O advogado do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Paulo Amador da Cunha Bueno afirmou na sexta-feira (29/11), em entrevista ao programa ‘Estúdio I’, da Globo News, que Bolsonaro não se beneficiaria da trama golpista que consta no Inquérito da Polícia Federal. O advogado ressaltou que o roteiro previa a criação de um gabinete de crise do qual o ex-presidente não faria parte, insinuando que o então mandatário poderia ser traído por membros das Forças Armadas, incluindo dois de seus mais fiéis ministros.
Na entrevista, Cunha Bueno destacou que um dos documentos apreendidos pela PF previa a criação de um “Gabinete Institucional de Gestão da Crise”, que seria comandado pelo então ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, e pelo general Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa, e não pelo presidente. “Quem seria beneficiado seria uma junta que seria criada após a operação Punhal Verde Amarelo. E nessa junta não estava incluído o Bolsonaro. O que está escrito no arquivo não beneficia o meu cliente. Quem iria assumir o governo em dando certo esse plano terrível, que nem na Venezuela chegaria a acontecer, não seria o Bolsonaro, seria aquele grupo. Não tem o nome dele lá, ele não seria beneficiado disso. Não é uma elucubração da minha parte. Isso está textualizado ali”, afirmou.
Perguntado se Bolsonaro seria traído pelos militares, Bueno assente com a cabeça e diz “Bom…ou, está na cara que ele não ia aderir.” Ainda de acordo com o advogado do ex-presidente, por esse motivo, Bolsonaro não tinha obrigação de denunciar o golpe. “É crível que as pessoas o abordassem com todo tipo de proposta, é fato que ele [Bolsonaro] não aderiu. (…) Não era obrigação dele denunciar”.
Cunha Bueno também afirmou que Bolsonaro não sabia do plano para matar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o vice Geraldo Alckmin (PSB) e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. “Ele não sabia disso. Esse Punhal Verde e Amarelo nunca chegou ao conhecimento dele”, comentou. Questionado sobre a estratégia de defesa do ex-presidente considerar ou não uma eventual prisão de Bolsonaro, Cunha Bueno descartou a possibilidade. “Não faria sentido que houvesse algum tipo de prisão. (…) O que eu espero em primeiro lugar é que meu cliente seja julgado pela corte competente, por juízes imparciais e não por desafetos pessoais. Isto é o mínimo que alguém acusado, eventualmente, tem o direito de ter”, disse.
A investigação da PF aponta que o plano buscava manter Bolsonaro no cargo. O gabinete de crise tinha como objetivo, de acordo com o relatório da Polícia Federal, manter a estabilidade institucional após o golpe, realizar a segurança e coordenar e fiscalizar uma nova eleição. Outro plano, a “Operação 142”, previa “prorrogação dos mandatos” antes da preparação para novas eleições.
Bolsonaro deixa generais na pior
Após ter os militares como um dos pilares de seu governo e de sua base eleitoral, o ex-presidente Bolsonaro adotou como estratégia de defesa atribuir a integrantes da caserna o plano apontado pela Polícia Federal para impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), se eximindo de responsabilidade, de acordo com O Globo. Indiciado por tentativa de golpe de Estado, Bolsonaro tem adotado uma linha de defesa que conflita com elementos levantados durante as investigações, como depoimentos, documentos e trocas de mensagens. O ex-presidente, por exemplo, admite ter discutido alternativas jurídicas após não conseguir se reeleger. Ele alega que esses mecanismos estão previstos na Constituição Federal, mas cita medidas de exceção que não se aplicam a questões eleitorais.
A investigação foi concluída na semana passada pela PF. Agora, a Procuradoria-Geral da República decidirá se apresenta uma denúncia. Caso a acusação seja formalizada, os investigados poderão apresentar uma resposta oficial, antes de a acusação ser apreciada pelo Supremo Tribunal Federal. Apontado pela PF como alguém que “planejou, atuou e teve domínio” do plano golpista, Bolsonaro tem minimizado as suspeitas sobre ele ao afirmar que todas as discussões que participou foram “dentro da Constituição”.
“Os comandantes das Forças falam que ‘Bolsonaro discutiu conosco hipóteses de (artigo) 142, Estado de Sítio, Estado de Defesa”. E eu discuti, sim. Não foi nenhuma discussão acalorada. Golpe usando a Constituição? O que está dentro da Constituição você pode utilizar”, afirmou Bolsonaro, na quinta-feira.
Esses mecanismos, contudo, não são previstos para reverter o resultado de uma eleição, como foi estudado. O Estado de Defesa pode ser aplicado para conter “grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza”. Já o Estado de Sítio deve ser acionado contra “declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira” ou “comoção grave de repercussão nacional”. Para André Perecmanis, professor de Direito da PUC-Rio, houve tentativa de dar uma “roupagem jurídica” para um ato que seria “flagrantemente ilegal”.
“Não havia hipótese de decretação de Estado de Sítio, porque as Forças Armadas não são Poder Moderador. Nada daquilo tinha base jurídica”.
Outro questionamento feito pelo ex-presidente Bolsonaro para tentar tirar a credibilidade da investigação é o fato de a trama, segundo a PF, envolver militares que não possuíam poder de comando. “Cadê a tropa? Cadê as Forças Armadas?”, questionou em “live”. Entretanto, um dos principais pontos da investigação é o fato de o ex-presidente ter apresentado um decreto golpista aos comandantes das Forças. Os chefes do Exército, Marco Antônio Freire Gomes, e da Aeronáutica, brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, confirmaram em depoimento à PF que receberam a proposta e afirmaram que o chefe da Marinha, almirante Almir Garnier Santos, foi o único a se colocar à disposição do então presidente. A defesa de Garnier diz que ele é inocente. A Polícia Federal aponta a recusa de Freire Gomes e Baptista Junior como decisiva para o golpe não acontecer, assim como a posição contrária da maioria do Alto Comando do Exército.
Para o advogado Fabio Tofic, do Instituto de Defesa do Direito de Defesa, Bolsonaro tinha a obrigação de tomar providências caso soubesse de um plano golpista, como admitiu seu advogado: “Ele é o chefe do Estado brasileiro. Se ele toma conhecimento de que existe uma tentativa de golpe, e ele silencia, no mínimo está sendo conivente.”