O juiz Lucas Modenesi Vicente, da 1ª Vara Cível de São Mateus, acolheu pedido liminar do Ministério Público do Estado do Espírito Santo, na Ação Civil Pública nº 0002746-02.2017.8.08.0047, para determinar a Polícia Civil a desocupação do precário prédio onde funciona a 18ª Delegacia Regional (São Mateus). A decisão do magistrado foi tomada na última quinta-feira (18/05).
O MPES pleiteou que a desocupação fosse imediata ou num prazo de 30 dias. No entanto, o magistrado entendeu que, “por força do princípio da continuidade do serviço público”, permitiu que a desocupação ocorra depois que chegar aos autos a indicação de um novo imóvel para a instalação da 18ª DP Regional.
Ao mesmo tempo, o juiz Lucas Modenesi acolheu pedido do Sindicato dos Servidores Policiais Civis do Estado do Espírito Santo (Sindipol) a ingressar na Ação Civil Pública como amicus curiae (uma expressão em latim utilizada para designar uma instituição que tem por finalidade fornecer subsídios às decisões dos tribunais, oferecendo-lhes melhor base para questões relevantes e de grande impacto). Há mais de dois anos, a Diretoria do Sindipol vem denunciando as péssimas condições da DP Regional de São Mateus.
Na peça, o Ministério Pública presta as seguintes informações:
1) em março de 2015, o MPES instaurou o Procedimento Preparatório MPES n° 2015.0008.6228-46 com o objetivo precípuo de aferir as irregularidades estruturais no prédio onde funciona a Polícia Civil de São Mateus/ES;
2) o Delegado Chefe da 18ª Delegacia Regional no Município de São Mateus/ES, Dr. Paulo Roberto Amaral, relatou, em depoimento, que as condições estruturais do local onde funciona a Polícia Civil de São Mateus eram precárias, e, em atendimento à requisição ministerial, o Dr. Paulo Roberto Amaral apresentou mídia com imagens e relatório acerca das condições do prédio utilizado pela Polícia Civil;
3) a mídia apresentada pelo Chefe da 18ª Delegacia Regional também faz menção à insegurança da edificação do prédio conhecido como “cadeião”, localizado em frente ao prédio da 18ª Delegacia;
4) em junho de 2015, o MPES notificou o chefe do Corpo de Bombeiros Militar de São Mateus para também prestar esclarecimentos, tendo a referida corporação se manifestado, por meio de seu tenente, alegando, em síntese, que o local (prédio que sedia a Delegacia) está em desacordo com as normas técnicas exigidas pelo corpo de bombeiros;
5) em agosto de 2015, o Dr. Paulo Roberto Amaral enviou ao MPES o alvará de licença n 220852, recém-expedido pelo Corpo de Bombeiros Militar (emissão: 03/08/2015; validade: 03/08/2016), bem como o contrato de aluguel do prédio;
6) em setembro de 2015, o Dr. Paulo Roberto Amaral informou que os proprietários do prédio utilizado pela DPJ de São Mateus realizaram algumas melhorias no imóvel, porém que as condições estruturais do prédio continuavam precárias;
7) em outubro de 2015, o MPES expediu a notificação recomendatória n° 004/2015 para que o Estado do Espírito Santo, por meio da Polícia Civil, adotasse as providências necessárias em relação ao prédio onde funciona a 18ª DP Regional, sendo que, em resposta, a Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social reconheceu a situação precária do prédio onde hoje funciona a 18ª DP, entretanto, informou sobre a impossibilidade de locação/compra de outro imóvel para tal finalidade; desde o ano de 2015, foram feitas algumas tentativas de melhorias no imóvel, mas o prédio continua a apresentar inúmeras irregularidades que comprometem severamente as condições de higiene, saúde, segurança e acessibilidade dos seus frequentadores, não podendo o referido estabelecimento continuar funcionando da maneira como se encontra, devendo imediatamente ser cessada as suas atividades.
Na análise do pedido da medida liminar, o juiz Lucas Modenesi ressalta que a matéria em debate é bastante discutida no Sistema Jurídico Brasileiro, pois cuida de intervenção do Poder Judiciário na política pública do Estado do Espírito Santo, bem como no poder discricionário da Administração Pública deste Estado.
Ocorre, lembra o magistrado, que o Supremo Tribunal Federal (STF) se pronunciou a respeito do tema no sentido de que a atuação do Poder Judiciário em caso de implementação de políticas públicas não afronta o princípio da separação dos poderes, “sempre que a intervenção tiver por escopo salvaguardar princípios constitucionais fundamentais”. E cita jurisprudências.
“Ademais, a escassez de recursos financeiros não é fundamento para liberar o Poder Público do dever de garantir a prestação do serviço público em conformidade com o que está previsto na Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988”, manifesta o juiz Lucas Modenesi na decisão.
Local é contaminado de doenças e pode desabar
“A plausibilidade fática da alegação de violação dos direitos fundamentais está, neste primeiro momento, demonstrada pelos registros fotográficos anexados à peça inaugural, nos relatórios elaborados pelo Corpo de Bombeiros Militar e pelo técnico de segurança do trabalho Alysson Mário C. Leopoldo, havendo, pois, elementos que me permitem presumir os prejuízos e os potenciais prejuízos que podem sofrer a coletividade de profissionais e usuários dos serviços públicos oferecidos na DPJ de São Mateus/ES”, continua o magistrado, que transcreve trechos dos relatórios anexados aos autos:
“Diante do que foi observado pelos vistoriadores (do Corpo de Bombeiros), oriento sobre a necessidade de avaliação por profissional qualificado (engenheiro civil) apresentando laudo técnico com ART, informando sobre o risco estrutural (desabamento), reforma ou demolição; pois na avaliação dos vistoriadores não existe segurança estrutural e que há riscos de acidentes com os profissionais que trabalham no local e dos detentos provisórios, e que há grande risco de desabamento”.
Relatório da vistoria realizada no dia 30/03/2017 pelo técnico de Segurança do Trabalho Alysson
Mário C. Leopoldo:
“1) Desprendimento de forro do teto; infiltrações e mofo; baixa iluminação; situação perigosa para a atividade desenvolvida.
2) (…) banheiros sem acessibilidade e falta de banheiros para o público.
(…)
5) (…) baixa luminosidade; baixa circulação de ar natural em algumas salas devido à ausência de janelas.
6) Exposição de cabos elétricos, instalações inadequadas; risco iminente de curto-circuito, choques elétricos e incêndios.
8) falta de alvará de funcionamento, escadas inadequadas, risco iminente de incêndio.
9) Ambiente propício para várias doenças respiratórias e de pele devido ao acúmulo de mofo em todas as edificações.
(…)
Alerto para os riscos físicos, biológicos, ergonômicos e de acidentes dos servidores públicos (Policiais Civis) e usuários do DPJ.”
Para o juiz Lucas Modenesi, a plausibilidade jurídica do direito enfocado está presente na afirmação do mínimo existencial a partir da preservação da dignidade humana, princípio sobre o qual está respaldado o direito à vida digna e à saúde, identificados na Constituição Federal de 1988 como direitos fundamentais.
“O perigo de dano também está demonstrado, pois o que o Ministério Público busca é o respeito pelos direitos constitucionais à vida e à saúde dignas, tendo em vista, aparentemente, as precárias condições de segurança e salubridade do prédio onde funciona a 18ª Delegacia da Polícia Civil de São Mateus, sem olvidar, como dito antes, que tais condições põem em perigo toda a coletividade, diante, sobretudo, da possibilidade de acidentes e desabamentos. Portanto, estando presentes ambos os requisitos que permitem o deferimento da medida, não há motivos para não deferi-la”, decidiu o juiz Lucas Modenesi.
Todavia, ressalta ele, “por força do princípio da continuidade do serviço público e, sobretudo, considerando a essencialidade do serviço prestado pela 18ª Delegacia da Polícia Civil de São Mateus, não há como determinar a desocupação do prédio onde funciona a referida Delegacia sem que antes haja nestes autos a indicação de outra edificação que comporte estruturalmente e tecnicamente, de forma adequada, todos os setores existentes na 18ª DP de São Mateus. Esclareço, nesse pormenor, que a indicação do local deve vir acompanhada de prova técnica que identifique o novo espaço como adequado e suficiente a receber a estrutura técnica e humana que atualmente guarnece a 18ª Delegacia Regional e o local intitulado pelo requerente da presente ação como ‘Cadeião”, concluiu o magistrado.
Juiz aceita Sindipol como ‘amicus curiae’ na Ação Civil Pública
1) Dada a relevância da matéria e repercussão social da controvérsia, ADMITO o ingresso do Sindicato dos Servidores Policiais Civis do Estado do Espírito Santo na qualidade de amicus curiae (art. 138, caput, do CPC), ficando assegurado a ele, no que tange ao processamento da demanda no presente grau de jurisdição, os poderes assegurados no CPC, tal como o poder de opor embargos declaratórios (art. 138, § 1°, do CPC), bem como o poder de intervir no feito, sempre que solicitado for, com vistas a auxiliar este juízo a dirimir as controvérsias existentes;
2) INTIME-SE o MPES para, em 15 (quinze) dias, apresentar laudo técnico objetivo que indique necessariamente qual o quantitativo de salas atualmente existente na atual sede da 18ª Delegacia da Polícia Civil de São Mateus/ES e do “Cadeião”, a fim de viabilizar a busca pelo Estado do Espírito Santo de local que melhor atenda a necessidade atual da DPJ de São Mateus/ES. Caberá ao Sindicato dos Servidores Policiais Civis do Estado do ES auxiliar o MPES na diligência anteriormente fixada;
3) INTIME-SE o MPES para, também em 15 (quinze) dias, apresentar o contrato de locação – atualmente vigente – estabelecido entre a PCES e os proprietários do imóvel onde se situa a DPJ de São Mateus/ES, bem como providenciar a assinatura do técnico responsável no “Relatório de Segurança e Medicina do Trabalho DPJ – São Mateus” (fls. 285/342);
4) Cumprida as determinações insertas nos itens acima, CITE-SE, no prazo legal, e INTIME-SE o Estado do Espírito Santo para, em atenção ao que dos autos consta e do laudo que virá a ser apresentado pela MPES, indicar local adequado e suficiente para comportar a estrutura que hoje abastece a DPJ de São Mateus/ES e o “Cadeião”, em 30 (trinta) dias. Fica o ente público advertido de que a indicação deve ser feita mediante laudo técnico que comprove especificamente a capacidade do novo local para receber a instalação da DPJ de São Mateus/ES e do “Cadeião” e o valor cobrado a título de aluguel do local apontado. Com a indicação do local, INTIME-SE o MPES e o Sindicato da PCES para manifestação, em 15 (quinze) dias;
5) Não cumprida a determinação acima assinalada no prazo fixado, INTIME-SE o MPE para promover a indicação do local, na forma delimitada nesta decisão (laudo técnico que comprove a capacidade o valor cobrado a título de aluguel do novo local), em 30 (trinta) dias. Feita a indicação pelo MPES, INTIME-SE o Estado do Espírito Santo e o Sindicato da PCES para manifestação, em 15 (quinze) dias;
6) Ao final, venham os autos conclusos para decisão.
CUMPRAM-SE as presentes determinações com a máxima urgência.