O juiz Jorge Henrique Valle dos Santos, da 3ª Vara da Fazenda Pública Estadual de Vitória, considerou o coronel da Polícia Militar Júlio Cezar Costa inocente da acusação de improbidade administrativa feita pelo Ministério Público Estadual, afirmando que o oficial não interferiu em ocorrência de trânsito, conforme denunciou o MP.
O Ministério Público queria a condenação do oficial por acreditar que ele teria interferido numa ocorrência policial em defesa de um amigo. Foi a terceira vez que o coronel é absolvido pela mesma acusação.
Na primeira, ele foi considerado inocente pela promotora de Justiça Militar Karla Sandoval. O Ministério Público passou a julgar, então, a decisão da promotora de Justiça, que foi tomada em primeiro grau. O Conselho Superior do Ministério Público se reuniu e, à unanimidade, seus procuradores reconheceram a inocência do coronel Júlio Cézar.
Posteriormente, a Promotoria Cível decidiu acusar o oficial por improbidade administrativa. O coronel Júlio Cézar foi julgado pelo juiz Jorge Henrique Valle dos Santos, que inocentou o oficial em todos os itens elaborados pelo MP. O magistrado considerou improcedentes os pedidos do Ministério Público por não encontrar nos autos provas que incriminassem o coronel Júlio Cezar.
“Esta é uma decisão que eu já aguardava. Sempre me mantive tranqüilo, porque estou com a consciência tranquila de que não cometi nenhum delito. Estarei sempre estimando a Polícia Militar do Estado do Espírito Santo”, disse o coronel Júlio Cezar.
Ele já havia obtido outra vitória na Justiça. Em setembro do ano passado, a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça reconheceu o direito do oficial voltar à PM – até então, ele estava afastado por ordem judicial. Entretanto, o coronel Júlio Cezar preferiu se aposentar.
O MP queria a condenação do coronel por ato de improbidade administrativa, supostamente, por interferir numa ocorrência policial em defesa de um amigo, conforme gravações do Centro Integrado Operacional de Defesa Social (Ciodes).
De acordo com a denúncia do MP, no exercício da sua função de coronel da PM, no dia 12 de julho de 2010, por volta das 21 horas, teria interferido em uma determinada ocorrência de policial de trânsito, com a suposta finalidade de fornecer benefícios a um amigo, o advogado Jonhny Estefano Ramos Lievori.
Alegou o Ministério Público que Júlio Cezar, “movido por sentimento pessoal, teria intervido de maneira ilegal, imoral e arbitrária na ocorrência de trânsito em curso, constrangendo, com isso, os policiais militares de menor patente a conferir tratamento diferenciado ao suposto infrator”.
Entretanto, não foi isso o que o juiz encontrou nos autos: “Ao contrário, o requerido (o coronel) não praticou qualquer ato de improbidade administrativa”.
Ficou comprovado, isto sim, que o coronel não impediu a lavratura de Boletim de Ocorrência Policial, assim como a confecção de quatro laudos de Infração de Trânsito em desfavor do seu amigo a que supostamente estaria beneficiando. O que o juiz Jorge Henrique Valle dos Santos
encontrou na gravação usada como prova pelo MP foi orientação passada pelo coronel Júlio Cezar de que havia a necessidade de enviar um oficial ao local dos fatos, com o objetivo de averiguar a legalidade do procedimento dos militares, bem como se havia alguma ofensa física ou psíquica a terceiros.
Segundo a sentença do juiz, os termos de declarações dos policiais militares que participaram da operação, tomados no curso do Procedimento Investigativo Criminal nº 001/2012, que tramitou no Ministério Público Estadual, são determinantes para demonstrar que não houve a tentativa de alterar os procedimentos normais de apuração.
Abaixo, o teor da sentença do juiz Jorge Henrique Valle dos Santos
PROCESSO: 024.11.008604-8
SENTENÇA
Vistos, etc.
Cuidam os autos de Ação por Ato de Improbidade Administrativa ajuizada pelo Ministério Público Estadual em face de Júlio Cezar Costa, nesta qualificado, alegando ter o requerido cometido os atos de improbidade captulados no artigo 11, caput e inciso I da Lei nº 8.429/92, que culminaria na aplicação das sanções civis listadas no artigo 12, inciso III da aludida lei.
Em sua inicial (fls. 02/12), o orgão do Parquet afirmou que o requerido, na qualidade de Coronel da Polícia Militar desse Estado, aproveitou-se do grau hierárquico da sua patente e, em razão disso, interferiu arbitrariamente em uma determinada ocorrência policial de trânsito, com o fito exclusivo de privilegiar o suposto infrator, em virtude das suas relações pessoas com o mesmo, ofendendo, desta forma, aos princípios da legalidade, da moralidade e da impessoalidade.
Com a inicial vieram os documentos de fls. 14/578.
Decisão nas fls. 580/582, que deferiu o requerimento de tutela antecipada, de modo que determinou o afastamento do requerido das suas funções junto à Polícia Militar do Estado do Espírito Santo, sem prejuízo da sua remuneração correspondente.
Defesa preliminar apresentada pelo requerido nas fls. 728/761, oportunidade na qual alegou a existência de prova ilícita e a impossibilidade de propor a presente demanda com esteio em interceptação ilícita. No mérito, por sua vez, suscitou que não praticou ato de improbidade administrativa descrito na exordial, devendo, portanto, não ser regularmente recebida.
Petição de fls. 835/836, onde o Estado do Espírito Santo informou que não possui interesse em ingressar na presente lide.
Decisão de fls. 900/903, oportunidade na qual rejeitou a tese de prova ilícita levantada pelo requerido, assim como recebeu a petição inicial e, por conseguinte, determinou a citação do mesmo.
Citado regularmente, o requerido apresentou contestação, como certifica às fls. 906/983 dos autos, arguindo, em preliminar, a inépcia da inicial e a carência de ação e, em relação ao mérito, argumentou que em nenhum momento deu qualquer ordem a seus subordinados para que houvesse tratamento diferenciado ao suposto infrator, alvo da ocorrência policial de trânsito. Por final, requereu o acolhimento das preliminares e, no mérito, a improcedência da pretensão do autor ministerial.
Réplica apresentada pelo Ministério Público Estadual nas fls. 1.058/1.060, oportunidade na qual reiterou todas as teses alegadas na petição inicial.
É o relatório. Decido.
DO JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE:
O julgamento antecipado da lide, que é uma espécie do gênero “julgamento conforme o estado do processo” pode ocorrer em três situações diferentes, quando o julgamento for exclusivamente de direito ou quando for de direito e de fato, bem como nas hipóteses de revelia.
Na presente ação, dois motivos autorizam o julgamento conforme o estado do processo, a uma porque as partes não divergem quanto aos fatos ocorridos, mas somente quanto aos fundamentos jurídicos, ou seja, se os fatos objeto da demanda qualificam-se ou não como ato ímprobo. A outra, porque, sendo a matéria de direito e de fato, não há necessidade de produção de novas provas orais ou periciais, posto que estão carreadas aos autos inúmeras provas documentais e orais colhidas durante o Procedimento de Investigação Criminal – PIC, este instaurado pelo MPES/ES, por meio da Promotoria Militar, as quais foram anexadas a este caderno processual, que propiciam com clareza o desenrolar dos fatos objeto desta demanda.
Nesse sentido, seria inócuo submeter o procedimento à fase de instrução probatória, vez que teríamos uma simples repetição das provas que previamente foram colhidas, configurando uma ofensa aos princípios da economia processual e da celeridade do processo.
Por outra via, não há que se falar em ofensa a ampla defesa e ao contraditório, uma vez que de forma farta as partes trouxeram na petição inicial, na contestação e na réplica todos seus argumentos e provas, estes plenamente suficientes à compreensão e convencimento deste juízo quanto à matéria de direito e de fato que se discute nesta ação, sendo desnecessária a produção de novas provas ante ao farto conjunto probatório que instrui a demanda.
Inclusive, os tribunais no Brasil admitem o julgamento antecipado da lide nos moldes do artigo 330, I do CPC, vejamos:
DIREITO CONSTITUCIONAL, CIVIL E PROCESSO CIVIL. AÇÃO ORDINÁRIA. RECURSO DE APELAÇÃO. PRELIMINARES. I – INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DA JUSTIÇA COMUM ESTADUAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. BENEFÍCIO DECORRENTE DA RELAÇÃO DE TRABALHO. REJEIÇÃO. II – INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DA JUSTIÇA COMUM ESTADUAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. ÓRGÃO FISCALIZADOR VINCULADO AO MINISTÉRIO DA PREVDÊNCIA SOCIAL. REJEIÇÃO. III – NULIDADE DO DECISUM. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. REJEIÇÃO. IV – ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DA RECORRENTE. REJEIÇÃO. V – COISA JULGADA. REJEIÇÃO. VI – NULIDADE DO DECISUM. CERCEAMENTO DE DEFESA. NECESSIDADE DE PROVA PERICIAL ATUARIAL. REJEIÇÃO. MÉRITO. COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA PRIVADA. SUPRESSÃO REPENTINA DO BENEFÍCIO RECEBIDO PELO RECORRIDO HÁ MUITOS ANOS. OFENSA AO DIREITO ADQUIRIDO E AO ATO JURÍDICO PERFEITO. DIREITO AO PAGAMENTO DAS PARCELAS VENCIDAS E CONTINUIDADE DO PAGAMENTO DAS PARCELAS DO REFERIDO BENEFÍCIO. RESPONSABILIDADE DA RECORRENTE FUNDAÇÃO COSIPA DE SEGURIDADE SOCIAL – FEMCO. INAPLICAÇÃO DA TEORIA DA PREVISÃO E INEXISTÊNCIA DE FORÇA MAIOR. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. […] 1.6 – Preliminar. Da alegação de nulidade do decisum recorrido, por cerceamento de defesa. Não há atribuir-se nulidade da Sentença de Primeiro Grau, por cerceio de defesa, se a Recorrente não se dignou a manifestar e demonstrar acerca da necessidade de se idealizar prova pericial atuarial, no curso do processo em primeiro grau, revelando-se, portanto, preclusa e inoportuna tal pretensão. A farta prova documental carreada aos autos, designadamente a produzida pela própria Recorrente, conduzem à prescindibilidade de se realizar prova pericial nos moldes aventados pela mesma, possibilitando o julgamento antecipado da lide, nos termos constantes do artigo 330, inciso I, do Código de Processo Civil. Preliminar rejeitada. […] (TJES, Classe: Apelação Civel, 24980029748, Relator : NAMYR CARLOS DE SOUZA FILHO, Órgão julgador: SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, Data de Julgamento: 13/12/2011, Data da Publicação no Diário: 16/12/2011).
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA. PRESCRIÇÃO PARCIAL MANTIDA. CERCEAMENTO DE DEFESA AFASTADO. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DOS EFEITOS DA REVELIA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. SERVIDORA PÚBLICA QUE REQUEREU, ADMINISTRATIVAMENTE, EXONERAÇÃO PARA ASSUMIR OUTRO CARGO PÚBLICO. TEORIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES. LEGALIDADE DO ATO DE EXONERAÇÃO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO, COM A MANUTENÇÃO INTEGRAL DA SENTENÇA. […] 2) O julgamento antecipado da lide é faculdade legal conferida ao Magistrado, desde que suficientes as provas do caderno processual, não havendo que se falar, portanto, em cerceamento de defesa. Encontra-se realmente configurada a desnecessidade de dilação probatória, mostrando-se o conteúdo dos autos suficiente para o julgamento da demanda, motivo pelo qual rejeito a argumentação de cerceamento do direito de defesa. […] (TJES, Classe: Apelação Civel, 11090166536, Relator : RONALDO GONÇALVES DE SOUSA, Órgão julgador: TERCEIRA CÂMARA CÍVEL , Data de Julgamento: 06/12/2011, Data da Publicação no Diário: 15/12/2011).
Ademais, o artigo 130 do CPC é expresso no sentido de que “caberá ao Juiz de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias”. Dessa maneira, entendendo o magistrado pela suficiência de embasamento ao seu convencimento, possui a faculdade de indeferir os demais requerimentos de produção probatória, sem nenhum tipo de configuração de cerceamento de defesa ou violação do devido processo legal.
Ressalta-se, por último, que o julgamento antecipado da lide possui como características específicas à ausência de audiência de conciliação e não há apresentação de alegações finais, pois, a finalidade das alegações finais é simplesmente garantir uma última análise a respeito da dilação probatória, ou seja, as partes deverão se manifestar acerca das provas apresentadas, logo, se não há dilação probatória, não há necessidade de apresentação de alegações finais e, por estes fundamentos, deixo de intimar as partes para apresentarem alegações finais.
Ademais, a mera alegação de ausência de intimação para apresentação de alegações finais não enseja, por si só, a nulidade da decisão, pois necessária a demonstração de efetivo prejuízo (artigo 249, § 1º do CPC), o que não ocorreu no presente caso.
Desta feita, por estas razões, passo a apreciar o mérito da causa em forma de julgamento antecipado da lide, com fulcro no inciso I do artigo 330 do CPC.
Passo a enfrentar as preliminares.
DAS PRELIMINARES:
Inépcia Inicial:
O requerido deduziu que a petição inicial é inepta, na medida em que os pedidos formulados pelo autor ministerial não são específicos, ou seja, inexiste qualquer delimitação de quais penas poderiam ser aplicadas ao réu, em caso de procedência do pedido autoral. Assim, requereu que fosse reconhecida a inépcia da petição inicial, sendo extinto sem o julgamento de mérito.
No que tange à inépcia da petição inicial, dispõe o artigo 295, parágrafo único do CPC que se considera inepta a petição inicial quando lhe falte pedido, causa de pedir ou quando da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão pretendida. Todavia, essa situação não é a que ocorre nos presentes autos, tendo em vista que a peça vestibular apresentou de forma clara os fatos ocorridos, tendo todos eles correlação lógica com os pedidos elencados. Além do mais, os pedidos formulados pelo Ministério Público Estadual estão corretos, como sendo a aplicação das sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa.
Pelo exposto, sem maiores delongas, deve-se rejeitar esta preliminar.
Carência da Ação:
Ainda na sua contestação, o requerido argumentou que há carência da ação, dada a ausência de possibilidade jurídica da pretensão deduzida pelo Ministério Público Estadual, notadamente porque a exordial não foi instruída com os documentos necessários, que contenham indícios suficientes da existência de ato de improbidade administrativa. Ao contrário, a única prova presente seria gravações ilícitas, que não devem ser levadas em consideração. Assim, pretendeu que a presente ação fosse julgada extinta, sem o julgamento de mérito, nos termos do inciso VI do artigo 267 do CPC.
Em que pese os argumentos trazidos, a presente demanda está lastreada em documentos suficientes para analisar uma eventual prática de ato de improbidade administrativa. Nesse sentido, não há no que se falar em ausência de documentos indispensáveis para a propositura da ação. Pelo contrário, as provas colacionadas proporcionam uma exata delimitação da lide posta em juízo.
Logo, rejeita-se essa preliminar.
Passo ao exame do mérito.
MÉRITO.
A probidade administrativa consiste no dever do agente público em servir a administração pública com honestidade, ao proceder no exercício de suas funções, sem beneficiar dos poderes ou facilidades decorrentes do cargo em proveito pessoal ou, ainda, de terceiros. Dessa forma, o desrespeito a estes deveres elencados é o que caracteriza um ato de improbidade.
De acordo com a legislação pátria, os atos de improbidade administrativa abrangem aqueles que importam em enriquecimento ilícito para o agente público ou para o terceiro beneficiário, que causam lesão ao erário e que são lesivos aos princípios norteadores da administração pública. Para tanto, o legislador apresenta nos artigos 9º, 10 e 11 da Lei nº 8.429/92 um rol exemplificativo de condutas que devem ser veementemente combatidas pelo Poder Judiciário, por meio da cominação das sanções legalmente previstas para este fim.
Entretanto, a subsunção de uma conduta fática presente nos referidos artigos depende da demonstração cabal dos seguintes elementos: sujeito passivo, sujeito ativo e ocorrência de ato danoso causador de enriquecimento ilícito, prejuízo ao erário público ou atentado contra os princípios da administração pública.
Com isso, somente com a presença de tais elementos é que o agente administrativo e, eventualmente, um terceiro poderão sofrer as sanções estabelecidas no artigo 12 da Lei nº 8.429/92, caso contrário, não havendo a identificação de alguns deles, inviabilizada está qualquer forma de condenação.
Nessa demanda, consoante já relatado, pretende o Ministério Público Estadual a condenação do requerido Júlio Cezar Costa nas sanções previstas no inciso III, do artigo 12, da Lei nº 8429/92, pela suposta prática do tipo ímprobo previsto no artigo 11, caput e inciso I, do aludido diploma legal. Assim, em suas razões, além de sustentar a violação aos princípios da administração pública, argumentou o órgão ministerial que também foram violados as regras previstas nos artigos 26 e 29 da Lei Estadual nº 3.196/78, que regula a situação, as obrigações, os deveres, os direitos e as prerrogativas dos policiais militares estaduais.
Nesse sentido, alegou o autor ministerial que o requerido, no exercício da sua função de Coronel da Polícia Militar do Estado do Espírito Santo, no dia 12 de julho de 2010, por volta das 21:00 horas, teria interferido em uma determinada ocorrência de policial de trânsito, com a suposta finalidade de fornecer benefícios a um amigo, o Sr. Jonhny Estefano Ramos Lievori.
O modus operandi da suposta interferência teria ocorrido através de uma ligação do requerido ao Centro Integrado de Operações e Defesa Social do Espírito Santo – CIODES. Naquela oportunidade, movido por sentimento pessoal, teria intervido de maneira ilegal, imoral e arbitrária na ocorrência de trânsito em curso, constrangendo, com isso, os policiais militares de menor patente a conferir tratamento diferenciado ao suposto infrator.
No entanto, em que pese os fatos e fundamentos apresentados pelo Parquet na peça vestibular, não é essa a realidade extraída das provas existentes. Ao contrário, consoante será especificado a seguir, o requerido não praticou qualquer ato de improbidade administrativa.
Porém, antes explicar as razões de tal entendimento, é importante esclarecer uma questão amplamente debatida nos autos: a existência ou não de prova ilícita, consistente na gravação do telefonema do CIODES, embora já tenha sido alvo de análise na decisão que recebeu a inicial.
No que tange ao conceito de prova ilícita em torno das situações das gravações telefônicas, é imprescindível colacionar parte do voto proferido pelo Desembargador José Paulo Calmon Nogueira da Gama, relator do recurso de agravo de instrumento nº 024.11.900538-7, in verbis:
“Determina o inciso XII do artigo 5º da Constituição da República que “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”.
Regulamentando o inciso XII, parte final, do art. 5º da CF, foi publicada a Lei n.º 9.296/96. Após atenta leitura dos mencionados diplomas normativos, verifica-se que a restrição prevista no inciso XII do artigo 5º da CF incide apenas à interceptação de comunicações telefônicas, mas não às gravações de conversas realizadas por um dos interlocutores.
Conforme jurisprudência pacífica dos Tribunais Superiores, registre-se, tanto do Supremo Tribunal Federal, quanto do Superior Tribunal de Justiça, não há causa legal específica de sigilo nem de reserva da conversação, sendo lícita a prova consistente em gravação de conversa telefônica realizada por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro, senão vejamos: […]
Dessarte, verifica-se que todas as Turmas do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, com competência para análise da matéria, diferenciam a gravação da conversa alheia (interceptação) do registro de comunicação própria, ou seja, em que há apenas os interlocutores e a captação é feita por um deles sem o conhecimento da outra parte.
No caso, não há dúvidas que em nenhum momento ocorreu gravação de conversa alheia (interceptação), mas mero registro de comunicação própria, não havendo nenhuma proibição quanto a esta conduta no ordenamento jurídica nacional.
E mais, reforça a licitude da prova sob exame o fato de que o agravante, antigo Coronel da Polícia Militar, tem conhecimento, fato público e notório, de que todos os diálogos travados no CIODES – telefone 190 (cento e noventa), são gravados, até mesmo para segurança do próprio usuário, que, em situação de risco, eventualmente, não poderá repetir uma informação anteriormente prestada, por diversos motivos, como p. ex. ameaça de um criminoso, problemas de saúde etc., mostrando-se plenamente justificável e de utilidade social a referida gravação, como forme de recuperar dados valiosos para o sucesso de uma empreitada policial.
Logo, não convence a alegação de que a única prova que embasa o deferimento da liminar, para comprovar o risco do dano irreparável, é a degravação feita a partir de interceptação ilícita e não se pode propor uma ação de improbidade administrativa com esteio em interceptação ilícita.”
Logo, conforme esboçado, o argumento de que a utilização da gravação telefônica do CIODES pelo Ministério Público Estadual seria uma prova ilícita está plenamente esvaziado, de maneira que, considerando sua licitude, é documento hábil para embasar o entendimento do caso em si.
Com efeito, superada a questão sobre as provas dos autos, passo a demonstrar as razões que levaram ao entendimento de que o requerido não se comportou de maneira ímproba.
Inicialmente, registra-se que o ponto controvertido dessa lide é se o requerido, aproveitando-se do cargo público que ocupava, realizou a referida ligação ao CIODES movido por um sentimento exclusivamente pessoal, a fim de influenciar no curso normal da apuração policial e, em consequência, fazer com que um amigo não respondesse pelas eventuais irregularidades cometidas.
Todavia, não ficou estabelecido nos autos o nexo de causalidade entre a ação do requerido, representada por uma ligação ao CIODES, com algum benefício a um terceiro, qual seja tratamento diferenciado ao amigo.
Isto porque, conforme especificado nas fls. 32/38, está comprovado que a atitude tomada pelo requerido não impediu a lavratura de Boletim de Ocorrência Policial, assim como a confecção de quatro laudos de Infração de Trânsito em desfavor do seu amigo a que supostamente estaria beneficiando.
Além do mais, conforme se extrai da gravação, a orientação passada pelo requerido é de que havia a necessidade de enviar um policial ao local dos fatos, cujo objetivo era o de averiguar a legalidade do procedimento dos militares, como também se havia alguma ofensa física ou psíquica a terceiros.
Logo, inexistem quaisquer indícios de que o requerido interferiu, de maneira ilegal, na ocorrência policial de trânsito de forma a favorecer um amigo pessoal, o Sr. Jonhny Estefano Ramos Lievori, a livrar-se da aplicação da específica legislação de trânsito e de suas consequências.
Aliás, os termos de declarações dos policiais militares que participaram da operação, tomados no curso do Procedimento Investigativo Criminal nº 001/2012, que tramitou no Ministério Público Estadual, são determinantes para demonstrar que não houve a tentativa de alterar os procedimentos normais de apuração. Vejamos alguns deles, sendo os termos do Soldado Mauro Domingos Pereira da PM (fls. 442/445) e Cap PM Roger de Oliveira Almeida (fls. 457/461), respectivamente :
“Que lhe foi perguntado se ele responder ordens do Cel PM Julio Cesar Costa ou do Cap PM Roger de Oliveira Almeida ou de superior hieráquico para deixar de agir na forma da lei? Respondeu que NÃO; Que lhe foi perguntado se lhe foi pedido para facilitar a ocorrência nº 10320659 datada do dia 12/07/2010, envolvendo o advogado Johnny Estefano Ramos Lievori? Respondeu que NÃO; […] Que lhe foi perguntado se foram feitas todas as notificações de trânsito contra o advogado Sr. Johnny? Respondeu que SIM, inclusive os números de auto de infração foram colacionados no histórico da ocorrência de fls. 71 dos autos […]” (fl. 444) (sic).
“[…] Que foi perguntado ao declarante se o Cel PM Júlio Cesar pediu para ele ou outro Oficial intervisse com o facilitador na ocorrência que envolvia o advogado? Respondeu que o Cel PM Julio Cesar apenas pediu para que o mesmo enviasse ao local um Oficial; […]” (fl. 458) (sic).
Corroboram com os depoimentos acima transcritos os termos de declaração prestados pelo Cap PM André Luis Moreira Lopes (fls. 447/450), pelo Sub Tenente PM Iranildo Correa Duarte (fls. 451/453) e pelo Ten Cel PM Tadeu Celante Weolffel (fls. 454/456), que deixam esclarecido a ausência de eventuais tentativas de influência por parte do requerido.
Inclusive, esta é a conclusão da Promotora Karla Sandoval na decisão do Procedimento Investigativo Criminal nº 001/2010, vide fls. 675 e 682 destes autos, onde esta exarou que:
“[…] Observa-se que as ordens emanadas pelo Oficial investigado foram no sentido de que providências fossem tomadas para que a lei e os direitos e garantias fundamentais fossem preservadas […]
Destarte, extrai-se das provas colhidas, após minudente e profunda análise, que não se pode atribuir ao Coronel Julio Cesar Costa o cometimento de qualquer crime, visto a inexistência de sequer um depoimento ou mesmo outra prova documental que o possa incriminar na condição de agente público que tivesse agido com interesse pessoal durante a ocorrência policial que envolveu advogado de seu rol de amizades. […]”
Ressalta-se, ademais, que a referida promoção foi homologada pelo Conselho Superior do Ministério Público do Espírito Santo, no processo nº 57046/2010, vide fls. 693 destes autos, foi exarado que:
“[…] Em momento algum foi solicitado ou determinado pelo investigado que houvesse qualquer favorecimento ao seu amigo, tampouco o descumprimento de normas de modo a que fosse liberado pelos policiais ou isentado das autuações pelas infrações de trânsito que foram lavradas conforme comprovam os documentos de fls. 289, 290 e 291.
[…]
Súmula: por maioria, homologar a promoção de arquivamento e remeter cópias do feito à Corregedoria-Geral da Polícia Militar e Corregedoria- Geral do Ministério Público, na forma do voto da E. relatora.”
Por estas razões apresentadas, não se pode afirmar que o requerido violou os princípios administrativos da legalidade, da impessoalidade e da moralidade ou que se comportou contrário aos preceitos legais, notadamente porque, conforme já estabelecido, a lei de trânsito foi devidamente aplicada (obediência à legalidade), não houve favoritismo por afinidades pessoais (obediência à impessoalidade) e, por fim, não se ofendeu a moralidade.
Perfilhando com este entendimento, é interessante colacionar parte da doutrina do autor Celso Antônio Bandeira de Mello, senão vejamos:
“No princípio da impessoalidade se traduz a idéia de que a Administração tem que tratar a todos os administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas. Nem favoritismo nem perseguições são toleráveis. Simpatias ou animosidades pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir na atuação administrativa e muito menos interesses sectários, de facções ou grupos de qualquer espécie”. (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito administrativo. 7. ed. São Paulo: Malheiros Ed. p. 68).
Desta feita, o conjunto probatório constante dos autos deixa evidente que o requerido não praticou ato de improbidade administrativa no momento em que procedeu uma ligação ao CIODES com o intuito de obter informações acerca de uma ocorrência policial em desfavor de um amigo. Em outras palavras, não houve o uso do seu cargo público para para achacar os praças ou demais subalternos no sentido de conceder privilégios a terceiros, de forma que sua conduta não pode ser enquadrada como violadora dos princípios da administração pública.
Pelo exposto, tendo em vista as razões apresentadas ao longo dessa decisão, JULGO IMPROCEDENTE DOS PEDIDOS AUTORAIS e, por conseguinte, declaro extinto o processo com resolução de mérito, nos termos do inciso I do artigo 269 do Código de Processo Civil.
Deixo de condenar o Ministério Público Estadual no pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, haja vista não se encontrar caracterizado a hipótese do artigo 18 da Lei nº 7.347/85.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Vitória-ES, 18 de abril de 2012.
JORGE HENRIQUE VALLE DOS SANTOS
JUIZ DE DIREITO