A Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social (Sesp) informa que a Portaria nº 064-R, publicada em 12 de novembro de 2012, normatiza o procedimento para apreensão de armas de fogo que forem utilizadas em ação que haja crime militar. A Sesp garante ainda que na portaria não há impedimento para o delegado de Polícia Civil realizar o inquérito policial bem como suas atribuições inerentes ao cargo, regulamentando apenas a devolução de objetos apreendidos à autoridade militar.
No Sindicato dos Delegados de Polícia Civil do Espírito Santo (Sindelpo), no entanto, mantém sua posição no que acredita ser a verdadeira intenção e interpretação da portaria: de que ela (portaria) impede que a Polícia Civil continue investigando crimes contra a vida cometidos por policiais militares no exercício de suas atividades.
Para reforçar a nota divulgada pela Sesp, o chefe de Polícia Civil, delegado Joel Lyrio Júnior, garantiu que a Portaria número 064-R cuida tão somente da apreensão de materiais, instrumentos e armas pertencentes à Polícia Militar provenientes de crime militar cometido por policiais militares no exercício de suas atividades:
“Em relação à Polícia Civil, a Portaria só disciplina o material apreendido pertencente à Polícia Militar. O problema da interpretação da Portaria é que ela está cheia de ‘considerandos’. Em momento algum ela diz que a Polícia Civil deixará de investigar crimes contra a vida praticados por policiais militares dentro de suas funções”, disse o chefe de Polícia.
Joel Lyrio falou mais: “Independente da apuração que sempre é feita pela PM, cabe ao delegado de Polícia, de ofício, fazer a investigação “.
O chefe de Polícia explicou que, em alguns momentos, quando um policial militar reage e mata um assaltante, o delegado de Plantão costuma fazer dois procedimentos: apreende a arma, como se ela fosse parte do roubo, e envia cópia do flagrante para a Divisão de Crimes contra o Patrimônio, que vai investigar o roubo; e envia outra cópia para a Divisão de Homicídios, para investigar a morte do suspeitos.
“O que vai acontecer agora é que o delegado vai recolher a arma. providenciar a perícia e, mediante recibo, entregar à Corregedoria Geral da PM”, disse Joel Lyrio.
Para o presidente do Sindelpo, delegado Rodolfo Laterza, as explicações de Joel Lyrio não são suficientes para “resgatar a legitimidade” da Polícia Civil em investigar crimes contra a vida praticados por policiais militares durante serviço. Ele disse que somente a revogação da portaria poderá devolver segurança jurídica aos delegados:
“O Sindelpo acredita na sabedoria do secretário de Estado da Segurança Pública, doutor André Garcia, em revogar a Portaria 064-R e adequá-la à Resolução nº 08 de 21 de dezembro de 2012, da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, nos casos de crimes dolosos contra a vida praticados por militar contra civil.
Nota do Sindelpo sobre a Resolução nº 08 de 21 de dezembro de 2012, editada pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e comentários a respeito da Portaria 064-R
“Em complemento à anterior recomendação e aos preceitos já estabelecidos no artigo 6º do Código de Processo penal e nos posicionamentos dos tribunais superiores, o SINDELPO recomenda à categoria de delegados que atenda plenamente às diretrizes elencadas na Resolução nº 08 de 21 de dezembro de 2012, editada pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, de âmbito nacional, notadamente os seguintes dispositivos estabelecidos pelo artigo 2º da referida espécie regulamentar, a seguir destacados:”
“Art. 2º Os órgãos e instituições estatais que, no exercício de suas atribuições, se confrontarem com fatos classificados como “lesão corporal decorrente de intervenção policial” ou “homicídio decorrente de intervenção policial” devem observar, em sua atuação, o seguinte:
I -os fatos serão noticiados imediatamente a Delegacia de Crimes contra a Pessoa ou a repartição de polícia judiciária, federal ou civil, com atribuição assemelhada, nos termos do art. 144 da Constituição, que deverá:
a) instaurar, inquérito policial para investigação de homicídio ou de lesão corporal;
b) comunicar nos termos da lei, o ocorrido ao Ministério Público.
II-a perícia técnica especializada será realizada de imediato em todos os armamentos, veículos e maquinários, envolvidos em ação policial com resultado morte ou lesão corporal, assim como no local em que a ação tenha ocorrido, com preservação da cena do crime, das cápsulas e projeteis até que a perícia compareça ao local, conforme o disposto no art. 6.º, incisos I e II; art. 159; art. 160; art. 164 e art. 181, do Código de Processo Penal;
III -é vedada a remoção do corpo do local da morte ou de onde tenha sido encontrado sem que antes se proceda ao devido exame pericial da cena, a teor do previsto no art. 6.º, incisos I e II, do Código de Processo Penal;
IV -cumpre garantir que nenhum inquérito policial seja sobrestado ou arquivado sem que tenha sido juntado o respectivo laudo necroscópico ou cadavérico subscrito por peritos criminais independentes e imparciais, não subordinados às autoridades investigadas;
V -todas as testemunhas presenciais serão identificadas e sua inquirição será realizada com devida proteção, para que possam relatar o ocorrido em segurança e sem temor; (grifos nossos)
…
“Ressalte-se que tal resolução foi editada com ampla discussão pública e participação de integrantes da sociedade civil, representantes do Ministério Público Federal e edos Estados, representante dos Conselhos dos Procuradores Gerais de Justiça dos Estados, acadêmicos, representantes do Ministério das Relações Exteriores, tendo, pois, ampla legitimidade e compatibilidade com o texto constitucional e com o sistema processual penal pátrio.
Tais normas demonstram a total impertinência e incongruência do que dispõe a questionada Portaria 64-R expedida pela Secretaria de Segurança Pública.
Esta portaria contradiz toda uma diretriz nacionalmente firmada pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e cria uma situação de exceção em nosso Estado, lamentavelmente ainda alheio às ações procedimentais verificadas em outros Estados, tal como no emblemático caso do homicídio praticado em unidade militar contra o pedreiro Amarildo de Souza, fato ocorrido no município do Rio de Janeiro recentemente, tal como ostensivamente noticiado em cadeia nacional.
Evento similar ocorreu recentemente em nosso Estado, no caso da morte da comerciária Maria da Penha Schopf Auer, quefoi morta por policiais militares dentro do porta-malas do carro em que ela estava sendo vítima de sequestro relâmpago, cujo inquérito instaurado pela Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa foi exitosamente concluído de acordo com os ditames da verdade real dos fatos.
Ademais, a Resolução nº 08/2012 editada pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República se fundamenta em inúmeros documentos de validade nacional, tais como o Decreto nº 7.037, de 21 de dezembro de 2009, que aprova o Programa Nacional de Direitos Humanos e o Relatório 141/11, de 31 de outubro de 2011, da Comissão Interamericana de Direitos Humanos/OEA para o Estado Brasileiro.
Assim, o delegado de polícia está mais que amparado em seguir este arcabouço legal, sem qualquer preocupação quanto à responsabilidades administrativas ou penais referentes ao não atendimento à Portaria nº 64-R da SESP.
Sugerimos a todos delegados de polícia que em seus despachos fundamentados nos casos relacionados a ocorrências de “lesão corporal decorrente de intervenção policial” ou “homicídio decorrente de intervenção policial envolvendo militares que façam referência ao artigo 2º da Resolução nº 08 de 21 de dezembro de 2012 da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
Ademais, tratando-se de infrações penais comuns e mesmo nas situações em que se verificam crimes de natureza militar conexos a crimes comuns, deve o Delegado de Polícia, legítima autoridade para presidir o inquérito policial e as investigações adequadas, atender à sua obrigação legal de apreender todos os objetos e instrumentos relacionados à infração penal que sejam relevantes para a perícia técnica e formação dos elementos de prova, conforme estabelecido na dinâmica do artigo 6º, I, II e II do Código de Processo Penal, devidamente subscrito neste compêndio:
“Art. 6o Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá:
I- dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais;
II- apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais;
III- colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias;
No caso de recusa pelo policial civil ou militar envolvido em ação letal contra civil de entregar sua arma para realização de exames periciais necessários à formação da instrução penal preliminar, poderá referido servidor incorrer nesta hipótese em crimes de prevaricação, previsto no artigo 319 do Código Penal e crime de fraude processual, previsto no artigo 347 do mesmo estatuto penal, podendo portanto ser autuado em flagrante delito.”