Em tempos bicudos, em que um soldado matou a própria mãe e depois se suicidou, em Alegre, no Sul do Espírito Santo, e um outro soldado matou com três tiros um caminhoneiro durante discussão provocada por um acidente de trânsito, exemplos positivos saem de dentro da PM – ou melhor, das ruas, mas dados por gente da tropa –, que simbolizam que a PM capixaba é também feita de anjos.
E um espírito do céu desceu sobre o soldado Júlio César da Silva Garcia, 31 anos completados no dia 6 de novembro, da turma de 2007, que, com sua ponderação e tranquilidade, evitou que um sargento da própria PMES pudesse cometer uma tragédia, após acidente de trânsito em Jardim Camburi.
Consta em recente conclusão de sindicância da Corregedoria Geral da PM, presidida pela 1ª tenente Sylvia Mara Pedrini Bernabé, que no dia 24 de agosto de 2010, pouco antes das 10 horas, a dona-de-casa Elaine Cristina Milke Bueno seguia a uma consulta médica em seu carro, um Astra, pela rua José Celso Cláudio, no bairro Jardim Camburi, em Vitória. Ela acabou colidindo na traseira de outro veículo, um Ford KA.
Elaine, depois de verificar que sua filha que se encontrava no banco de trás do carro nada sofrera, saiu do carro e acenou para o motorista do Ford KA, dizendo para ele se acalmar; pediu desculpa; e ainda entendeu que o outro motorista é que estava com razão.
Mas o motorista do Ford KA saiu do carro e foi para a direção de Elaine. Bastante nervoso, esbravejando e com o dedo apontado para a mulher, o motorista se dirigiu a Elaine falando em tom de voz bastante alto.
E essa fúria chamou à atenção do soldado Júlio César Garcia, que estava à paisana – sem farda – em um ponto de ônibus, esperando o coletivo, depois de sair da faculdade.
Ainda segundo a Corregedoria Geral da PM, entendendo que os ânimos estavam acirrados, o soldado Júlio entendeu ser prudente intervir na ocorrência, a fim de evitar um mal maior. Ele saiu do ponto de ônibus e se dirigiu aos condutores dos dois veículos envolvidos no acidente, se identificando como soldado da PM.
Neste momento, o motorista do Ford KA também se identificou como sargento da PM – Júlio César Bendinelli. O sargento, ainda nervoso, disse para o soldado que não seria necessária sua intervenção, que voltasse para o ponto de ônibus, pois ele mesmo (sargento) iria conduzir a ocorrência.
De acordo com a sindicância da Corregedoria, o soldado Júlio César Garcia manteve a sua decisão de intervir na ocorrência por entender que o motorista do Ford KA, sargento Júlio Bendinelli, estava nervoso, esbravejando e com os ânimos exaltados.
Da outra parte, havia uma mulher com uma criança no interior do veículo, fato que o preocupou, até mesmo porque até aquele momento não conhecia a identidade do condutor do Ford KA, tendo tomado conhecimento de quem se tratava após sua identificação como soldado da PMES.
Quando o soldado Júlio César Garcia se colocou à disposição para conduzir a ocorrência do acidente, foi veementemente retaliado pelo sargento, que dispensou por total sua ajuda, questionando inclusive seu aprendizado no Centro de Formação e Aperfeiçoamento (CFA).
Durante as investigações, a Corregedoria apurou que o sargento Júlio Bendinelli teria questionado a formação policial militar no Centro de Formação e Aperfeiçoamento da PMES, dizendo ao soldado Júlio César Garcia que ele fora mal formado, fato que trouxe constrangimento, já que ocorreu à frente de várias pessoas, que se deslocaram para o local do acidente para ver o que estava ocorrendo.
Mesmo nervoso, o sargento mandou o soldado se afastar, que voltasse para o ponto de ônibus porque ele (sargento), mesmo tendo sido um dos envolvidos no acidente, iria providenciar a ocorrência policial.
O sargento ainda mandou a dona-de-casa Elaine retirar seu carro do local do acidente, pois estava atrapalhando o fluxo do trânsito, quando lhe explicou que a ocorrência poderia ter sido mais grave. O sargento ainda advertiu a mulher a ter mais atenção no trânsito e dispensou a lavratura de Boletim de Ocorrência de Trânsito.
A Corregedoria Geral da PM concluiu por haver indícios de transgressão da disciplina militar a ser atribuída ao sargento Júlio Bendinelli, por entender que ele se dirigiu a dona-de-casa Elaine Bueno “de forma desrespeitosa, faltado aos bons preceitos da educação e ainda na mesma oportunidade de igual modo destratou ao soldado Júlio César da Silva Garcia, na frente de várias pessoas”.
Foi aberto, então, um Procedimento Administrativo (PAD) contra o sargento, que ainda foi denunciado ao Ministério Público Militar Estadual.
Portanto, a PM capixaba é feita, em sua maioria, por anjos da guarda como o soldado Júlio César Garcia, que com sua decisão se intrometeu em uma ocorrência e evitou um mal maior.
O ato do soldado Júlio César Garcia é um exemplo de como deveria ser conferida a premiação ao “destaque operacional”. É desse tipo de guerreiro que as Polícias Militares Estaduais e a sociedade precisam.
(Para entender melhor este artigo, é preciso ler postagens anteriores neste Blog sobre o soldado que matou um caminhoneiro numa discussão de trânsito)