Difícil encontrar adjetivos para definir a delegada aposentada de Polícia Civil, poetisa e escritora Neusa Glória dos Santos. Lutadora, sonhadora, guerreira, vencedora, brilhante em tudo que faz. Afinal, todos se encaixam em seu perfil. Ao longo dos 31 anos de vida profissional como operadora do Direito e da Segurança Pública, ela derrotou preconceitos, derrubou tabus, enfrentou o mal fora e dentro da instituição policial. Um dos tabus quebrados já está na história: Neusa Glória dos Santos foi a primeira mulher a assumir o cargo de delegada de Polícia no Espírito Santo, em 1981.
Como policial, foram guerras diárias, tendo que matar um leão por dia. Saiu às ruas não só para prender bandidos, mas para levar aos jovens palavras de conforto e mostrar o que representam os perigos das drogas. Porém, foi fora da instituição que Neusa Glória dos Santos venceu a maior de todas as batalhas: o câncer de mama.
Em 2010, quando faltavam dois anos para se aposentar na Polícia Civil, a delegada Neusa Glória detectou um pequeno caroço em um dos seios. Estava em casa, com o marido, o também delegado Hélio Moreira – que já foi chefe de Polícia Civil –, quando tocou os seios e sentiu o caroço. O marido, para tranquilizar a esposa, disse que não era nada, mas sugeriu que fizesse um exame. No dia seguinte, precavida, Neusa Glória foi a um médico. Imediatamente, ficou diagnosticado o câncer de mama.
Já recuperada e curada, depois de sessões de quimioterapia – em que chegou a ficar careca – e uma cirurgia para a retirada da mama, Neusa Glória dos Santos resolveu mais uma vez fazer mostrar que sua missão na Terra é ajudar à sociedade. Escreveu o terceiro livro, em que relata todo sua luta, faz agradecimentos a amigos, médicos, irmãos da Igreja Cristã Maranata” e, principalmente, alerta às mulheres sobre a necessidade de estarem sempre fazendo consultas e exames médicos para diagnosticar qualquer tipo de doença.
O livro se chama “Câncer, o Protagonista Silencioso”, acaba de sair pela Editora GSA, de Vitória, e vai ser lançado na terça-feira (30/07), no Restaurante Lareira Up, na avenida Saturnino de Brito, 260, Praia do Canto, em Vitória, a partir das 19h30. Ela já escreveu outros dois livros: “O Cerco no Imenso Salão” e “Olhar Sobre a Vida”.
Na semana que passou, Neusa Glória dos Santos deu uma entrevista ao Blog do jornalista Elimar Côrtes, em que abordou diversos tópicos do novo livro.
Como foi descobrir a doença:
“O primeiro susto foi com o diagnóstico positivo. Senti muita dor na alma. Faltavam 15 dias para o lançamento de meu segundo livro, quando o médico me ligou dizendo que era para suspender o lançamento da obra porque eu teria que ser operada logo. Disse para ele que não. Primeiro, iria lançar o livro, o que aconteceu em 31 de março de 2010. Ninguém observou que eu estava doente e nem transmiti qualquer tipo de tristeza ou depressão. No dia 8 de abril do mesmo ano, fiz a cirurgia. Foi tudo tranquilo. Trabalhei normalmente mesmo no período da quimioterapia”.
O que se aprende com a doença:
“O mais importante é a pessoa não se curvar diante da doença. Na ocasião eu era a Corregedora Geral de Polícia Civil e desenvolvi minhas atividades normalmente e de maneira tranquila. Por isso, no livro, agradeço aos meus superiores e toda a equipe de delegados, escrivães, investigadores, agentes e o pessoal dos serviços gerais que trabalhavam comigo na Corregedoria. Meus superiores permitiram que eu desenvolvesse meu trabalho mesmo sabendo que estava doente, me recuperando de um câncer. Minha equipe se desdobrava para dar conta do serviço e não deixar a peteca cair.”
Momento de maior dor:
“O momento que mais sofri, de maior dor, foi quando o cabelo começou a cair. Sempre fui muito vaidosa. Quando ia para o chuveiro e sentia a queda do cabelo, me batia um desespero. Eu me sentia insignificante, mas não parei de lutar. Continuei trabalhando. Comprei perucas, mas o importante nesse processo de sofrimento é a escolha dos médicos. Fui cuidada por excelentes profissionais. Eles me deram muita segurança durante a cirurgia e o tratamento. Foi essa luta, com ajuda dos médicos, da família, dos amigos, dos colegas de Polícia e dos meus irmãos da Igreja Cristã Maratana, que fez a doença ir embora”.
De onde vem tanta fé:
O mais importante é que todas as mulheres façam periodicamente exame da mama. O diagnóstico precoce é fundamental para o tratamento. Importante também é não entregar os pontos; tem que ser corajosa. Nosso Deus é o Deus do impossível. É ele que nos dar força. Eu sempre acreditei nos médicos, mas acima de todos está Deus. Tive também apoio muito grande de meus irmãos (pastores e membros) da Igreja Maranata. Frequento a igreja de Santa Lúcia. Meus irmãos de igreja faziam jejum e orações diárias; me visitavam todos os dias; faziam a chamada oração da madrugada, pedindo a Deus pela minha recuperação. Dedico o livro também a eles, aos meus irmãos da Maranata”.
Semelhança entre combate à violência e o câncer:
“De fato, como delegada de Polícia, ajudei a combater a criminalidade. Ao mesmo tempo, eu gostava de atuar na prevenção, pois acredito que, mais ou tão importante quanto à repressão, está a prevenção. Neste quesito, eu gostava de levar aos jovens e chefes de famílias os perigos que o uso de drogas representa. O usuário de drogas é um doente, que necessita de ajuda. Eu fazia palestras nas comunidades, empresas, escolas, condomínios. Ia a bairros da periferia, subia morros para falar das consequências drásticas quanto ao uso de drogas.
Combater a violência nos causa sofrimento, porque não vemos resultados imediatos, porque o combate necessita de outros atores, como uma melhor saúde, educação e o fim da miséria e do desemprego. Por isso, como delegada, lancei uma cartilha, denominada de ‘Alerta da Ilha’, que mostrava justamente os males das drogas.
Quanto à doença, sofri, mas, falando com sinceridade, creio que sofri mais devido à minha vaidade. Sofri quando comecei a ficar careca, mas em momento algum abandonei minha vida social. Jamais permiti que a doença tirasse de mim meus ideais. Se a pessoa se entregar, acabou.
Penso que, depois da doença e depois que perdi minha mãe (Maria Rigor), fiquei muito mais sensível. O livro que estou lançando é também uma homenagem à minha mãe, que morreu há um ano. Ela, sim, sempre foi uma guerreira. Até o fim de seus dias, já com mais de 80 anos, ia diariamente à academia de ginástica. Foi a minha heroína e grande e maior companheira.
Agradecimento especial ao secretário André Garcia:
“Além à minha mãe e minha família, tenho um agradecimento especial a fazer no livro que é para o nosso secretário de Segurança (Pública e Defesa Social), André Garcia. É ele quem escreve o prefácio do livro. Ele foi meu secretário em 2010, quando descobri a doença, e meu deu a maior força, assim como o chefe de Polícia da época, doutor Júlio César de Oliveira.
O doutor André Garcia é um homem tão bom, puro, cordial, dedicado e carismático com todas as pessoas e em todas as situações, que nem parece ser deste mundo. Ele é tão competente que foi secretário no governo de Paulo Hartung e continuou com o governador Renato Casagrande.
Restauração da feminilidade:
“É outra situação difícil para a mulher que tem câncer de mama. Em muitos casos, os maridos se separam das esposas justamente no momento em que elas mais precisam de seu amor, afeto e carinho. Comigo, nenhuma chance disso ter acontecido. Por isso, sou muito grata ao meu marido, o Hélio, que em momento algum me abandonou. Geralmente, a separação acontece porque a mulher perde muito de sua autoestima. É neste momento que o apoio do parceiro ajuda a curar a doença e a recuperar a feminilidade.”
Apoio psicológico:
“Durante o tratamento, é importante o acompanhamento psicológico. O apoio desses profissionais (psicólogos) ajuda a enfrentar a doença. Minha psicóloga me disse certa vez que a ‘quimioterapia tem que ser pensado como coisa positiva e não negativa’. Levei a sério essa afirmação dela. Tanto que, ao terminar a quimioterapia, aconteceu algo interessante. Chamei o Hélio para fazermos uma viagem. Eu queria esquecer tudo, ir para longe. Imaginei que, se viajasse, esqueceria o problema.
Fomos para Nova Iorque, onde ficamos 10 dias. Foi aí que sofri muito, porque viajei e levei junto os problemas; levei a mala carregada de problemas. Como eu estava com a imunidade bastante baixa, sofri nos Estados Unidos. Estava muito frio em Nova Iorque e, mesmo assim, para justificar a viagem, não perdia tempo: queria sair toda hora para a rua; comprei várias perucas.
Teve uma momento até engraçado. Foi quando visitamos a estátua da Liberdade. Por causa da segurança, os americanos exigem que a gente fique quase que nua durante a revista. Como sou a maior pagação de mico na hora de falar inglês, foi preciso que o Hélio falasse com a recepcionista que eu estava de peruca por conta do tratamento de quimioterapia. Fiquei com medo da moça exigir que eu tirasse a perua. Mas aí a interferência do meu marido ajudou e a moça entendeu: não precisei tirar a peruca”.
Recidiva do câncer de mama:
“Toda mulher que passa pela mastectomia (cirurgia do câncer de mama), como eu, tem medo de ter câncer em outras partes do corpo. Este é o nosso maior pavor, mas eu confio em Deus que estou totalmente curada”.