O chefe da Assessoria de Doutrina e Legislação do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas (EMCFA), general Manoel Lopes de Lima Neto, concedeu, nesta segunda-feira (13/01), entrevista exclusiva ao Blog do Elimar Côrtes em que explicou o que é a Portaria Normativa número 3.461/2013, que estabelece orientações para o planejamento e o emprego das Forças Armadas – Exército, Marinha e Aeronáutica – no que o governo denomina de “Operações de Garantia da Lei e da Ordem.”
Blog do Elimar Côrtes – O conjunto de medidas que acabam de ser lançadas tem também o objetivo de garantir maior segurança aos brasileiros e estrangeiros que virão ao nosso País acompanhar os jogos da Copa do Mundo?
General Manoel Lopes de Lima Neto – Em realidade, o manual não é um conjunto de medidas, mas sim uma publicação que estabelece — por meio de conceitos, considerações, apresentação de procedimentos e de modelos de documentos, entre outros pontos — orientações para o preparo e o emprego das Forças Armadas em Operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO, sigla pela qual essas operações são chamadas no meio militar). Portanto, é um documento de caráter estrutural e não um elenco de providências que respondem a uma conjuntura específica, que é a Copa do Mundo.
Ademais, os primórdios do processo que levou à elaboração do manual remontam a 2006 (um ano antes de o Brasil ser escolhido para sediar a Copa), mediante a realização de estudos preliminares sobre o tema (GLO). A etapa final da sua produção teve início em 2012, quando foi constituído um grupo de trabalho específico para, com base naqueles estudos, apresentar uma proposta de manual. Assim, a aprovação do manual em pauta pelo Ministro da Defesa não tem nenhuma correlação com a realização da Copa do Mundo no Brasil.
– Como vai ser o poder de Polícia das Forças Armadas nas Operações da Garantia da Lei e da Ordem? Significa que o sujeito detido por um dos agentes das Forças Armadas será indiciado criminalmente por um Inquérito Policial Militar ou ele será levado a uma autoridade civil, como delegado federal ou delegado de Polícia Civil?
– Em operações de GLO, as Forças Armadas, de acordo com o Decreto nº 3.897, de 24 de agosto de 2001, realizam, entre outras, ações próprias de policiamento ostensivo, que não devem ser confundidas com as de polícia judiciária previstas exclusivamente para a Polícia Federal e para as Polícias Civis dos Estados e do Distrito Federal.
No curso de operações dessa natureza, alguém eventualmente detido em flagrante pela tropa federal, deve ser encaminhado para a repartição policial com atribuição para apurar a infração verificada (Polícia Federal ou Polícia Civil). Se o delito for tipificado no Código Penal Militar, a pessoa é encaminhada à Unidade das Forças Armadas designada para autuá-la e custodiá-la, segundo os trâmites estabelecidos pelo Código de Processo Penal Militar.
– A Portaria deixa claro que a Presidência da República poderá autorizar o emprego das Forças Armadas, independentemente de pedido dos governadores. Isso significa que o governo federal já está se preparando para manifestações violentas durante os jogos da Copa do Mundo e vai agir preventivamente para impedir tais eventos violentos?
– A portaria referida apenas aprova o Manual de Operações de Garantia da Lei e da Ordem. A publicação, conforme explicado na resposta à primeira pergunta, tem caráter estrutural e responde a uma necessidade interna das Forças Armadas de ter um documento-guia, emanado do Ministério da Defesa, que oriente o planejamento e o emprego num tipo de operação que tem origem na destinação constitucional daquelas Forças.
Portanto, cabe repetir, a aprovação do manual em questão decorre de um processo interno do Ministério da Defesa, iniciado em 2006, atende uma necessidade das Forças Armadas e não visa um evento específico.
– Tropas das Forças Armadas poderão realizar policiamento ostensivo, a pé ou motorizadas. Esse tipo de policiamento acontecerá em que circunstâncias?
– O policiamento ostensivo é, entre outras, uma das ações das Forças Armadas num quadro de GLO, em que são inúmeras as situações e atividades de emprego, indo da proteção a uma instalação estratégica à manutenção de uma tropa em prontidão no quartel. As circunstâncias em que transcorrerão dependerão do exame de situação que antecede à disposição da tropa no terreno, quando as circunstâncias assim exigirem. De todo modo, as ações das Forças Armadas num quadro de GLO visam à preservação da ordem pública e da integridade das pessoas e do patrimônio.
– O manual de procedimentos lançado na Portaria Normativa 3.461/2013 nos faz lembrar, em parte, os manuais militares americanos da década de 50. Existem mesmo semelhanças na visão do senhor? Se existem, qual o motivo?
– O manual segue as normas para a elaboração padronizada de publicações no âmbito do Ministério da Defesa, editadas neste século. Além disso, os conceitos, procedimentos e princípios que veicula constam de diplomas legais e de outros manuais que conformam a Doutrina Militar Brasileira, alguns até de recente adoção, como as operações interagências. Portanto, não existem semelhanças com os manuais americanos.
– Ao decidir que as Forças Armadas poderão ser empregadas em distúrbios de rua e no combate a crimes contra o tráfico de drogas e armas, o governo federal reconhece que o Estado brasileiro falhou no quesito segurança pública?
– O manual é apenas um instrumento de orientação para o planejamento e o emprego, quando e se necessário, das Forças Armadas em operações de GLO, que é algo diferente de Segurança Pública. Nele não consta nenhuma decisão concreta quanto ao emprego daquelas Forças nas atividades referidas na pergunta. A única decisão que existe foi tomada pela Nação Brasileira em 1988, quando, por meio de seus representantes legitimamente eleitos, consignou, na Constituição Federal (Art 142), a Garantia da Lei e da Ordem como uma das missões das Forças Armadas. E isto não implica nenhum juízo de valor acerca do manejo da Segurança Pública, que, cumpre repetir, é diferente de GLO.
– O senhor foi um dos coordenadores do grupo de oficiais que elaborou o conjunto de medidas e procedimentos. Os órgãos de segurança pública dos Estados e da União (como Polícia Federal) foram consultados sobre tais medidas?
– O manual — documento interno de uma área que é da esfera de atribuições do Ministério da Defesa — também incorpora práticas e procedimentos consagrados nos treinamentos e nas operações de Garantia da Lei e da Ordem que vem sendo realizados ao longo dos anos e que tem contado com a participação dos Órgãos de Segurança Pública (OSP). Além disso, os dispositivos legais que se encontram refletidos na publicação são também sobejamente conhecidos pelos Órgãos de Segurança Pública. Dessa forma, até porque não é obrigatório e nem foi necessário, não houve consulta àqueles Órgãos.
– O governo federal teme algum questionamento por parte da Procuradoria Geral da República, Ordem dos Advogados do Brasil e ou de grupos de defesa dos direitos humanos?
– Não me cabe falar pelo governo federal. O que afirmo, com toda convicção, é que o manual em foco foi aprovado por quem tem a competência legal para fazê-lo; traz orientações para o planejamento e o emprego das Forças Armadas numa das tarefas que lhes reserva a Constituição Federal; as orientações acima, conforme asseverado pela Consultoria Jurídica do Ministério da Defesa, não infringem nenhum ditame constitucional, legal ou regulamentar; e, além da condição anterior, as orientações referidas também se esmeram em realçar que as operações deverão nortear-se pelo respeito à população, cujos direitos e garantias individuais são inalienáveis, e pela incolumidade do patrimônio público e privado.
– General, o que o senhor destacaria de mais relevante a respeito das Operações de Garantia da Lei e da Ordem?
– Primeiro, agradeço o seu (Blog do Elimar Côrtes) interesse pelo tema e espero haver contribuído para sua melhor compreensão. Gostaria de enfatizar alguns pontos importantes acerca de Operações de Garantia da Lei e da Ordem e que estão refletidos nas páginas do manual em tela, que será objeto de ensino nas escolas de altos estudos militares, bem como de consulta e guia por parte dos escalões de emprego das Forças:
1. A Garantia da Lei e da Ordem integra o rol de missões das Forças Armadas de acordo com o artigo 142 da Constituição Federal.
2. As operações de GLO são, por lei, conduzidas pelas Forças Armadas, de forma episódica, em área previamente estabelecida e por tempo limitado. A decisão acerca da sua necessidade e do subsequente emprego das Forças Armadas são prerrogativas exclusivas do Presidente da República, conforme determinam as leis que dispõem sobre o preparo e o emprego das Forças Armadas (LC 97/99 e LC 136/2010) e o decreto que fixa as diretrizes para a atuação daquelas Forças nas operações em referência (Decreto nº 3.897/2001). A decisão presidencial é formalizada em ato do Chefe do Executivo Federal dirigido ao Ministro da Defesa que contém, entre outros pontos, orientações acerca do emprego das Forças Armadas.
3. Recebida a comunicação acima, o Ministério da Defesa emite uma diretriz ministerial, ativando a estrutura operacional para conduzir as operações e com mais orientações para a atuação das Forças Armadas. Com base naquela diretriz, o Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas (EMCFA), emitirá as Instruções para o Emprego das Forças Armadas, contendo, entre outros pontos, as Normas de Conduta com determinações voltadas para a observância, por parte da tropa, de uma relação respeitosa com populações e autoridades envolvidas pela operação, bem como dos direitos e garantias individuais elencados na Constituição. Aquelas normas trazem, ainda, orientações para que os Comandos Operacionais elaborem, além dos planos necessários à execução das operações, protocolos rígidos, claros e precisos do uso, quando e se necessário for, da força, que será norteado, ainda, por princípios como progressividade, razoabilidade, proporporcionalidade, legalidade e antecedido de negociações de toda ordem. Tudo isso para que a preservação da ordem pública e da integridade das pessoas e do patrimônio ocorra com a simples presença da tropa no terreno.
Por fim, nunca é demais salientar, que as Forças Armadas são as Instituições que desfrutam dos maiores índices de confiabilidade perante a sociedade brasileira. Essa condição decorre da competência e do devotamento dos homens e das mulheres — norteados por princípios inarredáveis, como legalidade, urbanidade no trato com as pessoas e solidariedade, entre outros — que servem em suas fileiras às missões que a Nação tem lhe confiado, incluídas as Operações de Garantia da Lei e da Ordem.
O manual em referência, portanto, é mais uma contribuição para preservar esse valioso patrimônio cívico de que as nossas Forças Armadas são detentoras.