A perita bioquímica -toxicologista da Polícia Civil do Espírito Santo doutora Josidéia Barreto Mendonça concluiu uma pesquisa denominada de “Presença de Etanol e Perfil das Vítimas Fatais de Acidentes de Trânsito na Região da Grande Vitória”. A conclusão do trabalho é preocupante: revela que dos 388 condutores que morreram no trânsito da Grande Vitória no ano de 2010, 41,1% tinham álcool no sangue na hora do acidente fatal.
O resultado da pesquisa da Dra. Josidéia, que está sendo publicado com exclusividade pelo Blog do Elimar Côrtes, vem num momento importante: chega justamente quando O Supremo Tribunal Federal (STF) acaba de decidir que dirigir embriagado é crime mesmo que o motorista não cause acidente. Cinco dos 11 ministros rejeitaram um habeas corpus para um motorista de Minas Gerais. O homem tinha argumentado que o crime de embriaguez ao volante só passou a ser previsto de forma mais rígida em 2008, com a Lei Seca. Antes, só havia crime se o motorista causasse dano ou fosse imprudente. A pena para quem dirige embriagado pode chegar a três anos.
Lotada no Laboratório de Toxicologia do Departamento Médico Legal (DML) da Superintendência de Polícia Técnico-Científica da Polícia Civil, a perita Josidéia Mendonça teve muito trabalho para a concretização de sua pesquisa.
Mas também contou com apoio para a realização do trabalho. Um deles foi da Fundação de Apoio à Pesquisa do Espírito Santo (Fapes), que entrou com o financiamento.
Primeiro, Dra. Josidéia Mendonça buscou acesso aos laudos das vítimas fatais de acidentes automobilísticos na Grande Vitória. Depois, teve que descobrir que, das vítimas que deram entrada no DML de Vitória, quem estava na condição de condutor do veículo no acidente. E descobriu 388 motoristas mortos em acidentes entre 01 de janeiro a 31 de dezembro de 2010 na Grande Vitória.
Quando se relaciona álcool e gênero dos condutores concluiu-se que 41,3% dos homens e 37,5% das mulheres tinham álcool no sangue. Outro resultado estarrecedor descoberto pela Dra. Josidéia Mendonça: do total de motoristas com álcool no sangue, 93% tinham presença acima de 6 decigramas, o que demonstra que a grande maioria desses condutores não tinham nenhuma preocupação com a lei de tolerância zero, que os colocaria como criminosos no transito, já que conduzir veículo com quantidades acima de 6dg de álcool por litro de sangue é crime. O não respeito a essa norma de trânsito pode ter sido o principal fator para esse resultado trágico, que foi a perda dessas vidas e possivelmente de outras inocentes.
A mesma Legislação Nacional de Trânsito, que fala em tolerância zero, ainda estipula 2 dg de álcool como limite para conduzir veículo. Mas o motorista não dá bola para a lei. Tanto que 2% dos que morreram na Grande Vitória estavam com percentual acima de 40 decigramas de álcool no sangue, “o que já significa dose tóxica pela literatura da Toxicologia Forense”, explica Dra. Josidéia Mendonça.
Outros 55% apresentaram valores de 10 a 20 decigramas de álcool por litro de sangue:
“O resultado da pesquisa mostra que as pessoas que bebem antes de dirigir não estão preocupadas com a lei e não se importam com os resultados que possam ocorrer com ele e possivelmente com as pessoas que por ventura estejam com ele no mesmo veículo”, diz, resignada, Josidéia Mendonça.
Os condutores na faixa etária entre 31 e 40 anos de idade são as principais vítimas do álcool X direção de veículo, de acordo com a pesquisa da doutora Josidéia Mendonça, já que 53,8% dos condutores alcoolizados pertenciam a esse grupo. Depois, vêm os mais velhos, na faixa etária de 41 a 50 anos, com 46,2%. Os mais jovens, entre 18 e 30 anos de idade, aparecem na pesquisa com 43,1%.
Esse resultado reforça os trabalhos realizados pelos órgãos de trânsito com o grupo de jovens, mas não se deve esquecer que o uso do álcool é também intenso nos demais grupos de condutores, o que foi indicado pela pesquisa.
A pesquisa fez ainda uma distribuição dos condutores entre os municípios da Região Metropolitana, alcançando o resultado de 57,1% dos motoristas que morreram em consequência de acidentes em Guarapari com positividade para álcool no sangue, Vila Velha com 52%; Viana, 50%; Vitória, 43,8%; Cariacica, 37,5%; Serra, 34,1%; ; e Fundão, com 15,4%.
O trabalho da Dra.Josidéia Mendonça abordou ainda a presença de álcool nas vítimas fatais de atropelamento na Grande Vitória em 2010. Mostra que a maioria também bebeu antes de morrer. Na Serra, 31,5% das vítimas do atropelamento ingeriram bebida alcoólica antes do acidente; contra 28,1% em Cariacica; 16,4% em Vila Velha; e 10,3% em, Vitória.
Revela que 42,9% dos homens atropelados tinham álcool contra 17,6% das mulheres:
“A sociedade está cada vez mais dependente do álcool, infelizmente”, lamenta a doutora Josidéia Mendonça.
O que tranquiliza Josidéia, entretanto, é saber que o Estado poderá utilizar sua pesquisa para direcionar as políticas públicas de prevenção e repressão ao uso de bebidas no trânsito.
“Como mostra a pesquisa, são os motoristas de idade mais avançada, entre 31 e 50 anos de idade, que devem ser alvos também das blitze da Madrugada Viva. Os jovens precisam ser parados, mas, geralmente, a polícia, quando vê um senhor de meia idade dirigindo, acredita que ele não esteja sob o efeito de álcool. A pesquisa revela o contrário”, ensina a doutora Josidéia Mendonça.
O colega de departamento da Josidéia, o doutor Fabrício Souza Pelição, também perito bioquímico – toxicologista da Polícia Civil capixaba, está prestes a concluir Doutorado em Toxicologia pela Universidade de São Paulo (USP), de Ribeirão Preto.
Tal qual Mendonça, Fabrício Pelição, que acaba de voltar dos Estados Unidos onde participou de um congresso representando a polícia brasileira, se preocupa em encontrar formas de reduzir os óbitos no trânsito.
Por isso, sua tese no Doutorado, que ainda está em fase de acabamento, é a “Avaliação da Presença de Substâncias Psicoativas em Diferentes Materiais Biológicos Colhidos de Vítimas Fatais de Acidentes de Trânsito nas Regiões Metropolitanas de Vitória e Ribeirão Preto (SP)”.
A tese do doutor Fabrício tem o objetivo de mostrar a presença de outras drogas – como cocaína e maconha – e anfetaminas nos acidentes de trânsito. Um estudo preliminar, segundo Fabrício Pelição, indica que 5% dos motoristas mortos teriam ingerido algum tipo de drogas ilícita.
“É um número muito alto. Tanto que a literatura mundial de Medicina estipula que esse número varia entre 3 e 7%”, diz Fabrício.
Entre os dias 25 e 30 de setembro, Fabrício Pelição apresentou, em San Francisco, Califórnia, um outro trabalho sobre a técnica de determinação laboratorial de intoxicação por cianeto. Ele apresentou seu trabalho na Conferência Internacional e Exposição de Toxicologia Forense e Analítica. O evento reuniu as duas maiores entidades da área de toxicologia forense do mundo com representação de mais de 100 países.
O perito bioquímico e toxicologista Fabrício Pelição estuda a legislação de trânsito de outros países. E entende que o Brasil está na contramão, o que acaba por contribuir para um número cada vez maior de vítimas fatais no trânsito.
“Nos EUA, os motoristas são obrigados a fornecer amostras de sangue e urina para a realização de exames. Os estados americanos, que têm suas próprias leis, entendem que são eles (Estados) que dão ao motorista a licença para dirigir. Logo, os motoristas têm que se adequar e respeitar a constituição”, diz Fabrício, que prossegue:
“No Brasil, apesar do Estado brasileiro também dar licença para quem está apto a dirigir veículos, os motoristas, em sua maioria, se recusam a fazer exame do bafômetro e exame de sangue, já nos EUA, Japão e os países mais avançados da Europa obrigam os motoristas a se submeter a esses exames. Se você quer viver em sociedade, tem que se submeter às regras”, diz Fabrício Pelição.
Ele defende outras mudanças, como a adoção de uma lei que obriga hospitais públicos e privados a recolherem sangue e urina de motoristas e vítimas de acidentes de trânsito e enviar aos Departamentos Médico Legal dos estados.
“É importante para a condução de um inquérito policial e um eventual processo judicial as autoridades saberem se os condutores e ou vítimas estavam sob efeito de bebidas alcoólicas ou drogas na hora do acidente”, diz o perito bioquímico-toxicologista Fabrício Pelição.
Essa pesquisa que ele está executando tem o apoio da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), USP de Ribeirão Preto e Polícia Civil do Espírito Santo, e financiamento da Fapes e coordenação da professora e doutora Maria das Graças Corrêa de Faria.
O orientador é o professor e doutor Bruno Spinosa De Martinis, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP/Ribeirão Preto. Fabrício Pelição vai defender a tese em conjunto com sua colega, a doutora Mariana Dadalto Peres, também aluna da USP/Ribeirão Preto.