Início da tarde do dia 18 de maio de 1973. Livros e cadernos numa bolsa, a menina Araceli Cabrera Sanches Crespo, 8 anos de idade, deixa o Colégio São Pedro, na Praia do Suá, em Vitória, para embarcar num ônibus e voltar para casa, no Bairro de Fátima, na Serra. Naquela época era normal criança dessa idade ir sozinha para a escola. Não havia a exploração do transporte escolar privado e nem o poder público se preocupava em garantir transporte gratuito a população infantil estudantil.
Araceli, entretanto, nunca chegou em casa. Com marcas de violência sexual, a menina foi encontrada morta, asfixiada, próximo ao Hospital Infantil, na Praia do Canto, no dia 24 de maio daquele ano. A data do sumiço de Araceli – 18 de maio – foi transformada pelo governo brasileiro no símbolo da luta contra violência infantil. Foi o máximo que o Estado brasileiro conseguiu fazer por Araceli e por milhares de outras crianças que tiveram o mesmo fim trágico no País.
A morte de Araceli, cometida supostamente por antigos playboys da Praia do Canto – jovens ricos usuários de drogas –, foi mais uma prova da incompetência do Estado brasileiro em punir criminosos; foi mais uma forte e clara demonstração do Estado do Espírito Santo. Centenas de outras Aracelis tiveram o mesmo fim em terras capixabas.
O Estado do Espírito Santo não tem mais condições de sequer pensar no caso Araceli. É que, por força da lei brasileira, o crime prescreveu. No Brasil, um crime de homicídio prescreve com 20 anos. Se até lá os assassinos não foram identificados, já era: eles ficam impunes e rindo de nossas caras.
O promotor de Justiça do Ministério Público Estadual do Espírito Santo Paulo Panaro Figueira Filho explica que, mesmo que surgissem provas novas sobre a morte da menina Araceli, o caso não poderá mais ser reaberto:
“Estando prescrita a ação penal, não importa se surjam fatos novos. O que prescreve não é a autoria; o que prescreve é a possibilidade de punição. Se 20 anos depois não se chegou à autoria de ninguém, o criminoso fica impune”, disse Paulo Panaro.
Para ele, é imprescindível que os legisladores brasileiros se atentem para a figura da “prescrição” no Código Penal Brasileiro e acabem com esse artifício, pelo menos para crimes hediondos, como latrocínio (roubo com morte), tráfico de drogas, estupro (como foi o caso de Araceli, que acabou assassinada pelos estupradores) e sequestro seguido de morte:
“Se eles (parlamentares) não querem acabar com a prescrição, que ao menos elevem o tempo máximo de 20 para 40 anos”, implora o promotor de Justiça.
Para Paulo Panaro, certos privilégios dados pela legislação brasileira acabam beneficiando os infratores e contribuindo para a sensação de impunidade, o que gera, posteriormente, mais violência:
“Temos que acabar com privilégio para quem tem mais de 70 anos, que ganha redução de pena e tratamento especial. Hoje, a expectativa de vida do brasileiro aumentou radicalmente. Sou pelo fim de penas alternativas para quem tem mais de 70 anos. Recentemente, em outro estado brasileiro, um advogado de 72 anos de idade matou a esposa por ciúme e vai responder processo em liberdade. Se condenado, terá redução de pena ficará em casa”, lembra Paulo Panaro.
Em que pese a torcida do promotor de Justiça pelo fim da prescrição ou pelo menos em aumentar o limite do artifício, todo o sistema de Justiça capixaba falhou nas investigações e julgamento do assassinato da menina Araceli. Antigos delegados, investigadores e peritos da Polícia Civil passaram anos batendo cabeça: a cada dia, apresentavam um suspeito à sociedade.
O Ministério Público Estadual falhou em não exercer seu papel, que era (e é ainda) o de cobrar das instituições policiais melhor resultado numa investigação. Falhou o Judiciário capixaba, no passado, porque foi burocrático aos extremos e seguiu fielmente o que diz a lei, sem se importar se a vítima era apenas uma menina de 8 anos. O importante para a Justiça há 20 anos atrás – quando se deu a prescrição – era cumprir o que diz o frio papel: se o crime prescreveu, arquive-se o processo. E ponto final.
Se nós (sociedade e autoridades) fomos incompetentes para punir os assassinos de Araceli, deixa o serviço para Deus.
E, assim, todos lavamos as mãos!