Há algum tempo ouvi de um amigo amargas queixas sobre a violência que macula nosso país. Concordei com ele. Realmente é vergonhoso o quadro. Eis que, no meio da conversa, ele citou como modelo um dado país europeu no qual ‘o povo é mais civilizado e os índices de criminalidade são baixos’. Fiquei a meditar sobre esta afirmação.
Poucos dias depois li, em um jornal europeu, séria reportagem sobre um banco precisamente daquele país ‘cujo povo é mais civilizado’. Denunciou-se a ocultação e mesmo a lavagem de fortunas imensas pertencentes a corruptos, traficantes de drogas ilícitas e até de seres humanos etc.. Juntos, segundo apurado, depositaram naquela instituição, longe dos olhos das autoridades, uns bons US$ 86 bilhões. É muito dinheiro.
Chamou-me a atenção, em especial, que pessoas apontadas como responsáveis por guerras e massacres lá encontraram refúgio para as fortunas que amealharam – construídas todas sobre os corpos sem vida de tantos semelhantes nossos.
Não nos esqueçamos, claro, dos corruptos. A relação abrange poderosos mandatários de praticamente todos os continentes. Inclui alguns de países miseráveis, cujo povo padece sob os olhos de todo o planeta. Todos eles conseguiram, para a riqueza que amealharam, um porto seguro.
Fiquei a meditar sobre um ditado alemão segundo o qual “quem segura a escada é mau como o ladrão”. Pois é. Mas até onde li sequer um dos cúmplices de tanta gente ruim cumpriu um dia de prisão que seja – todos livres na alegre gastança da riqueza.
Veja que falamos de um único banco e de um quadro quase que histórico. Foi quando ocorreu-me que aqueles poucos executivos de um único poderoso banco causaram mais danos à humanidade que toda – sim, toda – a população carcerária brasileira. Seja sob o aspecto humano ou financeiro, cometeram crimes pavorosos – o pior, no mais das vezes sob o olhar indiferente da maioria da população.
Veio-me à mente, então, sábia afirmação do criminalista Alfredo Nicéforo: “O mal e a dor não se volatilizam sob a chama abrasadora do progresso humano. Transformam-se. E o crime, filho primogênito do mal, obedece a esta regra”.
Sim, humilha-nos a violência cotidiana. Mas, pensando bem, não falemos em ‘índices de criminalidade’ ou ‘povos mais civilizados’ – ao fim do cabo vivemos todos uma mesma vergonha.