Sete dias depois deste Blog informar entendimento do XIII Congresso Nacional das Justiças Militares de que crimes de natureza militar devem ser investigados pelas Polícias Militares Estaduais de todo o Brasil, o secretário de Estado da Segurança Pública e Defesa Social do Espírito Santo, André de Albuquerque Garcia, publicou no Diário Oficial desta quarta-feira (13/11) portaria em que regulamenta a apreensão de materiais, instrumentos e armas pertencentes à Polícia Militar provenientes de crime militar cometido por policiais militares no exercício de suas atividades. A partir de agora a Polícia Civil não mais vai poder investigar crimes de natureza militar; a competência volta para a Corregedoria Geral da Polícia Militar.
Ainda segundo a mesma portaria, os delegados de Polícia Civil não mais poderão também reter em seu Inquérito Policial os materiais – principalmente armas – apreendidos com policiais militares que, numa troca de tiros, ferem ou matam alguma pessoa. Os delegados deverão encaminhar os materiais, em especial as armas – que são da corporação militar –, à Autoridade Judiciária Militar – no caso, o oficial de plantão da Corregedoria Geral da PM.
A Portaria de número 064-R, de 11 de novembro deste ano, estabelece ainda que crime de natureza militar, mesmo que o policial tenha matado um cidadão civil, cabe à Corregedoria Geral da PM promover a investigação. Antes, tramitavam duas investigações paralelas: na Polícia Civil e na Polícia Militar. Em ambos os casos, no entanto, o militar é julgado pela Justiça Comum, pois se trata de crime contra a vida. Se o militar cometer o crime fora do serviço, aí, sim, ele é investigado pela Polícia Civil ou Federal.
A portaria determina aos policiais na função de Polícia Judiciária, Civil ou Militar, que cumpram literalmente as normas trazidas pelo Código de Processo Penal Militar. Diz ainda que, para os casos de crimes, comum e militar, praticados em uma mesma conduta, “os Delegados de Polícia da PCES deverão apreender e entregar imediatamente, mediante recibo à autoridade militar competente, os instrumentos e objetos de interesse da apuração do crime militar e, em especial, as armas de fogo utilizadas por policiais militares em serviço ou que se verifique terem sido usados em razão da função.”
A determinação do secretário André Garcia é para que, neste caso, a ocorrência policial deverá ser encaminhada o quanto antes para apreciação da Corregedoria da PMES, logo após o recebimento, por parte da Autoridade de Polícia Judiciária de Plantão, da ocorrência originária.
Nos casos previstos neste artigo envolvendo policiais militares de outros Estados, será observado o mesmo procedimento previsto na presente Portaria, em consonância com os termos da Súmula nº 78 do Superior Tribunal de Justiça, “sendo que a documentação produzida inicialmente pela Autoridade de Polícia Judiciária Militar deverá ser remetida imediatamente para o juízo da Auditoria da Justiça Militar Estadual do Espírito Santo e para a Corporação Militar de origem do policial militar envolvido.”
A determinação é para que o Comandante de Policiamento da Unidade (CPU) da Polícia Militar com circunscrição sobre a região em que o fato ocorrer, adotará as providências iniciais previstas no caput do artigo 8º, §§2º e 3º do artigo 10, e artigos 12 e 13 do Código Penal Militar, inclusive com relação à apreensão das armas e outros objetos utilizados pelo militar em serviço, ou em razão do serviço, mediante a lavratura do respectivo auto de apreensão, devendo anexá-lo à ocorrência policial de origem, encaminhando-os em seguida à Corregedoria da PMES.
Caberá ao oficial-CPU fornecer imediatamente à Autoridade de Polícia Judiciária de Plantão uma via do correspondente auto de apreensão, a fim de que seja anexado ao inquérito policial correlato.
Já o presidente do Inquérito Policial Militar da Corregedoria da PMES, por sua vez, adotará as medidas decorrentes, providenciando o mais breve possível o encaminhamento dos materiais apreendidos (armas de fogo, projeteis, estojos deflagrados, etc.) ao Departamento de Criminalística da Polícia Civil para a realização dos exames periciais necessários, de imediato ou no primeiro dia útil seguinte.
O oficial de Plantão da Corregedoria da PMES “deverá, quando verificada a imperiosa necessidade e o fato ocorrer nos municípios de Vitória, Vila Velha, Viana, Cariacica e Serra, proceder à autuação em flagrante delito do militar estadual que atuou em serviço ou em razão do serviço.”
Nos demais municípios do Estado, as atribuições previstas na portaria recairão sobre o Chefe da Seção de Polícia Administrativa e Judiciária Militar ou sobre o Comandante da Companhia da Organização Militar Estadual com circunscrição sobre a região em que o fato ocorrer, sendo tais atribuições repassadas, na ausência dos mesmos, para o próprio CPU, quando o mesmo for Oficial.
“Diante da inexistência de elementos necessários à autuação em flagrante delito do militar estadual nas condições anteriormente especificadas, as autoridades de polícia judiciária militar, descritas no artigo anterior, procederão imediatamente, sempre que possível, a oitiva de todos os envolvidos na ocorrência policial, a fim de que seja instaurado mais célere e eficientemente o inquérito policial militar. Esta portaria entra em vigor a partir da data de sua publicação, devendo o Comandante Geral da PMES e o Delegado Chefe da PCES, bem como os seus respectivos Corregedores, adotarem as providências necessárias ao seu cumprimento”, assina embaixo o secretário de Segurança Pública e Defesa Social, André de Albuquerque Garcia.
As considerações levadas em conta pelo Estado
Ao baixar a Portaria nº 064–R, o secretário André Garcia enumera uma série de considerações. Uma delas é o entendimento do Grupo Executivo de Controle da Atividade Policial (Gecap) do Ministério Público Estadual e ratificado recentemente pela Vara da Auditoria Militar Estadual. Também considera a deliberação conjunta da Polícia Militar e da Polícia Civil em reunião realizada no dia 5 de junho deste ano com a presença de representante da Procuradoria Geral de Justiça do Estado.
Leva em conta os termos do artigo 9º do Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969, Código Penal Militar, que estabelece os critérios referentes aos “Crimes Militares em Tempo de Paz”. Cita ainda que “os policiais militares em serviço e muitas vezes fora dele, atuando em razão da função, frequentemente se envolvem em situações de confronto, resultando em ocorrências policiais com uso de suas armas de fogo (da corporação ou particular), ocasionando vítimas civis e/ou militares”.
O secretário André Garcia cita ainda na portaria diversos artigos do Código de Processo Penal Militar (CPPM) que estabelecem critérios para o exercício e a competência da Polícia Judiciária Militar, “bem como os instrumentos apuratórios adequados para a realização da Instrução Provisória, no caso os Autos de Prisão em Flagrante Delito Militares e os Inquéritos Policiais Militares”.
Garcia ressalta também que mais precisamente em relação aos “crimes dolosos contra a vida”, praticados por civis, a apuração de tais casos se encontra legalmente prevista para ser procedida por meio de Inquérito Penal Militar, nos termos do caput e §2º do artigo 82 do CPPM; e leva em consideração as recentes divergências surgidas entre os Oficiais Militares Estaduais, devidamente investidos da Autoridade de Polícia Judiciária Militar, e os Delegados da Polícia Civil, no que diz respeito à investigação dos crimes em tese perpetrados por policiais militares no exercício de suas funções ou em razão delas.
O secretário lembra na portaria que, neste tipo de circunstância, “as autoridades policiais militares têm informado aos Delegados de Polícia acerca da impossibilidade de lhes encaminhar, por exemplo, as armas de fogo utilizadas pelos militares e apreendidas para fins periciais, em estrito cumprimento das prescrições previstas no caput do artigo 8º, §§2º e 3º do artigo 10, bem como artigos 12 e 13 do Código de Processo Penal Militar; que o conflito entre as normas do Código de Processo Penal e do Código de Processo Penal Militar é apenas aparente já que, pelo princípio da especialidade, as normas do Código de Processo Penal Militar devem prevalecer; que esse tipo de “conflito” não tem qualquer respaldo jurídico, já tendo sido objeto de análise anterior por parte do Supremo Tribunal Federal, o qual pacificou o tema quando do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1494-3/DF, pugnando pela constitucionalidade do caput e do §2º do artigo 82 do Código de Processo Penal Militar, sedimentando o entendimento de que o inquérito penal militar é instrumento com validade legal para que se investigue, dentre outros, os “crimes dolosos contra a vida” mesmo quando praticados contra civis; e que essetipo de ‘divergência’ já foi objeto de análise também do Executivo Estadual, tendo a Procuradoria Geral do Estado, por meio do Parecer nº 575, de 31 de março de 2007, se manifestando pela manutenção dos procedimentos adotados pela PMES, os quais não geram prejuízos para as apurações outras desenvolvidas pelos Delegados de Polícia, em sede de inquérito policial.”