A Justiça condenou o deputado federal Gilvan Aguiar Costa, o Gilvan da Federal (PL), a três anos e quatro meses de detenção pela acusação de caluniar, difamar e injuriar a ex-vice-governadora do Espírito Santo e atual secretária de Estado das Mulheres, Jacqueline Moraes (PSB). De acordo com a Queixa-Crime nº 0016489-12.2021.8.08.0024, Gilvan da Federal usou as redes sociais para acusar Jacqueline de ter se enriquecido ilicitamente quando exerceu o mandato de vereadora de Cariacica. O juiz da 2ª Vara Criminal de Vitória, Luiz Guilherme Risso, que proferiu a sentença na segunda-feira (05/02), decidiu que, “tendo em vista que a pena fixada não excedeu o patamar de quatro anos “e o réu preenche os demais requisitos legais”, substituir a pena privativa de liberdade, seguindo a regra do artigo 45, §1º, condenando Gilvan da Federal ao pagamento de 30 salários mínimos à vítima. Como o salário mínimo hoje é de R$ 1.412,00, o valor da condenação, caso o réu fosse pagar agora, chegaria a R$ 42.360,00. O magistrado também condenou o deputado federal por dano moral, tendo que indenizar a ex-vice-governadora em R$ 10 mil. Na época dos fatos, Gilvan era vereador pela cidade de Vitória.
De acordo com a Inicial, em montagem divulgada por Gilvan da Federal em sua rede social Instagram, consta sobreposição de imagens de Jacqueline Moraes, inserindo afirmações falsas que buscam – na intenção dolosa do autor do fato — indicar que a ex-vice-governadora “enriqueceu após o exercício de mandato de vereadora e o fez ilicitamente, a sugerir claramente a prática do grave crime de corrupção passiva.” Dessa forma, o advogado ode Jacqueline, Luís Eduardo Lisboa Correa, indicou a prática dos crimes previstos nos artigos 138 (caluniar), 139 (difamar) e 140 (injuriar), com a majoração prevista no artigo 141, incisos I e II, todos do Código Penal.
O representante do Ministério Público Estadual requereu a remessa dos autos à Procuradoria Geral de Justiça, em razão do disposto na Lei Complementar Estadual nº 95/97, tendo sido deferido. Nos autos, a procuradora-geral de Justiça, Luciana Andrade, a condição de fiscal da lei, se manifestou pela procedência da ação penal privada com a condenação de Gilvan da Federal.
O acusado, em seu interrogatório em juízo, alegou o seguinte: “Que recebeu uma denúncia de um vídeo, que uma pessoa que se identificou como sobrinho da vice-governadora (agora não se lembra), falando com o Presidente à época Jair Bolsonaro; Que no vídeo essa pessoa falava com o Presidente que era sobrinho da vice-governadora e ela era camelô e da noite para o dia virou vice-governadora e é cheia de fazendas; O interrogando disse que no exercício de sua atividade parlamentar, comentou isso na Tribuna da Câmara e ainda abriu aspas, ou seja, não acusou a ex vice-governadora de nada; Que não disse que ela enriqueceu ou tem várias fazendas; Que simplesmente replicou o que recebeu e disse ‘olha, alguém disse que era sobrinho da vice-governadora e disse que ela de camelô passou a vice-governadora e tem várias fazendas e eu vou oficiar ao Ministério Público para investigar’; Que fez um ofício e encaminhou ao Ministério Público para investigação, até porque não tinha atribuição de investigar a vice-governadora e foi apenas isso; Que não quis de forma alguma denegrir a imagem ou honra da vice-governadora, tendo apenas citado o que essa pessoa falou e pedi as investigações ao Ministério Público; Que no vídeo não aparece a pessoa que se apresenta como tal, somente aparece a voz dessa pessoa; Que volta a dizer que abriu aspas no Parlamento; Que novamente disse que em momento algum teve a intenção de acusá-la de enriquecer ilicitamente, tendo apenas citado o que constava no vídeo e oficiou o Ministério Público”.
A defesa de Gilvan da Federal alegou no processo que as manifestações foram realizadas por ele quando estava no exercício de suas funções decorrente do cargo que exercia de vereador, sendo direcionados (os fatos) à comunidade local, seus eleitores. Ademais, suscita que sua manifestação decorreu de seu dever de fiscalização da administração pública e, por isso, levou a conhecimento do Ministério Público a denúncia. Na sentença, entretanto, o juiz Risso pondera:
“Segundo o renomado doutrinador Marcelo Novelino, ‘os vereadores não gozam das mesmas garantias conferidas aos parlamentares federais e estaduais. A Constituição de 1988 inovou em relação à imunidade material dos edis, assegurando-lhes inviolabilidade por suas palavras, votos e opiniões no exercício do mandato e na circunscrição do Município (CF, art. 29, VIII). Essa inviolabilidade afasta a responsabilidade penal e civil apenas em relação às manifestações relacionadas ao exercício do mandato e desde que exteriorizadas dentro dos limites territoriais do Município. Diversamente do tratamento conferido aos parlamentares federais, em relação aos quais não há referência a qualquer limitação expressa no texto constitucional (CF, art. 53), a inviolabilidade dos vereadores exige que a manifestação oral ou escrita guarde relação com o exercício do mandato e o interesse do Município independentemente do local de sua ocorrência. Mesmo quando manifestadas dentro do plenário da Câmara Municipal, as palavras e opiniões só estão cobertas pela imunidade se tiverem pertinência com o exercício da função parlamentar.”
Por isso, afirma o juiz Luiz Guilherme Risso, a imunidade parlamentar dos vereadores é relativa, possuindo a inviolabilidade por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato e na circunscrição do município de atuação. Ocorre que, a imunidade parlamentar não pode resguardar a prática de delitos, porquanto caracterizaria desvio de finalidade do instituto, é o que se depreende do entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal.”
O magistrado ensina ainda: “É necessário que haja uma vinculação entre a manifestação e o exercício do cargo, a fim de que a liberdade de expressão não seja usada de forma abusiva a ofender terceiros ou para incitar a prática de delitos, sendo que nesses casos não haverá a incidência da cláusula de imunidade, sendo essa a linha de intelecção adotada pelo Supremo Tribunal Federal. Desta feita, vê-se que as manifestação realizadas pelo Querelado (Gilvan da Federal) em desfavor da Querelante (Jacqueline Moraes) não possuem vínculo com a atividade legislativa. Além disso, em que pese a douta defesa sustentar que referidas manifestações foram realizadas em decorrência do dever de fiscalização da administração pública por parte do cargo ocupado pelo acusado, razão não assiste, uma vez que, além do acusado não ter à época atribuição para investigar a Querelante que ocupava o cargo de vice-governadora, vê-se que o pedido de investigação formulado pelo Querelado ao Ministério Público ocorreu em 18/11/2021, consoante se verifica do ofício acostado às fls. 95/96, ou seja, após o oferecimento da Queixa-Crime pela Querelante em 09/11/2021. Portanto, em razão da não vinculação entre as manifestações do Querelado e o cargo de vereador do município exercido por ele à época dos fatos, bem como em decorrência de todo o exposto anteriormente, não há que se falar em incidência da Imunidade Parlamentar ao caso em análise.”
Na análise das provas, o juiz Guilherme Risso ressalta que é importante diferenciar os crimes de calúnia, injúria e difamação: “A calúnia consiste em atribuir falsamente a alguém a prática de fato definido como crime. O fato deve ser verossímil, contra pessoa certa e determinada, atingindo a honra objetiva de uma pessoa, ou seja, sua reputação perante a sociedade, consumando-se quando chega ao conhecimento de terceiro. A difamação, por sua vez, é atribuir fato não criminoso a alguém, mas que tem a capacidade de macular a reputação da vítima. Diferentemente da calúnia e da difamação, a injúria tutela a honra subjetiva da vítima, ofendendo sua dignidade ou decoro, consumando-se com o conhecimento do ofendido.”
Ao analisar todas as provas, o magistrado concluiu: “Em que pese o acusado alegar em Juízo, em seu interrogatório, que apenas reproduziu na tribuna a fala contida no vídeo extraído do youtube, na verdade, vislumbra-se através da sua fala na tribuna que ele aderiu ao conteúdo contido no vídeo, mesmo sabendo que a imputação contida nele era falsa, não tendo procurado saber sobre a veracidade das informações contidas em um vídeo em que sequer a pessoa que está falando aparece. Assim, restou demonstrado que o Querelado (Gilvan da Federal) aderiu ao conteúdo do vídeo por ele divulgado e ficou evidenciado que ele atribui à Querelante a conduta descrita no art. 317, do Código Penal — corrupção passiva.”
Juiz passa analisar a conduta de Gilvan da Federal em cada artigo que ele feriu
A) Com relação ao delito do artigo 138, §1º, do Código Penal, “a culpabilidade, reprovação do fato e de seu autor (Gilvan da Federal), ficou reconhecida aos autos, eis que o acusado, imputável e com potencial consciência da ilicitude, praticou o injusto (fato típico e antijurídico), porém não pode servir para agravar a pena base, pois a reprovabilidade social da conduta não extrapola a normalidade do crime.” E mais: “Considerando as circunstâncias judiciais, fixo a pena-base em 06 (SEIS) MESES DE DETENÇÃO E EM 10 (DEZ) DIAS-MULTA, sobre um quinquagésimo do salário mínimo vigente à época do fato, devidamente corrigido quando do pagamento. Inexistem circunstâncias atenuantes e agravantes. Em razão da incidência da causa de aumento prevista no artigo 141, inciso II, do Código Penal, aumento a pena em 1/3, fixando-a em 08 (OITO) MESES DE DETENÇÃO E EM 13 (TREZE) DIAS-MULTA, sobre um quinquagésimo do salário mínimo vigente à época do fato, devidamente corrigido quando do pagamento. Em razão da incidência da causa de aumento prevista no artigo 141, §2º, do Código Penal, aumento a pena em triplo, fixando-a em 02 (DOIS) ANOS DE DETENÇÃO E EM 39 (TRINTA E NOVE) DIAS-MULTA, sobre um quinquagésimo do salário mínimo vigente à época do fato, devidamente corrigido quando do pagamento, tornando-a definitiva por não haver outras circunstâncias atenuantes ou agravantes e nem causas de diminuição ou aumento de pena a serem analisadas.”
B) Com relação ao delito do artigo 139 do Código Penal: “Considerando as circunstâncias judiciais, fixo a pena-base em 03 (TRÊS) MESES DE DETENÇÃO E EM 10 (DEZ) DIAS-MULTA, sobre um quinquagésimo do salário mínimo vigente à época do fato, devidamente corrigido quando do pagamento. Inexistem circunstâncias atenuantes ou agravantes. Em razão da incidência da causa de aumento prevista no artigo 141, inciso III, do Código Penal, aumento a pena em 1/3, fixando-a em 04 (QUATRO) MESES DE DETENÇÃO E EM 13 (TREZE) DIAS-MULTA, sobre um quinquagésimo do salário mínimo vigente à época do fato, devidamente corrigido quando do pagamento. Em razão da incidência da causa de aumento prevista no artigo 141, §2º, do Código Penal, aumento a pena em triplo, fixando-a em 01 (UM) ANO DE DETENÇÃO E EM 39 (TRINTA E NOVE) DIAS-MULTA, sobre um quinquagésimo do salário mínimo vigente à época do fato, devidamente corrigido quando do pagamento, tornando-a definitiva por não haver outras circunstâncias atenuantes ou agravantes e nem causas de diminuição ou aumento de pena a serem analisadas.”
C) Com relação ao delito do artigo 140 do Código Penal: “Considerando as circunstâncias judiciais, fixo a pena-base em 01 (UM) MÊS DE DETENÇÃO. Em razão da incidência da causa de aumento prevista no artigo 141, inciso II, do Código Penal, aumento a pena em 1/3, fixando-a em 01 (UM) MÊS E 10 (DEZ) DIAS DE DETENÇÃO, tornando-a definitiva por não haver outras circunstâncias atenuantes ou agravantes e nem causas de diminuição ou aumento de pena a serem analisadas. Em razão da incidência da causa de aumento prevista no artigo 141, §2º, do Código Penal, aumento a pena em triplo, fixando-a em 04 (QUATRO) MESES DE DETENÇÃO, tornando-a definitiva por não haver outras circunstâncias atenuantes ou agravantes e nem causas de diminuição ou aumento de pena a serem analisadas.”
Prossegue o magistrado: “Tendo em vista que os crimes foram praticados em concurso material, incide a aplicação do artigo 69 do Código Penal, razão pela qual aplico cumulativamente as penas ao sentenciado, fixando-a no total de 03 (TRÊS) ANOS E 04 (QUATRO) MESES DE DETENÇÃO E EM 78 (SETENTA E OITO) DIAS-MULTA, sobre um quinquagésimo do salário mínimo vigente à época do fato, devidamente corrigido quando do pagamento, tornando-a definitiva, por não haver outras circunstâncias atenuantes ou agravantes e nem mais causas de diminuição ou aumento de pena a serem analisadas.”
O juiz Guilherme Risso estabeleceu o regime aberto para o início do cumprimento da pena, nos termos do art. 33, §2º, “c” do Código Penal, tendo em vista o quantum de pena fixado. Porém, “tendo em vista que a pena fixada não excedeu o patamar de 04 (quatro) anos e o réu preenche os demais requisitos legais, aplico os ditames do artigo 44, do Código Penal, por ser medida socialmente recomendável, razão pela qual substituo a pena privativa de liberdade, seguindo a regra do artigo 45, §1º, condenando o réu ao pagamento de 30 (trinta) salários mínimos à vítima.”
O magistrado ainda condenou o réu Gilvan da Federal ao pagamento das custas e multas processuais, nos termos do artigo 804 do Código de Processo Penal. Depreende-se através do artigo 387, inciso IV do CPP, bem como do entendimento dominante do Superior Tribunal de Justiça, que é cabível a fixação de valor mínimo para a reparação de danos sofridos pela vítima (Jacqueline Moraes”, observa o magistrado na sentença:
“In casu, verifica-se que a conduta praticada pelo Querelado (Gilvan da Federal) causou diversos danos à reputação e dignidade da vítima. Ora, uma vez que o dano moral ex delicto ocorre in re ipsa, ou seja, surge da própria conduta típica, necessário se torna a fixação de quantum mínimo em favor da vítima Jacqueline Moraes da Silva, porquanto restou comprovada a prática delitiva por parte do Querelado, bem como os danos causados à imagem da vítima. Desta feita, fixo a quantia de R$ 10 mil, sendo a título de valor mínimo para reparação dos danos causados pelos crimes em comento, nos termos do artigo 387, IV, do CPP e condeno o Querelado ao pagamento da respectiva importância.”