O presente artigo foi escrito pelo cientista político, professor, escritor e coronel da reserva da Polícia Militar do Rio de Janeiro Jorge da Silva. E está no blog dele, http://www.jorgedasilva.blog.br/
“Cada cidadão somente pode possuir, como proprietário, no máximo, 6 (seis) armas de fogo…”]
Não há como ficar indiferente à chacina de Realengo. Todos se perguntam: O que teria levado o ex-aluno a matar tantas crianças da escola em que estudou? Qual seria o seu perfil psicológico etc. etc.? Também tento entender, mas não arrisco opinar. Alinho-me aos que questionam a facilidade de se obter armas de fogo no Brasil, lamentando que, no referendo de 2005, o “sim” a favor da proibição da venda de armas para cidadãos comuns (36,06%) tenha perdido para o “não” (63,94%). Mas não fico só nisso.
O referendo foi previsto em 2003, quando da promulgação do Estatuto do Desarmamento Lei 10.826/03), o qual foi antecedido de anos de discussão. Ou seja, a questão das armas vem sendo discutida há bem mais de 10 anos. Algo espantoso, no entanto, é que durante todo esse tempo um ponto sensível não tenha vindo à tona. Em livro que publiquei há 21 anos, já manifestava essa preocupação. (Cf. Controle da criminalidade e segurança pública. Forense, 2ª ed. 1990, p.73):
“Uma política séria de controle da criminalidade e da violência terá de rever a legislação sobre a produção, comercialização, posse, transporte e porte de arma de fogo. Não é possível, por exemplo, que a legislação autorize qualquer cidadão comum a possuir até seis (sic) armas de fogo. E que possa adquirir, no período de um ano, até três armas diferentes (uma de porte, uma de caça de alma raiada e uma arma de caça de alma lisa). Tudo isso sem falar na venda regular de munições e nas concessões adicionais abertas para caçadores, atiradores e colecionadores.
Isso em 1990. E não mudou, nem com o Estatuto. O espanto tem a ver com o fato de os defensores do desarmamento parecerem ignorar esse dado, de vez que sequer o mencionam nas suas críticas à proliferação de armas de fogo entre nós. Acho que tenho a resposta: essa disposição não aparece nas leis ordinárias, e sim em portaria setorial. Hoje, na Portaria 036/99 do Departamento de Material Bélico do Exército Brasileiro, que, nos Artigos 5º e 6º, repetem disposições idênticas às de 1990.
Só seis armas de fogo?…
A esses questionamentos, os armamentistas têm resposta pronta. Lê-se no UOL Notícias (08/04/20110): “Bancada da bala” descarta culpa da indústria de armas na tragédia no Rio, em matéria de Maurício Savarese e Fábio Brandt:
“Deputados aliados da indústria de armas rejeitaram nesta quinta-feira (7) as críticas de ativistas de direitos humanos que após a tragédia no Rio de Janeiro incentivaram uma nova discussão sobre desarmamento no país.
[…] “Qual a relação entre o direito das pessoas de adquirirem uma arma dentro da legislação e isso que aconteceu? Duvido que o assassino tenha comprado legalmente [a arma que usou no crime]”, disse Lorenzoni [Ônyx Lorenzoni (DEM-RS)], um dos líderes da frente antidesarmamento no referendo de 2005. Segundo ele, que na última campanha recebeu R$ 250 mil como doações diretas da indústria de armas, tragédias e criminalidade são abastecidas por armas contrabandeadas, não pelas produzidas por indústrias nacionais.
De fato, o assassino das crianças não comprou as armas que utilizou legalmente, mas é fato igualmente que bandidos não compram armas em loja. Tomam, “na marra”, às vezes com a morte de “cidadãos idôneos”, revólveres e pistolas comprados legalmente por estes últimos. Quanto à origem das armas da chacina, de onde vem a certeza do deputado? Salvo engano (por que não divulgam a marca das armas?…), os dois revólveres utilizados pelo chacinador de Realengo foram produzidos aqui, pela indústria de armas brasileira. Aliás, 70% dos homicídios no Brasil são praticados por armas de fogo, boa parte delas, nacionais.
Bem, a pergunta que fica no ar é a seguinte: Como se conseguiu que as discussões, e bem assim o próprio Estatuto do Desarmamento, passassem ao largo da quantidade de armas de fogo que um cidadão comum, “idôneo”, pode adquirir e possuir?
Caixa preta?