Nada contra os que procuram cuidar bem dos animais – e nem tampouco a favor de ladrões. Porém, a cobertura jornalística da imprensa do Espírito Santo ao caso da cadela que percorreu cinco quilômetros pelas ruas de Vitória para encontrar seu dono, que acabara de ser preso pela Polícia Militar, demonstra total inversão de valores praticada pela mídia e a sociedade brasileiras. E, para aumentar o drama da história, a pequena cadela ainda foi atropelada quando saiu desesperada da porta do Departamento de Polícia Judiciária de Vitória (DPJ), no Horto, onde aguardava em vão pelo seu dono.
A cadela, logo apelidada de Filhinha pelos policiais do DPJ, encontrou novo dono. Foi socorrida, medicada e agora está no apartamento de um médico, também em Vitória. Foi, de fato, um exemplo de fidelidade e amor da cadelinha, que seguiu seu dono até o DPJ de Vitória, depois que ele foi preso por furto, no último domingo (06/10), em Jardim da Penha. A cachorra acompanhou a viatura de Jardim da Penha até o Horto: um percurso de cinco quilômetros.
Segundo os jornais, a espera da Filhinha por seu dono durou mais de 12 horas. Quando deixou o local em direção à avenida Vitória, ela foi atropelada por um veículo que seguia para o Centro. A cadela quebrou a pata traseira esquerda e foi socorrida pelo médico Pedro Dettogni, que passava pelo local. Ele a levou até uma clínica veterinária.
A Polícia Civil teve de “enganar” a cadela para que ela não tentasse seguir seu dono até o Centro de Triagem de Viana, onde o rapaz está preso. O delegado Leonardo Ávila, que estava de plantão no DPJ no domingo, disse à imprensa que foi preciso fazer uma “operação para que o dono da cadela fosse transferido para o CTV sem que ela visse”. Tudo para evitar que Filhinha seguisse o dono.
O animal aparentava estar cansado e com medo, mas ainda assim aguardou o retorno do dono. Para o delegado Leonardo, “chamou nossa atenção a fidelidade do animal. Isso serve de lição para muita gente.” Será que serviu de mesmo de lição?
Tamanha preocupação com a cadela e o dono dela ia ficando no esquecimento. Ele se chama Marcos Eduardo de Oliveira, tem 42 anos de idade e foi preso em flagrante pela Polícia Militar pela acusação de furtar um carrinho de mão em uma obra que acontece em Jardim da Penha. O dono da cadela não pode pagar a fiança de R$ 680,00. Por isso, ele foi transferido para o Centro de Triagem de Viana.
Enquanto Marcos, que furtou um carrinho de mão já está onde se encontram bandidos de alta periculosidade, corruptos estão soltos pelo Brasil afora. Enquanto Marcos está preso, pessoas que atropelam e matam no trânsito nosso de cada dia estão soltas e impunes. Enquanto Marcos não tem R$ 680,00 para pagar fiança e ganhar a liberdade provisória, os “mensaleiros” – o maior escândalo de corrupção do País – ganharam fôlego no Supremo Tribunal Federal e podem ter suas penas reduzidas e nunca irem para uma prisão.
Enquanto Marcos já passou duas noites numa cela, ao lado de outros criminosos – talvez até dormindo no chão –, sua cadelinha se encontra em um apartamento e já chamou a atenção até do Grupo de Proteção a Animais Patinhas Carentes, que também demonstrou interesse em cuidar do animal. A representante Caroline Pereira Gomes, que organiza as adoções na Grande Vitória, chegou a ir ao DPJ para resgatar a cachorrinha.
Enquanto isso, Marcos está preso. Será que ele já foi procurado por algum advogado com ideias mais humanistas para tirá-lo da cadeia? Será que já foi procurado pela Defensoria Pública? E os grupos de defesa dos direitos humanos já pensaram no Marcos, como os grupos de defesa dos animais pensam em sua pequena cadelinha?
Em tempo: durante a segunda-feira (07/10), mais de 40 pessoas ligaram para o DPJ de Vitória querendo adotar a cadela. Mas, para fazer justiça, três advogados foram à unidade policial tentar pagar a fiança para soltar o dono de Filhinha.
Pobre Marcos, símbolo da verdadeira inversão de valores da sociedade brasileira.