Estudo inédito do Instituto de Pesquisa de Economia Aplicada (Ipea) indica que, para cada real investido no Programa Estado Presente, houve um ganho de bem-estar social, relativamente apenas ao número de vidas poupadas, equivalente a R$ 2,4. O estudo foi feito entre 2011 e 2014, quando o Programa Estado Presente em Defesa da Vida foi inserido pela primeira vez na segurança pública do Espírito Santo pelo então governador Renato Casagrande. No período, 1.711 vidas foram poupadas.
O programa, entretanto, deixou de ter sequência nos quatro anos posteriores, na gestão do governo Paulo Hartung. Foi retomado em janeiro de 2019, quando Casagrande assumiu, de novo, o governo capixaba.
O estudo se chama “Uma Avaliação de Impacto de Política de Segurança Pública: o Programa Estado Presente do Espírito Santo”. É assinado pelos professores Daniel Ricardo de Castro Cerqueira, técnico de Planejamento e Pesquisa na Diretoria de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia (Diest) do Ipea; Darcy Ramos da Silva Neto, pesquisador do Subprograma de Pesquisa para o Desenvolvimento Nacional (PNPD) na Diest/Ipea; Danilo Santa Cruz Coelho, técnico de Planejamento e Pesquisa na Diest/Ipea; e Gabriel de Oliveira Accioly Lins, pesquisador do PNPD na Diest/Ipea.
Eles relatam no documento que, desde 1980, o Brasil assiste a uma escalada da criminalidade violenta. As consequências desse fenômeno, dizem os professores, em termos de perda de bem-estar econômico e social, assim como para o bom funcionamento do Estado democrático de direito, são dramáticas.
“Não obstante, as políticas de segurança pública, via de regra, seguem um mesmo itinerário, marcado pela falta de diagnósticos e planejamentos precisos, pela improvisação e pela mera replicação de práticas de um sistema de segurança pública obsoleto, cujas bases institucionais remontam ao Código do Processo Penal de 1941”, explicam os pesquisadores.
Nesse cenário, prosseguem, o Espírito Santo trouxe novidades promissoras ao campo das políticas públicas. Em primeiro lugar, se percebeu um processo de maturidade política, na contramão dos típicos processos de descontinuidade política pela mudança de mandatos de gestão.
“A continuidade e o aprimoramento da política prisional responsável pelo saneamento do sistema, até 2010, foram mantidos nos anos subsequentes”, diz o estudo.
Em seus dois mandatos anteriores, o governador Paulo Hartung mudou a realidade do sistema prisional capixaba, com investimentos na construção e modernização de presídios. Essa modernização, com a ampliação da vigilância e adoção de políticas sociais, visando, sobretudo, a ressocialização dos apenados, foi mantida pelo governador Renato Casagrande, que governou o Estado entre 2011 e 2014.
Em segundo lugar, aponta o Ipea, se inaugurou um programa de segurança pública baseado no planejamento, no método e nas evidências empíricas, cujo principal fiador foi o próprio governador do Estado, Renato Casagrande.
No entanto, em 2015, quando voltou a governar o Estado até 2018, Hartung não deu continuidade ao Estado Presente e acabou com o programa, junto com seu secretário da Segurança Pública, André Garcia.
De acordo com os professores Daniel Cerqueira, Darcy Ramos Neto, Danilo Santa Cruz Coelho e Gabriel de Oliveira Lins, o principal propósito do estudo foi o de avaliar o impacto da política para a redução dos homicídios no Espírito Santo. Por isso, empregaram a metodologia do controle sintético.
Segundo eles, as principais evidências obtidas indicaram que, sem a política capixaba de saneamento do sistema prisional e de adoção do Programa Estado Presente, o número de homicídios no Estado não apenas teria diminuído 10,2%, mas teria crescido 29%, entre 2010 e 2014.
“Olhando apenas para o ano de 2014, o número contrafactual de homicídios seria 20,3% maior do que o observado. Em termos estatísticos, nossos cálculos indicaram que, entre 2010 e 2014, 1.711 vidas foram poupadas como consequência da política capixaba”, explicou os professores
De acordo o Ipea, considerando-se os gastos com o sistema prisional e com a implementação do Programa Estado Presente, e levando-se em conta ainda o valor estatístico da vida, estimado pelo professor Daniel Cerqueira (2014), “concluímos que, para cada real investido, houve um ganho de bem-estar social, relativamente apenas ao número de vidas poupadas, equivalente a R$ 2,4.”
Eles ponderam, entretanto, que é necessário referir as limitações desta pesquisa. A primeira delas é evidente na construção do contrafactual – mesmo que os valores sejam bem aproximados, não apresentam convergência perfeita com a realidade da unidade tratada.
“Portanto, é necessária muita cautela ao se basear a análise em números absolutos. Importante salientar, ainda, que os anos pós-intervenção, entre 2010 e 2014, foram escolhidos de forma a fechar o último governo completo (em 2014), e poderia ser realizado um avanço da análise para anos mais recentes, quando o Programa Ocupação Social sucedeu o Estado Presente.”
Por fim, dizem escrevem eles na apresentação do estudo, “é importante salientar que os benefícios do PEP não se restringem apenas às vidas poupadas, mas se relacionam também à diminuição da prevalência de outros crimes não avaliados aqui. Além disso, ainda que o programa tenha sido orientado para diminuir as mortes violentas, as ações multissetoriais devem ter ensejado externalidades positivas em algumas dimensões, como educação e organização urbana, entre outras. Portanto, é provável que o cálculo do custo-benefício esteja significativamente subestimado, em face do escopo deste trabalho, de analisar apenas a questão das mortes violentas intencionais.”
Concluem dizendo, que, “naturalmente, uma extensão da atual pesquisa poderia levar em conta novos aprimoramentos no método do controle sintético, que tem evoluído muito nos últimos anos, além de analisar outras dimensões de benefícios, como as apontadas. Em última instância, tais resultados mostram que a gestão qualificada e comprometida salva vidas, além de ser economicamente viável.”
Saiba Mais
Segundo o estudo do Ipea, entre 1980 e 2010, o Espírito Santo experimentou uma escalada de homicídios em velocidade duas vezes maior que a observada na média nacional. Entre 1993 e 2012, o estado esteve quase sempre entre os três mais violentos do País.
Em 2009, a taxa de homicídios por 100 mil habitantes atingiu a marca de 56,9 (mais do que o dobro da média nacional naquele ano, de 27,2), ao mesmo tempo que o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) pedia uma intervenção federal no sistema prisional daquele estado.
O aumento nas taxas de homicídios por 100 mil habitantes no país, entre 1980 e 2010, foi de 137,8%. No Espírito Santo, tal processo de violência letal se deu de forma ainda mais intensiva, em uma velocidade equivalente a quase duas vezes a nacional, tendo sido o aumento dos homicídios, no Estado, de 238,2%. Assim, enquanto as taxas nacional e capixaba eram relativamente próximas em 1980 (15,1 e 11,7/100 mil hab., respectivamente), em 2010, tais diferenças eram notáveis (27,8 e 51,0/100 mil habitantes, respectivamente).