O presidente do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, desembargador Pedro Valls Feu Rosa, apresentou à imprensa nesta quinta-feira (23/02) uma cópia do vídeo com imagens de tortura no Centro de Detenção Provisória de Aracruz.
“Esse tipo de tortura é um tapa na cara do Executivo, do Poder Judiciário, do Ministério Público, da sociedade civil organizada, de toda a população capixaba, que, em pleno século XXI, não merece assistir isso. A única coisa boa nesse vídeo é que demonstra que a indignação está chegando ao sistema, onde há gente que não tolera mais conviver com torturas”, desabafou Pedro Valls.
Na sexta-feira (17/02) o vídeo chegou ao Tribunal de Justiça. Imediatamente, o presidente Pedro Valls e o desembargador William Silva, que coordenada a Comissão de Prevenção e Enfrentamento à Tortura – que foi criada pelo TJ em parceria com o Ministério Público, governo do Estado e OAB/ES –, repassaram cópia ao secretário de Estado da Justiça, Ângelo Roncalli.
Por sua vez, Roncalli comunicou o fato ao governador Renato Casagrande, que, por sua vez, determinou o imediato afastamento dos três diretores do Centro de Detenção Provisória de Aracruz e de quatro agentes penitenciários, que teriam participado das torturas.
Estão afastados o diretor-geral do Centro de Detenção Provisória (CDP) de Aracruz, Alex Tanzi Barcelos; o diretor-adjunto, Waldoece Apolori Costa Junior; o chefe de segurança, Lucieder Costa; e os chefes de equipe Filipe Farage Preti, Fernando Moreira, Tiago Porto e Diana Torezane.
As imagens, gravadas por dois agentes penitenciários, mostram presos nus, sendo obrigados a fazer uma série de exercícios físicos, como “agachamentos” e flexões. Os presos sofrem tortura, submissão, intimidação, repressão e coação.
O desembargador Pedro Valls considerou “um horror” que o torturômetro, indicador criado no portal do Tribunal de Justiça, tenha ficado o máximo de 11 dias sem zerar.
”Sobretudo num País onde a Presidente da República foi vítima de tortura. Se isso que a gente vê nesse vídeo, que acabamos de mostrar, não for tortura e não for caso de prisão, não sei mais o que pode ser tortura ou motivo de prisão”, desabafou o presidente do Tribunal de Justiça.
O desembargador William Silva lembrou que na própria edição do vídeo em Aracruz “o agente torturador conceitua e confessa a tortura, quando afirma que o esforço repetitivo a que submete os presos é um castigo disciplinar”.
De acordo com o desembargador, a Lei de Execuções Penais não obriga o preso nem a trabalhar, a não ser que assim ele deseje para remissão de pena.
“Aqueles exercícios a que eles são submetidos são o pior tipo de tortura, porque é um exercício que deixa a pessoa mais de uma semana sem poder caminhar, provocando lesões que não são aparentes. Essas lesões só podem aparecer através de um exame de ressonância”, destacou William Silva.
Os acusados pela tortura podem ser presos a qualquer momento. O desembargador William Silva já oficiou à Promotoria de Justiça de Aracruz para que conheça o teor da denúncia e ao procurador geral de Justiça, Fernando Zardini, para que agilize as apurações.
Os torturadores não foram presos ainda porque é preciso que todos sejam identificados. Segundo o desembargador William Silva, na unidade prisional de Aracruz trabalham 72 agentes.
Por isso, será preciso analisar com cuidado o dia exato em que as imagens foram gravadas e quem estava trabalhando no setor que mostram os presos sendo submetidos a tortura.
Os dois agentes de presídio, que entregaram o vídeo de 41 minutos ao Tribunal de Justiça, com imagem das violências cometidas contra os presos, deram depoimentos oficiais na tarde desta quinta-feira (23) à Comissão de Enfrentamento à Tortura do Tribunal de Justiça do Espírito Santo.
Segundo o subsecretário de Estado da Justiça, coronel Oberacy Emmerich Júnior, os dois servidores pediram e foram transferidos para outros presídios.
Nesta quinta-feira, o subsecretário Emmerich foi pessoalmente a Aracruz comunicar oficialmente aos sete servidores que eles estavam afastados até que as denúncias sejam apuradas na esfera administrativa.
Segundo o coronel Emmerich, o Manual Operacional da Sejus determina procedimentos que devem ser seguidos pelos funcionários e a população carcerária dentro dos presídios, “mas nada de tortura”.
Um dos itens do Manual Operacional prevê que os presos, após o banho de sol, devem ser revistados, de forma individual – ou, no máximo, em grupo de três –, para checar se nenhum deles está levando algum tipo de arma – como lâmina de barbear, do tipo “gilete” – para dentro das celas escondida, por exemplo, nas axilas.
“Esta revista é para a segurança dos presos e dos agentes. Mas o que se viu em Aracruz foi um excesso exagerado. O que vimos nas imagens foi um fato acontecendo em plena noite ou madrugada. O procedimento da revista é feito após o banho de sol, que se encerra enquanto é dia”, explicou o coronel Emmerich.
O secretário Ângelo Roncalli informou que, por ordem do governador Renato Casagrande, ele já afastou os sete servidores comissionados, que compunham a cúpula que dirigia o Centro de Detenção Provisória de Aracruz:
“Na sexta-feira, recebemos o comunicado do Tribunal e uma cópia do vídeo com as imagens. Determinamos a imediata apuração dos fatos e o afastamento do staff formado pelo diretor, o diretor adjunto, o chefe de segurança e quatro chefes de equipes para promover uma apuração isenta. Com isso não estamos fazendo julgamento prévio, vamos apurar”, disse o secretário Ângelo Roncalli.
O prazo normal da investigação administrativa é de 30 dias, mas Renato Casagrande determinou celeridade nas apurações.
Por ordem do desembargador William Silva, foi determinada, no início da noite desta quinta-feira, busca e apreensão na cadeia de Aracruz para verificar a possibilidade de se encontrarem novas provas das torturas.
Questionado por um jornalista se as imagens do vídeo de tortura em Aracruz lembravam o filme “Expresso da Meia Noite”, o desembargador William Silva foi mais além:
“Não. Essas cenas nos fazem lembrar dos campos de concentração nazista, onde se matavam o sujeito aos poucos”.
O presidente do Conselho Estadual dos Direitos Humanos, Gilmar de Oliveira, fez uma observação interessante a respeito das denúncias de tortura nos presídios capixabas:
“O Estado do Espírito Santo precisa orientar seus servidores que tortura é crime. O Estado deve lembrar sempre aos seus servidores que eles são pagos para cumprir a lei”.
Desde que foi criada, em 28 de dezembro de 2011 pela atual gestão do Tribunal de Justiça – tendo à frente o desembargador Pedro Valls Feu Rosa –, a Comissão de Prevenção a Enfrentamento à Tortura já recebeu 11 denúncias de tortura em presídios do Estado – incluindo unidades para abrigar menores.
Para se ter ideia de como os agentes que torturam desrespeitam o governo, a Justiça, o Ministério Público e a população que lhe paga seus salários, a última denúncia foi feita no exato momento em que o presidente do Tribunal de Justiça dava entrevista coletiva para abordar o caso do Centro de Detenção Provisória de Aracruz.
Neste momento, Pedro Valls recebeu informações de um de seus assessores que uma mãe acabava de telefonar para o gabinete da Presidência do Tribunal de Justiça denunciando que o filho havia sido torturado por agentes penitenciários do presídio de Segurança Máxima de Viana.
“Esse pessoal (torturadores) não está respeitando nada, nem ao mundo das leis, nem o governo, nem o Judiciário e nem a população. Esta na hora de a sociedade reagir”, pediu Pedro Valls.