O dia 24 de novembro de 2011 vai ficar marcado na vida de centenas de jovens estudantes capixabas que lotaram o Pleno do Tribunal Regional Eleitoral (TRE/ES) do Espírito Santo, na Enseada do Suá, em Vitória, na quinta-feira (24/11).
Estavam lá alunos, professores, pedagogos e diretores de escolas públicas estaduais de todos os cantos do Estado para prestigiar a diplomação de 77 novos “Fiscais Cidadãos”, projeto inserido dentro do Programa de Transparência Eleitoral (Prete), criado em 2010 pelo TRE capixaba com a finalidade de denunciar fraudes eleitorais nas eleições passadas.
O Prete chegou ao seu final neste ano, mas vai voltar em 2012. Os 77 “Fiscais Cidadãos” são jovens alunos que vão ajudar a Justiça Eleitoral a combater fraude e corrupção eleitoral não pleito municipal do próximo ano.
À frente do Prete e do TRE está, até o dia 14 deste mês, o desembargador Pedro Valls Feu Rosa. No dia seguinte, aos 45 anos de idade, Pedro Valls assume a presidência do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES). É o mais jovem magistrado a assumir uma mais alta Corte Estadual no País. Também é o desembargador mais jovem: foi promovido a esse posto quando tinha 28 anos.
Pedro Valls é um magistrado moderno, antenado às novas tecnologias. É também um magistrado que fica indignado com a morosidade do Judiciário e, mais do que isso, com a impunidade. E mais: demonstra publicamente, como fez na sua conversa com os estudantes no Pleno do TRE, sua indignação com a corrupção no Brasil:
“Minha geração fracassou na luta contra a corrupção”, disse ele, ao abrir a solenidade, na presença do governador Renato Casagrande e de diversas outras autoridades.
“Mas vocês (dirigindo aos estudantes que estavam na plateia) têm tudo para virar essa página”, completou.
O futuro presidente do Tribunal de Justiça do Espírito Santo tem razões de sobras para mostrar sua indignação. Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) revelam que, em 2008, nas últimas eleições municipais, 8,3 milhões de brasileiros confessaram ter vendido seu voto. Esse número equivale mais do que o dobro da população do Espírito Santo.
Dados da Controladoria Geral da União indicam que a corrupção eleitoral abrange 90% dos municípios brasileiros e custam aos cofres públicos cerca de R$ 72 milhões por ano.
“Esse é o preço que vocês, estudantes, pagarão pelo fracasso da minha geração, que não conseguiu acabar com a corrupção; não conseguiu acabar como abuso da máquina pública”, diz o desembargador Pedro Valls Feu Rosa.
“Nós erramos, fracassamos, mas seremos absolvidos se vocês conseguirem, com sua luta, acabar com a corrupção. Só com o fim da corrupção podemos dizer que vivemos numa democracia plena”, completou o desembargador Pedro Valls.
Ao longo de dois anos de mandato como presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Espírito Santo, Pedro Valls deu aulas de cidadania aos capixabas. Repetiu o gesto na solenidade de quinta-feira (24/11), quando dirigiu mensagens aos estudantes:
“Quando lançamos o Prete, surgiram questionamentos de alguns colegas magistrados. Eles ficavam se indagando: que ideia é essa de panfletagem, de caminhadas, de passeio pelas feiras livres? Devo reconhecer que esse tipo de ação não faz parte da cultura do mundo jurídico. Vivemos a burocracia dos documentos. Nós, magistrados, não temos experiência de sair às ruas e conversar com a população”.
Pedro Valls venceu os questionamentos com gestos e com a ajuda da sociedade:
“Fomos às ruas, às feiras livres e aos bairros de periferia levar a mensagem do TRE para as pessoas, para mostrar como é importante todo cidadão se tornar um fiscal da lei. Pela primeira vez na história do Brasil, nós, magistrados (juízes e desembargadores), advogados, servidores públicos, associações de classe e sindicatos saíamos pelas ruas carregando dois caixões, que foram enterrados em Camburi para simbolizar o enterro da corrupção eleitoral. Isso é cidadania”.
A sociedade aprovou o gesto do TRE: “Vi que a população gostou da ação em prol da cidadania. Temos que enterrar, definitivamente, neste Estrado a impunidade, a tortura, os crimes de mando, a pedofilia, a corrupção”, decreta Pedro Valls.
Ele mandou mais um gesto de cidadania: “No Prete, tivemos o apoio dos movimentos sociais, que tiveram de braços dados com o Judiciário. E provamos que a voz das ruas e os movimentos sociais são componentes que devem ser ouvidos em todas as decisões judiciais”.
Pedro Valls agradeceu também o apoio que teve dos juízes e servidores do Tribunal Regional Eleitoral, nos dois anos de mandato:
“Minha mensagem é também aos servidores e juízes deste Tribunal. Daqui a duas semanas estarei indo embora e levarei deste Tribunal uma grata lembrança. Juntos, percorremos cada cantinho deste Estado. Cada vitória, cada carinho eu vou levar. Quero levar a amizade, a colaboração de cada juiz e servidor”.
Ele se dirigiu ao seu colega, o desembargador Sérgio Bizotto, que irá sucedê-lo na presidência do TRE: “Vossa excelência, doutor Bizotto, receberá o melhor TRE do Brasil, não pelo seu presidente, mas pela dedicação, espírito e engajamento de seus servidores. Contei com a compreensão de todos os companheiros em torno de um ideal”.
A luta de Pedro Valls contra a corrupção não tem sido em vão. Um dia antes da solenidade de diplomação dos 77 “Fiscais Cidadãos”, a Câmara dos Deputados, por meio de sua Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ), aprovou a proposta que altera o Código Eleitoral aumentando a pena para o crime de compra de votos.
O crime eleitoral de compra de votos é definido por “dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber para si ou para outrem dinheiro, dádiva ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita”.
O crime, que antes tinha como pena quatro anos de reclusão (mais multa), agora passa a ser de três a seis anos de reclusão (mais multa).
O desembargador Pedro Valls tem mesmo razão de bater na tecla da necessidade das futuras gerações abraçarem a luta contra a corrupção. A revista Veja publicou em 26 de novembro deste ano reportagem que mostra que R$ 85 bilhões foram surrupiados pelos corruptos brasileiros em 2010.
Segundo a Veja, foram R$ 720 bilhões roubados dos cofres públicos nos últimos 10 anos. Deste total, 19% foram roubados dos cofres municipais; 30% dos Executivos Estaduais; e 51% da União.
Um outro estudo, feito pelo coordenador da Escola de Economia de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Marcos Fernandes, a perda de produtividade provocada por fraudes públicas no Brasil atinge a casa de US$ 3,5 bilhões por ano.