As forças de segurança pública têm que ficar atentas. Aos poucos, organizações criminosas tentam novamente reconquistar espaço no sistema prisional do Espírito Santo, cooptando cada vez mais um número maior de presidiários e de bandidos que estão soltos.
Os serviços de Inteligência das secretarias de Estado da Segurança Pública e Defesa Social (Sesp) e de Justiça (Sejus) já detectaram que a maioria dos presos que hoje estão nas cadeias capixabas começa a integrar o que as forças de segurança chamam de “Sintonia Geral dos Estados”.
Por intermédio de seu setor de Inteligência e com a ajuda da Diretoria de Segurança Penitenciária, a Sejus está desarticulando as tentativas dos líderes das cadeias que tentam assumir o controle das unidades com a realização de motins e imposição de seus interesses, como a volta dos malotes, mais dias para visitas íntimas, menos rigor na fiscalização das visitas e a liberdade de poder usar celulares e drogas nos presídios.
A Sejus já detectou quem são os “cabeças” dessas tentativas de rebeliões e procura inibir suas ações com uma fiscalização mais intensa e eficaz nos presídios.
O problema é que, na hora da fiscalização, geralmente os agentes penitenciários – em sua maioria – acabam cometendo excessos, que são denunciados por advogados e familiares a grupos de direitos humanos.
De Norte a Sul do Estado, os presidiários que ocupam as cadeias da Sejus usam sempre os mesmos discursos (inclusive expressões verbais e físicas) e queixas. Segundo um profissional ligado à Inteligência da Sejus, os discursos e queixas são, normalmente, ensinados pelos comandantes das organizações criminosos.
As orientações sobre como reclamar e do quê reclamar chegam aos presidiários por meio de contatos com familiares; advogados mal intencionados (uma pequena e irrisória minoria); e por contato pelo celular – quando algum agente aceita suborno para permitir a entrada do aparelho nas celas.
As organizações criminosas seduzem os presos com dinheiro. Pagam, geralmente, advogados para traficantes e assaltantes. Arrumam um jeito do advogado imaginar que o dinheiro é “limpo”.
Do lado de fora das cadeias, os xerifes das organizações criminosas vão, aos poucos, tentando substituir o Estado junto aos familiares dos presos. Dão às suas esposas, pais e filhos vale transporte, vale refeição e bancam despesas com remédios e educação.
O Estado brasileiro, por meio da Previdência Social, disponibiliza para cada presidiário o auxílio reclusão, que dificilmente passa de um salário mínimo por mês. O dinheiro é dividido entre o preso, sua família e uma poupança, que vai para o presidiário quando ele deixa a cadeia.
Financiadas, as famílias se tornam reféns das organizações criminosas. E muitas acabam indicando mais bandidos para atuarem nas organizações, que agem no Espírito Santo sob a supervisão de lideranças de outros estados.
Tanto é verdade que esta semana agentes federais da Superintendência Regional de Polícia Federal Espírito Santo cumpriram 14 mandados de prisão contra uma quadrilha especializada em roubar estabelecimentos bancários aqui mesmo em solo capixaba, no Rio de Janeiro, São Paulo e Ceará.
As investigações começaram no final do ano passado quando foi verificado que 10 pessoas teriam participado de roubos contra agências da Caixa Econômica na Grande Vitória e em Guarapari. A atuação da quadrilha se estendia por todo território nacional fazendo vítimas outras instituições financeiras, como o Banco do Brasil, Santander, Bradesco, Sicredi, causando prejuízo em cerca de R$ 300 mil.
Esse dinheiro é usado para financiar outras ações de organizações criminosas, que hoje controlam presídios em outras partes do Brasil e tentam voltar a dominar as cadeias capixabas.
A intenção dos grupos é expandir seus negócios para dentro e fora das cadeias. Por isso, seus líderes instigam os presos a se rebelarem, colocando sempre em pauta o direito a mais visitas íntimas, a volta do malote e o uso de telefones celulares.
Nos malotes, vão encomendas entregues pelos familiares, como roupas, materiais de limpeza e alimentação. Só que, dentro dos malotes, costumavam entrar também aparelhos celulares e drogas, para serem vendidas dentro dos presídios para os próprios detentos. Esta é uma das partes dos lucros das organizações criminosas
O Espírito Santo, no entanto, cortou essas “benesses”, seja por meio de uma maior repressão por parte das forças de segurança, ou pela fiscalização da Justiça, por intermédio das Varas de Execuções Penais, que sempre exigiram o estabelecimento da ordem e do Estado de Direito nas cadeias.
Desde 2008 o sistema de Justiça do Espírito Santo vem agindo para impedir a volta da anarquia nas prisões. Parceria entre o Grupo de Trabalho Investigativo (Geti) do Ministério Público Estadual, a Diretoria de Inteligência da Polícia Militar e outros órgãos de segurança permitiu a realização de investigações que possibilitaram o Estado a agir com mais rigor, o que acabou enfraquecendo a atuação de organizações criminosas no Estado.
Com isso, os grupos não conseguiram ampliar suas ações em terras capixabas. Dois anos antes dessa parceria, o Espírito Santo sofreu um caos na segurança pública, com incêndios a ônibus quase que diariamente.
Os incêndios eram autorizados por chefões do tráfico e de quadrilhas de assaltantes que estavam presos no Espírito Santo. São bandidos que passaram a integrar as organizações criminosas de outros estados. Boa parte desses bandidos capixabas foi transferida para presídios de segurança federal de outros cantos do País.
O que as forças de seguranças não podem permitir é que, em nome de uma maior fiscalização e repressão nas unidades prisionais para evitar a volta da anarquia, seus agentes penitenciários atuem também à margem da lei.
Sempre que entram em ação, são acusados de cometer “tortura física e psicológica” contra presidiários. Os agentes devem se conscientizar que os presos têm deveres a cumprir numa cadeia – afinal, prisão não é colônia penal e nem hotel de luxo –, porém têm direitos, que devem ser respeitos pelo Estado.
Tudo que os dirigentes (bandidos) das organizações criminosas querem, neste momento, é criar um motivo para explodir sua ira nas unidades prisionais ou do lado de fora. Os agentes penitenciários não podem dar motivo.
Neste momento, se o Estado piscar os olhos, as organizações criminosas tentarão voltar a agir no Espírito Santo. Como dizia o ex-governador Paulo Hartung, referindo-se ao crime organizado, “a onça está ferida, mas não está morta”.