O Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo acaba de proibir a Comissão Parlamentar de Inquéritos, aberta inicialmente pela Assembleia Legislativa para apurar crimes de sonegação fiscal, de quebrar o sigilo telefônico do presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do Espírito Santo (Sindepes), Rodolfo Queiroz Laterza.
O mandado de segurança foi expedido pelo desembargador substituto Lyrio Régis de Souza Lyrio. Laterza tem em seu currículo o combate às organizações criminosas e a prisão de políticos, empresários e servidores acusados de desviar dinheiro público.
A CPI da Sonegação deveria ter como foco os crimes contra a ordem tributária praticadas por empresas instaladas no Espírito Santo. No entanto, logo nas primeiras sessões abriu espaço para ouvir pessoas acusadas e ou investigadas de crimes, como o juiz aposentado compulsoriamente Antônio Leopoldo Teixeira, um dos três acusados de mandar matar o juiz Alexandre Martins de Castro Filho, crime ocorrido em março de 2003, em Vila Velha. Por duas vezes, Leopoldo foi à CPI para dizer que é inocente das acusações. Leopoldo vai à júri popular a qualquer momento.
Assessoria da CPI derrapa na informação e faz Enivaldo dos Anjos falar o que não deve sem necessidade
“Informo que um oficial de Justiça procurou agora à tarde pelo deputado Enivaldo dos Anjos para intimá-lo de uma liminar judicial, conseguida pelo delegado Rodolfo Queiroz Laterza, suspendendo a CPI da Sonegação de Tributos, que apura a sonegação, mas eventuais abuso de autoridade e irregularidades na Operação Derrama, deflagrada em janeiro de 2013 e que levou para a prisão empresários e agentes públicos. Não temos informações quanto a quem é o juiz, mas esta é a informação.”
Sem checar as informações sobre a liminar – se de fato determinava a suspensão das atividades da CPI ou impedia a quebra do sigilo telefônico do delegado Laterza –, a Assessoria de Imprensa de Enivaldo dos Anjos mandou, no mesmo releese, até trecho de entrevista do deputado, que novamente questionava as intenções do delegado, que foi um dos profissionais da Polícia Civil que comandou a Operação Derrama, que mandou para a cadeia políticos, empresários e servidores públicos acusados de envolvimento em um esquema de corrupção em sete prefeituras capixabas.
Diz a nota da Assessoria do presidente da CPI da Sonegação: “Para o deputado Enivaldo dos Anjos, a ação do delegado (Rodolfo Laterza) é uma confissão de culpa de quem participou da Operação Derrama. O deputado está viajando agora para Colatina, onde, apesar do recesso parlamentar, faz reunião na Câmara dos Vereadores, visando a obter informações para as investigações da CPI do Guincho, que volta a se reunir na próxima segunda-feira, às 11 horas. Por isso, o deputado não pôde ser intimado da decisão.”
A Assessoria de Enivaldo dos Anjos prossegue: “Lembrando que a CPI da Sonegação já apurou sonegação de mais de R$ 9 bilhões em ICMS (volume das 500 maiores Certidões de Dívida Ativa), valor apurado com a quebra do sigilo fiscal dos sonegadores, e mais R$ 4 bilhões em ISS devidos pela Petrobrás às Prefeituras dos municípios produtores de petróleo. Outra informação relevante é que a CPI apurou também que, após a Operação Derrama, os agentes municipais passaram a ter medo de cobrar o ISS devido pela Petrobras.”
Posteriormente, a Assessoria de Enivaldo dos Anjos corrigiu a informação, mas sem retirar a entrevista já dada pelo deputado: “Informação atualizada: a liminar em favor do delegado Rodolfo Laterza não suspende a CPI da Sonegação, mas a quebra do sigilo telefônico dele. Entretanto, como já foi quebrado, não poderá ser usada. O deputado Enivaldo dos Anjos, presidente da CPI da Sonegação, falou ao telefone com o oficial de Justiça e agendou para receber nesta quinta, dia 30, às 15 horas, a intimação da liminar obtida pelo delegado Rodolfo Laterza impedindo sua quebra de sigilo telefônico.”
A CPI da Sonegação tem como membro o empresário e deputado estadual Guerino Zanon, que chegou a ser preso na Operação Derrama, ao fim de seu mandato como prefeito de Linhares, já em janeiro de 2013. Conseguiu ser solto quase dois meses depois.
Agora em 2015, o Inquérito relativo a Guerino foi arquivado pelo procurador-geral de Justiça do Estado, Éder Pontes, sob argumento de que ele foi investigado pelo Núcleo de Combate às Organizações Criminosas (Nuroc) de maneira ilegítima, pois possuía foro privilegiado como prefeito. Por isso, a investigação contra ele somente poderia ser feita pelo Procurador-Geral de Justiça.
Nas últimas sessões da CPI da Sonegação, Guerino Zanon e o presidente da Assembleia Legislativa, deputado Theodorico Ferraço, aproveitaram para atacar, respectivamente, o delegado Rodolfo Laterza e o ex-presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Pedro Valls Feu Rosa.
Na decisão liminar, desembargador Lyrio Régis dá aula de respeito às leis e à cidadania
No mandado de segurança, o advogado do delegado Rodolfo Laterza, Walter Gomes Júnior pediu a suspensão da eficácia do requerimento de quebra do seu sigilo telefônico realizado em meio à CPI da Sonegação. Alegou que seu cliente é delegado de Polícia e que atuou junto ao Nuroc por ocasião da “Operação Derrama”, que resultou na prisão de vários ex-prefeitos, dentre eles Guerino Zanon, atualmente em exercício de mandato de deputado estadual.
Nos autos em que concedeu a liminar, o desembargador substituto Lyrio Régis de Souza Lyrio observa que, segundo a parte, o deputado Guerino “articulou e aprovou pedido de convocação do Impetrante (Rodolfo Laterza), com nítido propósito de submeter o mesmo ao constrangimento moral, já que a apuração desenvolvida por este, não tem qualquer relação com o objeto temático da citada Comissão Parlamentar de Inquérito”.
Laterza assevera no pedido de liminar que “o Deputado Guerino Zanon, em seus questionamentos, tentou estabelecer um vínculo do Impetrante com a pessoa do Desembargador Pedro Valls Feu Rosa, chegando a indagar por várias vezes se o Impetrante fez contatos pessoais e telefônicos com citado Magistrado. […] o Deputado Estadual Guerino Zanon, na condição de membro da CPI, requereu ao Presidente da Comissão, Enivaldo dos Anjos, a quebra do sigilo telefônico do Impetrante, objetivando esclarecer quantas vezes o Impetrante teria ligado para o Tribunal de Justiça para falar com o Desembargador Presidente do TJ/ES, Pedro Valls Feu Rosa”.
Rodolfo Laterza afirmou, ainda, ter sido ouvido na condição de testemunha, e não de investigado, pelo que não poderia ter seu sigilo telefônico quebrado, bem como prosseguiu sustentando a suspeição de membro da CPI em razão de ter sido preso no curso das investigações promovidas pelo delegado na qualidade de autoridade policial.
Na decisão, o desembargador Lyrio Régis destaca o artigo 58 da Constituição Federal, que aborda as comissões permanentes e temporárias pelos Legislativos. Observa que “as comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores”.
O referido dispositivo, segundo interpretação conferida pelo Supremo Tribunal Federal, a exemplo do emblemático julgamento proferido no bojo do Mandado de Segurança nº 23452, concede às Comissões Parlamentares de Inquérito poderes de investigação dos quais deriva a inoponibilidade dos sigilos bancário, fiscal e de dados telefônicos (diverso da inviolabilidade das comunicações telefônicas), o que, a princípio, faria concluir não haver óbice a que a CPI nº 3.937 (CPI da Sonegação de Tributos), mitigando o direito à intimidade, atuasse de forma a alcançar o acesso aos registros telefônicos do impetrante.
“Ocorre que o caso em apreço parece deter contornos que o excepcionam da aplicação do referido entendimento, qual seja, o fato de ter o impetrante (Rodolfo Laterza) participado de reuniões ordinárias da Comissão Parlamentar em comento na condição de testemunha, e não de investigado, o que, enquanto assim permanecer, lhe manteria alheio ao foco das medidas de investigação”, destaca o desembargador.
Lyrio Régis (foto) destaca em sua decisão acórdão emanado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais: 1) Segundo entendimento do STF, às CPIs municipais não foi conferido o poder de impor o fornecimento de dados bancários (ACO n. 730-5/RJ); 2) Em hipótese alguma testemunha, seja ela arrolada em processo judicial, investigação policial ou parlamentar, pode ter seu sigilo bancário ameaçado, porquanto contra ela, em tal condição, não pesa a acusação da prática de ato ilícito; 3) Deve ser reformada a decisão liminar que ordenou a quebra do sigilo bancário de testemunha em procedimento de investigação promovido por Comissão Parlamentar de Inquérito municipal, porquanto em manifesta afronta ao direito de inviolabilidade de sua vida privada; 4)Face ao objeto da ação mandamental, impetrada com o único objetivo de afastar suposto ato ilegal praticado por gerente de instituição financeira, que se negou a fornecer os dados bancários do agravante, em observância ao princípio da inércia da jurisdição, é de se negar provimento ao pedido de sobrestamento da CPI; 5)Recurso provido em parte” (TJMG – Agravo de Instrumento-Cv 1.0621.11.001606- 3/001, Relator(a): Des.(a) Áurea Brasil , 5ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 02/02/2012, publicação da súmula em 09/02/2012).
Mais adiante, o desembargador Lyrio Régis diz que “é certo que a cognição sumária pertinente a esta etapa procedimental apenas permite que se exare juízo de probabilidade, a ser confirmado, ou não, após prestadas as informações pela autoridade dita coatora e exarado parecer pelo parquet. Embora não tenha o impetrante acostado aos autos documentos que atestem de forma inequívoca a existência da ordem da quebra de sigilo de dados telefônicos, comprovou ter formulado frente ao Presidente da CPI nº 3.937 requerimento de acesso ao referido processo (fl. 35), bem como apresentou cópias de inúmeras peças jornalísticas que noticiariam a referida medida (fls. 29-33), material que atesta suficientemente ser fundado o seu temor de violação indevida de intimidade.”
O magistrado diz mais: “Noutro giro, patente se afigura o perigo de ineficácia da medida, pois, uma vez expostos os seus registros telefônicos, ainda que acolhida a pretensão em definitivo, não mais será possível restaurar seu status sigiloso. Diversamente se dá quanto à medida de suspensão ora exarada, e isso porque, versando sobre os registros sobre momento pretérito, já consolidado no tempo, postergar a sua exibição em nada comprometerá a análise das informações ali contidas.”
Lyrio Régis finaliza: “ Assim, em homenagem à prudência, impõe-se o acolhimento da tutela requerida, pelo que a defiro para suspender a determinação da ‘CPI da Sonegação’ (nº 3.937) quanto à quebra do sigilo de dados das ligações telefônicas do impetrante (Rodolfo Laterza). Em conformidade com a regulamentação trazida pelos artigos 7º e 12 da mesma lei, notifique-se a autoridade coatora, cientificando-se seu órgão de representação judicial, e, ao depois, ouça-se a douta Procuradoria de Justiça. Determino à autoridade coatora que colacione, ao tempo em que apresentadas as informações, cópias do requerimento de quebra do sigilo telefônico do impetrante, bem como da justificativa e da deliberação emanadas da Comissão Parlamentar de Inquérito nº 3.937.”