Elas são quase 15 mil de um total de 28 mil inscrições na Ordem dos Advogados do Brasil, seccional do Espírito Santo. Portanto, pouco mais de 50% dos profissionais do ramo da advocacia em solo capixaba são mulheres. E, nesta sexta-feira (15/12), é celebrado o Dia da Mulher Advogada. Entretanto, apesar de serem maioria, elas ainda precisam se fazer ouvidas em muitos espaços de decisão, embora ultimamente tenham conquistado o mercado graças à qualificação e ao empreendedorismo. Todavia, no dia a dia enfrentam machismo, assédio moral e sexual e a falta de ocupação de espaços de liderança. Uma mulher nunca comandou a OAB/ES, ao mesmo passo em que são minoria no comando das subseções estaduais.
Este Blog do Elimar Côrtes traz para este debate duas lideranças femininas da advocacia capixaba: a presidente da Subseção da OAB de Cariacica (que engloba também os municípios de Viana e Santa Leopoldina), Kelly Andrade, e a diretora Regional da Associação Brasileira de Advogados (ABA) no Espírito Santo, Erica Neves. As duas dirigentes falam das conquistas, dos desafios, das angústias da profissão e, ao mesmo tempo, apontam soluções que podem pautar as mulheres advogadas a buscar mais espaços e conquistas profissionais. Abaixo, o que elas disseram sobre vários temas.
Erica Neves
Dia para se comemorar: Temos que comemorar esta importante data, mas com um olhar voltado para avanços e superações da advocacia feminina. Nos últimos 20 anos vivo e percebo com felicidade essa evolução. As mulheres vêm atuando em todas as áreas do Direito e cada vez mais procuram se qualificar em suas áreas. Buscaram o empreendedorismo e estão avançando muito no mercado com uma gestão super qualificada dos seus próprios escritórios. A visão da sociedade vem mudando muito justamente porque cada dia mais temos advogadas de referências inquestionáveis, levando confiança para quem contrata, que acaba validando a entrega de todas as profissionais. Acredito muito nisso: o êxito qualificado de uma profissional reflete em todas, mas ainda falta um tanto para que seja um justo reconhecimento.
Atuação dentro da OAB/ES: A nossa instituição sempre foi comandada por advogados, homens, isso é real, é fato. Todos tiveram seus méritos e avanços, o que não se discute. Porém, no decorrer dos anos, com a quantidade de mulheres na advocacia e querendo entrar na vida institucional, a pressão para a criação de normas que resguardasse essa participação resultou na obrigatoriedade de paridade de gênero na formação das chapas. Acredito que o ideal seria não termos a necessidade de regular essa paridade, mas efetivamente existiam barreiras quase que insuperáveis. Analisando os dados, está claro que a paridade resultou na formação de lideranças femininas. Eu sou resultado da cota. E atuando no sistema enxerguei que a instituição precisava da nossa participação nas decisões. Hoje, entendo muito do sistema e sobre como ele funciona, me qualifiquei em gestão e tenho propósitos muitos claros para atualizar a Ordem em diversos pontos, desde o resgate da honorabilidade até a inclusão feminina nas decisões, chegando às alterações ultra necessárias de transparência e impessoalidade. Acredito que a excelência na gestão em longo prazo decorre, também, da alteridade do perfil das lideranças, e está provado que a alternância destas percepções (masculino e feminino) é essencial para o resultado de qualquer instituição, empresa ou governo. Homens e mulheres se complementam em características diferentes e depois de tantos anos com a contribuição masculina é dada a hora da nossa contribuição na Ordem.
Honorários desiguais: Precisamos reconhecer que em algumas áreas do direito ainda carregamos desconfianças que atingem nosso valor no momento da contratação, como por exemplo na área criminal. Há quem diga que a presença de um homem numa Delegacia de Polícia ou num presídio é mais eficaz, isso porque a mulher muitas vezes ainda é vista como frágil ou sem pulso para enfrentar um problema complexo. Isso também existe em outras áreas e o primeiro passo para solucionar é reconhecermos que existe. Acredito que a superação é baseada no decorrer do tempo com a qualificação e entrega. Existem uma infinidade de mulheres advogadas atuando no melhor nível da técnica e combatividade, basta uma chance para enxerga-las e verão que os seus honorários valem tanto ou mais do que o de outros colegas advogados.
Assédio moral e sexual: Esses dois tipos de assédios são muito mais reais do que se imagina. Quando fui secretária-geral adjunta da OAB/ES (entre 2016 e 20918), acolhi muitas colegas vítimas de assédio moral que afligia como pessoa e a desmotivava na profissão. Muitas tiveram que passar por tratamento psicológico. Fato é que ainda existem homens e mulheres que se sentem confortáveis em constranger com facilidade mulheres e não o fazem na mesma proporção com homens. Desde o atendimento no balcão, até no despacho com o Juízo e ou na Polícia. Como enfrentamos? Se colocando com postura firme e combativa em todos os ambientes para impedir que tal postura prejudique nosso trabalho, mostrando nossa qualificação profissional e moral nos nossos embates. Devemos, ainda, contar com a força institucional ao nosso lado, com ferramentas para denúncias e isso ser levada à frente com toda a força da instituição.
Kelly Andrade
Direitos da advogada-mãe: Hoje um dos maiores desafios que enfrentamos é fazer valer nossos direitos de mãe. Temos direitos previstos em leis, e em normas internas da OAB, que não vêm sendo respeitados. As prerrogativas no âmbito geral da advocacia não são respeitadas e, em especial, há mais desrespeito mais ainda em relação às prerrogativas das mulheres advogadas. Como exemplo, cito os direitos das advogadas gestantes, adotantes e lactantes – aquelas que amamentam seu bebê. A Lei Federal 8.906/94, em seu artigo 7ºA, lista, a partir das alterações feitas em 2016, uma série de direitos, como a entrada em Tribunais sem ser submetida a detectores de metais e aparelhos de raios X; reserva de vaga em garagens dos Fóruns dos Tribunais. E mais: a lactante, adotante ou quem deu à luz, tem direito a acesso a creche, onde houver, ou a local adequado ao atendimento das necessidades do bebê. O Fórum da Comarca de Vila Velha, por exemplo, não possui vagas em sua garagem para a advogada gestante.
A advogada que ganha bebê tem direito a 120 dias de licença maternidade, mas, como a maioria de nós trabalha de forma autônoma, quem paga os benefícios de quem contribui com a Previdência é o INSS. Porém, o dinheiro não dá para pagar as contas no final do mês. Existe na Lei Federal da Advocacia a previsão de suspensão de prazos processuais da mãe, quando ela for a única patrona da causa, mas nem todos os Tribunais aceitam essa norma.
Do parto para audiência: Em 2012, quando eu estava grávida de minha filha, hoje com 11 anos, encaminhei petição para uma juíza de uma das Varas de Família de Vila Velha solicitando que ela antecipasse uma audiência que eu teria junto com meu cliente ou redesignasse para depois que eu ganhasse neném. Juntei laudo médico, em que a minha ginecologista informou à juíza que eu estava com o parto marcado para o dia 31 de outubro de 2012 e que, por isso, eu deveria me afastar das atividades profissionais 15 dias antes do parto, até 120 dias depois. A magistrada, no entanto, indeferiu o pedido e me obrigou a participar da audiência. Assim que ganhei neném, ainda com cicatrizes da cesariana, fui para o Fórum de Vila Velha, com minha filha no colo e tendo dificuldade para andar. Frisa-se que na naquela época não havia previsão legal para suspensão dos prazos processuais, mas faltou um pouco de humanidade por parte da juíza.
Inteligência artificial: Tenho defendido a democratização das advogadas e dos advogados a ter acesso à Inteligência Artificial. A grande massa da advocacia não possui esse acesso, e defendo que a OAB precisa subsidiar esse acesso a fim de garantir um tratamento isonômico e equitativo a toda classe, para que todos tenham igualmente acesso às tecnologias de informação que geram mais eficiência e receita para os advogados. Hoje, pelo menos 90% dos profissionais da advocacia na Subsecção que presido não têm acesso aos sistemas modernos de gestão da advocacia. A OAB/ES é milionária, mas seus recursos não são bem administrados.
Problemas enfrentados com a OAB/ES: Em todo o Estado, existem 21 Subseções da Ordem. Deste total, cinco são presididas por mulheres (Cariacica, Colatina, São Mateus, Linhares e Guarapari). Um dos problemas que enfrento é a falta de autonomia na gestão da Subseção, que arrecada anualmente cerca de R$ 1,5 milhão para o caixa da OAB Estadual. Esses recursos não são aplicados na nossa região, uma vez que a OAB/ES não tem feito o repasse mensal para que a Subseção possa gerir o recurso e aplicar no que é necessário para advocacia local. Só recebo de volta dinheiro para pagar funcionários e as contas de água e luz.
Protagonismo feminino: Em todo o Brasil, as mulheres são maioria na advocacia. No Espírito Santo, temos cerca de 28 mil profissionais ativos, exercendo a advocacia. Pelo menos 15 mil são mulheres em atividade. Em Cariacica não é diferente. Somos, ao todo, 1.500 profissionais e pelo menos 55% são mulheres advogadas.