Depois de reconhecer a união homoafetiva de um sargento gay que integra as fileiras da corporação, o Comando Geral da Polícia Militar do Espírito Santo deu uma guinada radical e acaba de recusar que o parceiro desse mesmo militar seja reconhecido como seu dependente para fins de assistência médica e outros benefícios.
Embora em sua decisão o comandante geral da PM, coronel Ronalt Willian, indefere o pedido do sargento, ele, por outro lado, orienta no mesmo despacho o militar a procurar a Justiça para ter seus direitos reconhecidos.
O comandante Willian tomou a decisão de não reconhecer o parceiro do sargento como dependente com base no parecer feito pelo chefe da Diretoria de Pessoal (DP) da PM, coronel Leonardo Marchezi. O parecer de Marchezi foi assinado em 29 de fevereiro de 2012 e diz o seguinte:
“Corroborando com o despacho acima exarado pelo tenente-coronel chefe da DDC/DP, remeto à V.Exª., para respectiva análise e pertinente liberação. Cabe ressaltar que, associado ao benefício em comento, como conseqüência poderão ocorrer pleitos, em tese, aos filhos do novo companheiro, no caso dependentes do graduado na ascensão direta e em outros similares, aumentando ainda mais a demanda médico/hospitalar e ampliando a respectiva insatisfação do nosso público junto ao HPM/DS, pois como é do conhecimento notório, não há uma plena contemplação aos usuários naturais.
Sugiro ainda que seja republicada a recomendação supra citada, adequando-se os conceitos estabelecidos para companheiro (a) e demais atualização, objetivando subsidiar a decisão nas demandas a esta Diretoria quanto à extensão do benefício.”
O indeferimento surpreendeu o sargento, que é lotado na Diretoria de Saúda e trabalha no setor de UTI do Hospital da Polícia Militar (HPM). Ele preferiu não dar entrevista, mas aceitou fazer alguns comentários, como o de que vai seguir a orientação do comandante geral da PM, de ir à Justiça para que a corporação aceite seu parceiro como dependente. O comandante diz no despacho para o sargento “recorrer em juízo, por questões legais”.
“Por que procurar a Justiça se o próprio comandante geral da PM pode determinar administrativamente o reconhecimento de meu parceiro como dependente, já que existe jurisprudência dentro da própria PMES e em outros órgãos públicos do Estado, que seguem determinação do Supremo”, questiona o sargento.
Em agosto de 2011, o Comando da PM já havia reconhecido a união homoafetiva de um cabo e um comerciário, estendendo ao parceiro do militar todos os direitos que a lei determina.
Profissional experiente do setor de saúde – ele é técnico em Enfermagem –, o sargento entende também que os motivos alegados pelo coronel Marcehezi, diretor da DP, de que a PM não deve reconhecer o parceiro do militar como dependente para evitar mais problemas no HPM, é uma alegação que não condiz com a realidade.
“Os problemas provocados no setor de saúde nada têm a ver com a demanda, mas são provocados por outros motivos, como a falta de concurso para o HPM – nosso último concurso ocorreu há mais de 18 anos –; e falta de investimento do governo no HPM”, diz o sargento, que, como profissional da área de saúde, conhece profundamente a realidade do HPM:
“Não é a demanda que tem que se adequar à oferta; é a oferta que deve se adequar à demanda”, diz o sargento.
O aditamento n° 049, de 8 de dezembro de 2005, a PM ampliou o número de pessoas que podem ser dependentes de militares. A lei dá direito a dependentes naturais e não naturais. Os beneficiados são esposas, filhos, ex-esposas, companheiras, irmãos, cunhadas, sobrinhos, avós, enteados…Desde, porém, que todos vivam às custas do militar.
“Já que existe uma nova ordem social e jurídica – determinada por decisão do Supremo Tribunal Federal –, o Estado é que deve se adequar”, ensina o sargento.