responsável por importantes operações do Núcleo.
O Estado do Espírito Santo sempre teve dificuldades em conviver com profissionais do sistema de Justiça – como delegados, promotores de Justiça e juízes – que defendem a bandeira do combate ao crime organizado. Quando se destacam, logo são “queimados” – ou mesmo assassinados, como foi o caso do juiz Alexandre Martins de Castro Filho, morto a tiros em março de 2003, em Itapoã, Vila Velha.
Rodolfo Laterza trabalha com a lei debaixo dos braços. Sabe onde está pisando. Seu faro investigativo é muito inteligente. A sua atuação não prevê perseguição a pessoas suspeitas, mas aos crimes praticados por essas pessoas, que, se culpadas, são, conforme determina a lei, indiciadas por ele ou outro delegado do Nuroc.
O termo “crime organizado” ainda causa trauma e pânico nos capixabas. Durante anos, governantes de diversas siglas partidárias usaram o tema para se promover e se eleger. Foi assim com Max Mauro, Vitor Buaiz e Paulo Hartung, só para citar governadores.
Poucos, entretanto, ousaram enfrentar as verdadeiras organizações criminosas. O atual governador, Renato Casagrande (PSB), quebra esse paradigma com objetividade e sem discurso. Ele teve coragem e ousadia de combater logo nos primeiros dias de seu governo as organizações. E com um detalhe: sem jamais utilizar o tema como mote de campanha eleitoral.
Foi no governo dele que o Nuroc ganhou estrutura. Criado no governo Paulo Hartung, o Nuroc passou oito anos praticamente combatendo outra ramificação do crime organizado e também pernicioso para a sociedade: o tráfico de drogas. Teve pouco foco para políticos, empresários e servidores públicos acusados de corrupção. Por isso, nunca causou polêmica.
Com Renato Casagrande foi diferente. Seu primeiro secretário de Segurança, Henrique Herkenhoff, deu carta branca para os delegados trabalharem com independência. Logo em maio de 2011, cinco meses após atuar com novo formato, o Nuroc prendeu 12 pessoas durante uma operação conjunta com o Ministério Público para combater fraudes na administração do município de Fundão. Entre os presos estavam secretários, vereadores e empresários da cidade. Todos respondem a processos por desvio de verba dos royalties do petróleo e participarem de um esquema de fraudes em licitações.
A partir de então, o Nuroc tem se tornado uma das mais poderosas armas do governo do Espírito Santo no combate ao desvio de dinheiro dos cofres públicos nos últimos dois anos. Para se ter ideia, de janeiro de 2011 até final de 2012, o Nuroc recuperou mais de R$ 91 milhões desviados dos cofres públicos.
O Nuroc rastreou fraudes tributárias, em 2012, na quantia de R$ 103 milhões. Em dois anos, os delegados que compõem o Nuroc indiciaram mais de 400 pessoas envolvidas com fraudes milionárias e ligadas ao crime organizado.
Quando convocado para liderar o Nuroc, o delegado Jordano Bruno Gasperazzo Leite teve a garantia do ex-secretário Henrique Herkenhoff de que teria autonomia para trabalhar. Por sua vez, o secretário da Segurança teve do governador Renato Casagrande a certeza de que o Nuroc, a partir de janeiro de 2011, voltaria a ser uma instituição policial a serviço do Estado e não do governo.
Quando uma instituição policial atua em nome do Estado, seus profissionais conduzem investigações independentemente da vontade do governante ou do secretário da Segurança. Eles têm que seguir o que manda a lei.
Uma missão de destaque foi a Operação Capone, em que o Nuroc recuperou de uma só vez R$ 71,5 milhões. A Operação Capone foi a que mandou para a cadeia os chefões do jogo do bicho e da máfia dos caça níqueis do Estado. Nela, o Nuroc cumpriu 98 mandados de busca e apreensão; fechou 150 pontos de jogos; fechou 138 imóveis de bicheiros; apreendeu 82 veículos e 146 motos; identificou 240 imóveis suspeitos de serem usados na ocultação de dinheiro; apreendeu sete armas; além de três caminhões carregados de matérias usados no jogo do bicho e centena de máquinas caça níqueis.
Teve ainda Operação Bavária, que desmantelou um esquema de sonegação que gerava um prejuízo mensal ao Espírito Santo de R$ 750 mil, e, anual, de R$ 9 milhões. Este esquema de roubo funcionava desde 2010. Até 2012, por conta da fraude, o Estado deixou de arrecadar mais de R$ 27 milhões em impostos por causa da quadrilha que utiliza meios ilegais para comercializar cerveja.
A Operação Pixote, da qual os delegados Rodolfo Laterza e Ícaro Ruginski também participaram, descobriu desvio de mais de R$ 35 milhões no Instituto de Atendimento Sócio-Educativo do Espírito Santo (Iases). Os dois, ao lado de outros profissionais, foram responsáveis pela Operação Derrama, que mandou para a cadeia prefeitos, ex-prefeitos, empresários, advogados e servidores públicos, acusados de extorquir empresas que agem no Estado.
Fica a pergunta: quem perde e quem ganha com a saída dos delegados Rodolfo Laterza e Ícaro Ruginski do Nuroc?
O secretário André Garcia tem razão quando diz que o Núcleo possui outros excelentes delegados, mas eles terão dificuldade em dar continuidade a uma investigação já iniciada por colegas. Terão de começar do zero. Quem perde com esse atraso? Certamente, a própria polícia, a sociedade e o sistema de Justiça.
Portanto, tudo que o Espírito Santo não precisava no momento é uma crise na segurança pública. Ela é absolutamente desnecessária. Um desgaste criado tão somente pela imaturidade e falta de habilidade do secretário de Segurança Pública, André Garcia, e do chefe de Polícia Civil, delegado Joel Lyrio Júnior, de não saberem conviver com as diferenças ideológicas.