O cabo da Polícia Militar Valdeci Cândido de Moraes foi absolvido da acusação de matar seu colega de farda, Luiz Carlos Sena de Oliveira, com quatro tiros de revólver calibre 38, pertencente à Polícia Militar do Espírito Santo, durante confraternização de Natal de 2007. A Vara da Auditoria da Justiça Militar do Espírito Santo, no entanto, condenou o cabo Valdeci, que já foi reformado, a dois anos e seis meses de detenção pelo sumiço da arma, usada para matar o policial militar Sena. A tragédia ocorreu na zona rural de Barra de São Francisco. O Ministério Público Militar Estadual vai recorrer da decisão do Conselho de Justiça Militar.
O cabo Valdeci havia sido denunciado pelo Ministério Público Militar Estadual nas sanções do artigo 205, caput do Código Penal Militar. Ele foi julgado pela Justiça Militar porque a vítima também era militar. Se fosse civil, Valdeci seria julgado pelo Tribunal do Júri Popular (Justiça Comum).
Durante a fase do processo, o cabo Valdeci acusou a esposa do policial Sena de ser a assassina. Entretanto, ele não prendeu a suposta criminosa, cometendo, assim, o crime de prevaricação. A arma usada para matar o policial Sena estava acautelada ao cabo Valdeci.
Segundo denúncia do Ministério Público Militar, logo depois da meia-noite do dia 25 de dezembro de 2007, na zona rural do município de Barra de São Francisco, Valdeci teria matado Luiz Carlos Sena de Oliveira a tiros. Segundo os autos, naquele dia, Valdeci e Sena haviam se reunido, juntamente com suas respectivas famílias, para uma confraternização de Natal, tendo todos eles ingerido bebida alcoólica durante toda a véspera de Natal.
Já no começo da madrugada, ocorreu uma discussão entre o PM Luiz Carlos e sua esposa, Claudete Luzia da Silva. De acordo com o Ministério Público, o cabo Valdeci interveio na discussão e também se desentendeu com o colega, “efetuando contra ele quatro disparos com um revólver calibre 38 da Polícia Militar que estava sob sua cautela.” O PM Sena foi socorrido por todos os integrantes da casa, sendo levada ao Hospital Doutora Rita de Cássia, no centro de Barra de São Francisco, onde morreu.
Na sentença, o juiz Getúlio Marcos Pereira Neves relata que, “quanto à autoria, de fato a instrução foi tumultuada. Providências corriqueiras não foram adotadas, visando à melhor elucidação dos fatos, e três versões chegaram a ser apresentadas quanto à autoria do homicídio: a primeira, que a atribuía a um autor desconhecido, foi logo descartada; na Comarca prevaleceu a versão, apresentada pela companheira da vítima fatal, de que o acusado nestes autos seria o autor (Valdeci), enquanto que este apresentou, neste Juízo, a versão de que aquela (Claudete Luzia da Silva) seria a autora. Nestas circunstâncias, o Conselho de Justiça Militar não formou convicção no sentido de o acusado ser o autor do homicídio.”
O magistrado, entretanto, afirma que “não há qualquer dúvida, para a unanimidade do Conselho de Justiça Militar, quanto ao fato de que o extravio do armamento acautelado ao acusado foi determinante no resultado fatal. Foi o próprio acusado quem revelou, no seu interrogatório, que bebeu durante todo o dia e colocou a arma numa bolsa, sobre um armário, tendo avisado à vítima fatal que o fazia.”
Ainda de acordo com a sentença, processualmente, está convicto o Conselho de Justiça Militar de não haver qualquer óbice à investigação do ponto: ao surgir a versão de extravio do armamento, apresentada pelo próprio acusado no interrogatório, a questão foi levantada pelo Ministério Público Militar, como sendo “um fato comprovado nos autos”, de que a defesa ficou bem ciente e a instrução na Auditoria da Justiça Militar incidiu, a partir daí, também sobre o ponto específico. O juiz Getúlio Marcos Pereira Neves salienta:
“Assim, a se dar crédito à versão do acusado, defendendo-se da acusação de homicídio, é de se considerar os dois crimes funcionais confessados por ele, o extravio do armamento que vítimou o Sd Sena e a prevaricação ao não realizar a detenção em flagrante da autora do homicídio acusado por ele mesmo. Motivo, aliás, de não ser caso de aditamento à denúncia, porque uma versão exclui a outra.”
Mais adiante, a sentença o magistrado salienta que “no caso presente, não restou ao Conselho de Justiça Militar qualquer dúvida quanto ao extavio, já que a arma cautelada a um militar foi usada pela companheira do Sd Sena para alcançar o resultado de que se cuida. Na investigação da responsabilidade do acusado pelo fato, as circunstâncias narradas por ele mesmo no interrogatório – arma carregada, numa bolsa, ao alcance dos adultos que estavam na casa, que foram avisados por ele, mesmo estando em desentendimento conjugal, mais o uso de álcool por se tratar de um dia festivo, e ainda a presença de crianças no local, atestam sua conduta imprudente, seu pouco cuidado objetivo com o equipamento. O sr. 1º Juiz Militar frisou que, à vista do uso de álcool, era previsível que a situação saísse do controle do acusado.”
Assim, o Conselho de Justiça Militar, considerando que o delito do art. 319 do CPM (prevaricação) encontra-se já alcançado pela prescrição da pretensão punitiva estatal na data do julgamento, opera a desclassificação da conduta do acusado para o tipo do art. 265 c/c 266 do CPM, onde profere condenação.
Assim, o juiz Getúlio Marcos Pereira Neves, tendo em vista a decisão soberana do Conselho Permanente de Justiça Militar, condenou o cabo Valdeci Cândido de Moraes nas iras do artigo 266 do Código Penal Militar. O magistrado passou, então, à dosagem da pena:
“Da análise do art. 69 do CPM e verificando ocorrerem uma maioria de circunstâncias judiciais a ele favoráveis, à exceção dos meios empregados e o modo de execução, que no entanto servem para demonstrar o elemento subjetivo do tipo, Fixo-lhe a Pena Base em 08 (oito) meses de detenção, que torno definitiva na ausência de circunstâncias atenuantes e agravantes, bem como causas de diminuição e aumento de pena a considerar. O regime inicial de cumprimento será o aberto.
Dispõe o art. 266 do CPM que se do extravio do armamento ‘resulta lesão corporal ou morte, aplica-se também a pena cominada ao crime culposo contra a pessoa’, passando o Conselho de Justiça Militar a dosar a pena para o delito do art. 206 do CPM. Da análise do art. 69 do CPM, considerando a gravidade do delito pelas circunstâncias em que ocorreu a morte, em meio a familiares; que sua personalidade é a do homem comum; que a culpa foi intensa, beirando o dolo eventual, pelo uso de álcool e por ter alertado o casal em litígio sobre o local em que acondicionava o armamento; que o dano psicológico causado nos presentes independe de demonstração, sendo presumido nas circunstâncias descritas nos autos – festa de Natal, entre familiares; os meios empregados e o modo de execução foram considerados na análise do elemento subjetivo do tipo; os motivos determinantes não foram apurados; as circunstâncias de tempo e lugar já foram consideradas; não constam antecedentes atualizados e sua atitude após o delito redundou na prática do delito do art. 319 do CPM, como já analisado no corpo da decisão, Fixo-lhe a Pena Base em 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de detenção, que torno definitiva na ausência de circunstâncias atenuantes e agravantes, bem como causas de diminuição e aumento de pena a considerar. O regime inicial de cumprimento será o aberto. Estando o acusado na inatividade, as condições para o cumprimento da pena serão fixadas pelo Juízo competente para sua execução.”
A Sentença, de 2 de agosto de 2013, é assinada pelo Conselho de Justiça Militar: Getúlio Marcos Pereira Neves (Juiz de Direito da Justiça Militar); major PM Marcelo Mattos Simões (1º Juiz Militar); capitão Maurício Alessandro Pinto (2º Juiz Militar); capitão Joabson Almeida Monteiro (3º Juiz Militar); e capitão Marcelo Monteiro dos Santos (4º Juiz Militar).