O tenente-coronel Nylton Rodrigues Ribeiro Filho tem três missões difíceis pela frente. Depois de passar quase 10 anos à frente do Centro Integrado de Operações e Defesa Social (Ciodes), ele acaba de assumir o comando do 6º Batalhão da Polícia Militar (Serra). Outras missões são dois inquéritos que ele já responde na Corregedoria Geral da Polícia Militar: uma é pela acusação de vazar gravações do Ciodes; outra, é por conta do erro de seus subordinados que culminou no assassinato de um cabo da própria PMES. Erro que Nylton Rodrigues escondeu, antes do fato ter sido desmascarado pela imprensa.
Como comandante do Batalhão da Serra, o tenente-coronel Nylton já se deparou com um primeiro problema. Encarou, na terça-feira (26/06), um motim social em que moradores e traficantes de Jardim Carapina espancaram e mataram a tiros um assaltante. Só não lincharam o segundo ladrão porque a Polícia Militar chegou a tempo e evitou.
Entretanto, na primeira crise, o tenente-coronel Nylton repetiu velho chavão policial para justificar a violência no bairro: “A polícia prende e a Justiça solta”. É uma desculpa tão velha quanto a polícia. Nylton recordou até de um criminoso que havia sido “preso mais de 20 vezes” para justificar o grande número de bandidos nas ruas.
Como bom oficial – afinal, ele vem sendo forjado desde o governo Paulo Hartung para, um dia, assumir o comando geral da PMES –, Nylton Rodrigues sabe que a Justiça não cria leis; ela apenas cumpre as leis, por meio de seus juízes, desembargadores e ministros dos Tribunais Superiores. As leis são elaboradas pelos legisladores.
Às vezes, um bandido “preso mais de 20 vezes” continua não sendo considerado reincidente pela Justiça porque nunca foi condenado. A reincidência só conta quando a pessoa é condenada, ensina a lei. E, quando a polícia prende mal, o delegado de Polícia não consegue autuar o suspeito em flagrante e é obrigado a soltar. E, quando a Polícia Judiciária elabora mal o inquérito, os advogados de defesa logo vão encontrar brechas na lei que obrigam o Judiciário a libertar o acusado.
Portanto, o tenente-coronel Nylton Rodrigues já deve ter ouvido seu secretário de Segurança e Defesa Social, Henrique Herkenhoff, ensinar constantemente: “Precisamos melhorar nossos serviços de Inteligência para que possamos prender com qualidade”. Logo, esse negócio de dizer que a polícia prende e a Justiça solta é coisa de leigo. Os magistrados seguem o que diz a lei. O tenente-coronel Nylton sabe disso, mas prefere repetir um velho chavão.
As outras duas missões a ser enfrentadas pelo tenente-coronel Nylton Rodrigues são também espinhosas. O oficial já está sendo investigado pela Corregedoria da PM pela acusação de ser o responsável pelo vazamento de uma gravação do Ciodes em que o coronel Júlio Cezar Costa – hoje na reserva – deu ordens para um capitão, que estava no plantão no dia no Ciodes , enviasse a um local de ocorrência de trânsito um oficial para acompanhar os trabalhos dos policiais militares que estavam multando um advogado.
A gravação – o sistema do Ciodes deveria ser inviolável – foi parar nas mãos de outros dois coronéis da reserva, que a entregaram a um influente político do Estado, que, por sua vez, entregou com exclusividade para o jornalista Mário Bonella, da TV Gazeta, que transformou o caso em um “escândalo”.
O coronel Júlio Cezar foi denunciado à Justiça, mas acabou sendo absolvido três vezes: primeiro, o Ministério Público Militar não ofereceu denúncia porque considerou que o oficial agiu dentro da legalidade.
Depois, a decisão foi ratificada pelo Conselho de Procuradores de Justiça, que, à unanimidade, reconheceu que o coronel não cometeu nenhuma ilegalidade. Não satisfeitos, os inimigos do coronel no mundo externo da caserna fizeram outra denúncia, desta vez por improbidade administrativa. E, novamente, a Justiça mandou arquivar o caso por inexistência de crime.
Entretanto, para o Ministério Público Militar e a Corregedoria Geral da PM, quem teria praticado um crime foi o então major Nylton Rodrigues. Na ocasião, como xerife do Ciodes, ele era responsável por preservar – e manter em sigilo – todas as gravações feitas pelo sistema. Como houve o vazamento, a responsabilidade caiu sobre suas costas.
A pedido da Corregedoria, a Vara da Auditoria da Justiça Militar já autorizou, inclusive, a quebra do sigilo telefônico do tenente-coronel Nylton Rodrigues.
Outra gravação do Ciodes também se transformou em dor de cabeça para o tenente-coronel Nylton Rodrigues. E virou outro inquérito para o oficial responder. Desta vez, ele e o agora major Wellington Barbosa Peçanha e o cabo Elionaldo Moraes dos Santos respondem inquérito porque gravações vazadas pelo Ciodes – e publicadas por A Tribuna – revelam que a Polícia Militar poderia ter evitado um assassinato em janeiro de 2009.
Na ocasião, a esposa do cabo da reserva PM Djalma José de Oliveira, 54 anos, ligou várias vezes para o Ciodes para denunciar que criminosos cercavam sua casa para matar o militar, em 9 de janeiro de 2009. A mulher ligou para o 190 do Ciodes, comandado na época pelo então major Nylton Rodrigues, meia hora antes do crime e avisou sobre suspeitos que rondavam a casa, mas nenhuma viatura foi enviada ao local, no bairro Vila Nova de Colares, Serra. Ela ligou para o Ciodes a fim de pedir a presença de uma viatura em sua casa para impedir o assassinato.
Após não receber socorro quando pediu, a esposa do cabo ligou novamente para a atendente do Ciodes para informar que o marido havia sido assassinado. “Eu te avisei, moça, que tinha alguém rodeando a minha casa. Eu percebi, por favor, moça”.
Quando o assunto veio à tona, em março de 2011, o secretário da Segurança Pública, Henrique Herkenhoff, disse que confiava em Nylton Rodrigues e que iria mantê-lo no cargo. Manteve e o oficial foi promovido: chegou a tenente-coronel e agora comandante de um dos mais importantes Batalhões da PM do Estado.
No dia do assassinato do cabo Djalma, o major Nylton chegou a dar entrevistas afirmando que a mulher não havia acionado o Ciodes em tempo hábil, mas de acordo com as gravações, após falar com a imprensa, ele foi informado pelo capitão Peçanha sobre a ligação feita meia hora antes do crime.
Na conversa com o capitão, Nylton Rodrigues se mostra preocupado e indignado com o cancelamento da ocorrência. O responsável seria o cabo Elionaldo Moraes dos Santos, que recebeu informações sobre o chamado no Ciodes, mas ignorou o pedido de socorro. “Como é que um sujeito cancela uma ocorrência dessa, bicho? Onde é que ele está com a cabeça?”, teria dito Nylton Rodrigues, segundo reportagem de A Tribuna em março do ano passado.
A Corregedoria decidiu abrir IPM para investigar Nylton Rodrigues, o major Peçanha e o cabo Moraes. Fica claro nas gravações, porém, que Nylton Rodrigues não tem culpa alguma pelo erro de seus operadores do Ciodes, que culminou na morta do cabo Djalma.
Confira uma das conversas (também vazadas de dentro do Ciodes para o jornal A Tribuna) entre Nylton e Peçanha
Janeiro de 2009
Major (Nylton Rodrigues): Que m… essa do cabo, hein, bicho. P… cara, eu vou te falar um negócio. Isso é… como é que um sujeito cancela uma ocorrência dessa, bicho? Onde é que ele está com a cabeça.
Capitão (Peçanha): A ocorrência chegou como averiguação de suspeito, aí o pessoal começa a fazer corpo mole.
Major: Eu já falei, averiguação de suspeito é algo muito importante para nós para evitar que um crime aconteça. Eu falo isso na televisão, eu falo isso para todo mundo. Pelo amor de Deus, aí o cara arrebenta a gente.
Capitão: É, complicadíssimo.
Major: Um cabo nosso morreu, olha o resultado disso, bicho. Agora se a imprensa toma conhecimento disso? Eles sabem que a mulher ligou mais cedo?
Capitão: É, foi justamente isso que gerou… A mulher falou na imprensa que que tinha ligado mais cedo.
Major: Tá, aí hoje de tarde a (assessora) da comunicação me trouxe a ocorrência, mas a ocorrência que ela me trouxe foi a ligação da mulher 0h40, 0h39. Meia-noite e 46 a viatura estava lá.
Capitão: Que é a ocorrência do crime.
Major: Que é a do crime.
Capitão: É.
Major: Então, na minha cabeça só tinha essa ocorrência. E eu acabei na minha entrevista que eu dei para a menina da imprensa a ligação foi 0h39.
Capitão: É, então, eu comecei a buscar tudo aqui e eu tô vendo a observação que ele colocou aqui como motivo para ter cancelado a ocorrência é que a RP (Radiopatrulha) seguiu para as imediações para atendimento de homicídio. Mas é justamente esse homicídio. Ele botou isso aí depois que cancelou.
Major: E a hora da ligação era meia-noite e pouquinho, né?
Capitão: Meia-noite e nove.
Major: Nossa mãe do céu.
Capitão: Tá esquisito aqui… Eu, a princípio, tinha achado que a menina (a atendente que falou com a mulher da vítima) não tinha gerado a ocorrência pela ligação, mas depois eu busquei, achei a ocorrência, então não foi erro dela não.
Major: É, então, foi para a tela do operador (o cabo). O operador é que foi insensível, irresponsável, deixou lá. As pessoas têm que ter… não perder a consciência de que isso aí é algo importante. Ser operador de rádio é algo que salva vidas.
Capitão: Com certeza.
Major: Isso não é uma funçãozinha à toa, não. Que isso, gente? A gente fica indignado porque é só a gente se colocar no lugar do cabo e da mulher dele. Imagina você com a sua esposa numa situação dessa?
Capitão: Com certeza.
Major: Como é que faz, bicho?
Capitão: Essa aqui é uma prova verbal de que nossa missão é uma missão muito importante.
Major: Pois é. E se isso cai na imprensa ? Posso te falar uma coisa? Eu caio. Eu tô fora. Eu tenho certeza disso. Isso é um escândalo. Mexe com tudo, meu amigo. Mas é isso aí. Então falou, Peçanha.
Capitão: Tá ok, major.
Major: A imprensa voltou a procurar?
Capitão: Não, não, não.
Major: Eu acho que a entrevista que eu dei hoje o assunto morreu ali, na minha entrevista.