O Ministério Público Estadual baixou nesta terça-feira (20/12) recomendações às Polícias Civil e Militar do Espírito Santo que têm o intuito de coibir prática de “tortura física e psicológica” a qualquer cidadão que seja preso no Estado. O MP determina que as pessoas detidas pela PM sejam levadas imediatamente a uma Delegacia da Polícia Civil e não a uma unidade militar e lembra que, segundo decisão da mais Alta Corte do País – o Supremo Tribunal Federal –, a pessoa detida somente pode ser algemada se provocar algum risco à sua segurança e a de outras pessoas.
As recomendações foram elaboradas pelo coordenador do Grupo Executivo de Controle Externo da Atividade Policial, o promotor de Justiça Jean Claude Gomes de Oliveira, às quais o Blog do Elimar Côrtes teve acesso em primeira mão.
A autoridade policial – seja ela militar ou civil – que não seguir as recomendações está sujeita a se submeter a uma investigação por parte do Ministério Público, com posterior denúncia na Justiça.
O promotor de Justiça Jean Claude de Oliveira entende que todo cidadão preso em flagrante delito ou por ordem judicial é digno de respeito a dignidade de seus direitos fundamentais, que são: ter conhecimento de seus direitos constitucionais; ser tratado com respeito; saber os motivos de sua prisão; não ser objeto de torturas, física e psicológica; ter direito de acesso a advogado indicado ou defensor público que deverá ser comunicado, imediatamente, de sua prisão; não declarar ou confessar fato que constitua prejuízo a sua defesa e contra sua vontade.
Segundo Jean Claude de Oliveira, a pessoa detida ainda tem o direito de não assinar termos de declarações e ou interrogatório, cujo teor não tenha conhecimento, compreensão, concordância ou perante outro policial que não seja o delegado de Polícia; não ser levado, em hipótese alguma, a unidade da Polícia Militar e sim, direcionado, imediatamente, a uma Delegacia de Polícia ou de Plantão; ter o direito de comunicar sua prisão, imediatamente, a familiares ou pessoa por ele indicada e ser algemado ou contido, somente em caso de necessária contenção, com exame de suas condições: física, de saúde, gênero e etária, observando-se o contido na Súmula Vinculante 11 do Supremo Tribunal Federal.
Cópias do ofício listando todas as recomendações foram enviadas nesta terça-feira à chefia da Procuradoria Geral de Justiça, ao Procurador de Justiça Coordenador do Centro de Apoio Criminal e Promotores de Justiça; à Presidência do Egrégio Tribunal de Justiça; à Secretaria de Estado da Segurança Pública e Ordem Social; à Chefia de Polícia Civil e Corregedor Geral da Polícia Civil; ao Comando Geral da Polícia Militar e Corregedor Geral da Polícia Militar; à Defensoria Pública Geral do Estado; e à Ordem dos Advogados no Espírito Santo.
Para realizar as recomendações, o Ministério Público levou em consideração várias situações que ocorrem no dia a dia na área policial capixaba. Uma delas atende os diversos pedidos de providências de magistrados e promotores de Justiça, objetos de apuração em tramitação no Gecap, que informam “as graves práticas de abuso de autoridade, tortura e outros crimes”.
Considera também, de acordo com o promotor de Justiça Jean Claude de Oliveira, “as recentes deflagrações de Ações Penais, em curso nos diversos Juízos Criminais da Grande Vitória, onde figuram como acusados de prática de tortura, abuso de autoridade e outros graves crimes; Delegados de Polícia, Investigadores e outros agentes”. E ainda considera que “as práticas de tais atos são atribuídas, em sede de prisão em flagrante delito, a Policiais Militares”.
Abaixo, todo o teor das considerações e recomendações que acabam de ser elaboradas pelo Ministério Público estadual às polícias Militar e Civil.
RECOMENDAÇÃO 004/2011
O GECAP – Grupo Executivo de Controle Externo da Atividade Policial, representado por seu Promotor de Justiça Coordenador, por designação do Exmo. Senhor Procurador-Geral de Justiça, no uso de suas atribuições, conferidas pelos artigos: 129 da Constituição Federal; 26, incisos I e V, da Lei nº 8.625/93; 27, § 2º, inciso I, da Lei Complementar Estadual nº 95/97; CNMP – Resolução nº 20, de 28 de maio de 2007; Ato nº 001/2004-PGJ-MPES; Atos 15/2010-PGJ-MPES e Nº 003/2011-PGJ-MPES:
CONSIDERANDO que cumpre ao Ministério Público velar pela dignidade do cidadão; pela fiel observância aos seus direitos e garantias fundamentais, inscritos na Constituição Federal; exercer o controle da legalidade dos atos policias, em quaisquer instâncias, zelando pela perfeita harmonia das instituição policiais no exercício de suas atribuições; dirimindo conflitos, advertindo e delimitando responsabilidades, para o bom resultado de suas atividades fins;
CONSIDERANDO que todo cidadão preso em flagrante delito ou por ordem emanada de Magistrado competente, é destinatário de respeito a dignidade de seus direitos fundamentais, quais sejam: ter conhecimento de seus direitos constitucionais; ser tratado com respeito; saber os motivos de sua prisão; não ser objeto de torturas, física e psicológica; ter direito de acesso a Advogado indicado ou Defensor Público que deverão ser comunicados, imediatamente, de sua prisão; não declarar ou confessar fato que constitua prejuízo a sua defesa e contra sua vontade; não assinar termos de declarações e ou interrogatório, cujo teor não tenha conhecimento, compreensão, concordância ou perante outro policial que não seja o Delegado de Polícia; não ser levado, em hipótese alguma a unidade da Polícia Militar e sim, direcionado, imediatamente, a uma Delegacia de Polícia ou de Plantão; ter o direito de comunicar sua prisão, imediatamente, a familiares ou pessoa por ele indicada e ser algemado ou contido, somente em caso de necessária contenção, com exame de suas condições: física, de saúde, gênero e etária, observando-se o contido na Súmula Vinculante 11 do Supremo Tribunal Federal;
CONSIDERANDO os diversos pedidos de providências de Magistrados e Promotores de Justiça, objetos de apuração em tramitação no GECAP, que informam as práticas graves práticas de abuso de autoridade, tortura e outros crimes;
CONSIDERANDO as recentes deflagrações de Ações Penais, em curso nos diversos Juízos Criminais da Grande Vitória, onde figuram como acusados de prática de tortura, abuso de autoridade e outros graves crimes; Delegados de Polícia, Investigadores e outros agentes;
CONSIDERANDO que as práticas de tais atos são atribuídas, em sede de prisão em flagrante delito, a Policiais Militares;
CONSIDERANDO que a Polícia Militar efetua, habitualmente, a maioria de todas as prisões em flagrante delito, devendo obedecer portanto, o procedimento legal, de encaminhar, imediatamente, o(s) preso (s) em flagrante delito, a Delegacia de Polícia mais adequada ou de Plantão;
CONSIDERANDO a necessidade de delimitar e estabelecer responsabilidades, cível e criminal resultantes de procedimentos, ações e resultados, bem como recomendar cautela e observância à legislação vigente, visando a integridade da dignidade do cidadão e a preservação da boa conduta que se exige de todas as autoridades policiais ao cumprimento de suas funções;
CONSIDERANDO que, toda espécie de prova, originária ou derivada da primeira; obtida por meios ilícitos, mediante práticas de tortura, coação psicológica e outros expedientes condenáveis que a lei veda expressamente, são fraudulentas e inadmissíveis no processo criminal;
CONSIDERANDO que o termo “tortura” designa qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a pessoa detida a fim de obter, dela ou de terceira pessoa, informações ou confissões; que tal prática tem o objetivo de castigar a vítima por ato que ela ou terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido; intimidar ou coagir pessoa ou outras pessoas, por qualquer motivo baseado em discriminação e arbítrio de qualquer natureza e que, tais sofrimentos são, infligidos por funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência;
CONSIDERANDO que vem se tornando prática habitual, a menção espontânea e negativa de ocorrência de tortura ou agressões físicas do examinado, declarada em laudo de lesões a cargo de Perito Médico Legal, bem como os relatos de vítimas que não são examinadas e atendidas de forma criteriosa;
CONSIDERANDO que o Estado do Espírito Santo é responsável, civilmente, pela prática de atos delituosos de seus agentes, quando do exercício funcional, arcando com prejuízo econômico considerável, quando compelido ao pagamento de indenizações;
CONSIDERANDO que, na esmagadora maioria dos relatos, objetos de apuração de práticas de tortura, lesões corporais e abuso de autoridade, são as vítimas, cidadãos desprovidos de recursos econômicos, moradores de bairros periféricos, desassistidos e, portanto, não podem contar com a presença de Advogado e familiares, no acompanhamento da prisão;
CONSIDERANDO que toda conduta penalmente relevante, é punível, seja ela praticada com ação omissão, bem como, o teor da Leis 4898/65 e 9455/97, que define os crimes de abuso de autoridade e tortura, respectivamente;
CONSIDERANDO por final, que cabe ao Ministério Público/GECAP, receber reclamações de vítimas de abuso de autoridade, tortura e outros delitos, atribuídos ou praticados por membros das Polícias, exercendo as necessárias prevenção e repressão a tais condenáveis práticas.
RESOLVE
RECOMENDAR
Aos Excelentíssimos Senhores Delegados de Polícia, Peritos Médicos Legistas, Escrivães de Policia, Investigadores de Polícia e Agentes de Polícia.
Aos Senhores Comandantes de Unidades Militares, Oficiais e Praças da Polícia Militar do Estado do Espírito Santo.
1. Que observem, criteriosamente, os direitos e garantias fundamentais do cidadão preso em flagrante delito ou por ordem judicial, inscritos nos textos legais vigentes e enumerados na presente recomendação;
2. Que submetam o preso, imediatamente, a exame médico legal, quando constatado qualquer sinal visível de lesões corporais ou em caso de relato da prática de tortura e lesões corporais, quando de sua entrada nas dependências da Delegacia de Polícia;
3. Que Excelentíssimo Senhor Chefe de Polícia baixe, se entender conveniente, norma interna instituindo o Termo de Recebimento de Preso, que instruirá todos os Autos de Prisão em Flagrante, devendo deverá conter as seguintes informações:
I. O horário de sua prisão e motivo da prisão;
II. Em caso de Mandado Judicial, o juízo de origem;
III. A identificação do executor da prisão: policial, civil militar, Federal, Rodoviário Federal ou de agentes das Guardas Municipais;
IV. O horário de chegada às Dependências da Delegacia;
V. Se o preso foi conduzido a unidade militar, identificando-a unidade e o período de permanência;
VI. Relato de tortura, coação ou outras agressões;
VII. Aparenta lesões externas ou dores internas;
VIII. A descrição das lesões;
IX. Identificação do executor da prisão.
4. Que, em caso de submissão do preso, a exame de Perito Médico Legal, se abstenham os senhores Peritos de descrever fato negativo não relatado e procedam, unicamente, ao cumprimento de seu encargo legal, respondendo aos quesitos, com descrição das lesões, se constatadas;
5. Finalmente, que a inobservância das recomendações, implicará, quando possível e cabível, na instauração de apuração em sede de de Procedimento de Controle Externo da Atividade Policial, visando apontar responsabilidades em razão de omissão penalmente relevante ou desídia funcional.
Salienta-se, por oportuno, que o presente documento, constitui instrumento do Ministério Público Estadual, no exercício do Controle Externo da Atividade Policial, não se revestindo de crítica, cientes todos; Autoridades Policiais, Servidores Policiais Civis, Praças e Oficiais da Polícia Militar, das responsabilidades e limites de cada relevante função típica, especialmente em matéria tão relevante e de graves repercussões para a preservação dos direitos e garantidas fundamentais do cidadão.
Comunique-se, com cópia, da expedição da presente Recomendação:
1. Aos Excelentíssimos Senhores, Procurador Geral de Justiça, Procurador de Justiça Coordenador do Centro de Apoio Criminal e Promotores de Justiça;
2. Ao Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça;
3. Aos Excelentíssimos Senhores, Secretário de Estado da Segurança Pública e Ordem Social, Delegado Chefe de Polícia Civil e Corregedor Geral da Polícia Civil, com solicitação de que sejam Excelentíssimos Senhores Delegados de Polícia do Estado do Espírito Santo, notificados da expedição do presente documento;
4. Aos Excelentíssimos Senhores Coronéis; Comandante Geral da Polícia Militar e Corregedor Geral da Polícia Militar;
5. Ao Defensor Público Geral;
6. Ao Excelentíssimo Senhor Presidente da Ordem dos Advogados no Espírito Santo.
Vila Velha, 20 de dezembro de 2011.
Jean Claude Gomes de Oliveira
Promotor de Justiça Coordenador
GECAP – GRUPO EXECUTIVO DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL