O Ministério Público Federal enviou, na última sexta-feira (03/11), ofício à presidente do Banco do Brasil, Tarciana Gomes Medeiros, encaminhando a pesquisa e a bibliografia produzidas pela equipe de historiadores que aponta a participação da instituição financeira no tráfico de pessoas escravizadas no século XIX. A remessa do material é mais um desdobramento do Inquérito Civil instaurado pelo MPF para apurar a responsabilidade do banco na escravidão e no tráfico de pessoas negras durante o período, e discutir medidas de reparação.
No dia 27 de outubro de 2023, procuradores da República, pesquisadores, representantes do Banco do Brasil e de órgãos como os Ministérios da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos e Cidadania participaram de reunião sobre o assunto na sede da Procuradoria Regional da República no Rio de Janeiro. No encontro, os historiadores apresentaram os estudos que mostram que o BB se capitalizou e se beneficiou do dinheiro produzido pelo contrabando de africanos e pelo financiamento dos negócios escravistas ao longo do século XIX.
Ficou combinado também que o material seria enviado oficialmente à instituição financeira, com indicação bibliográfica de teses e artigos. Assinado por 14 professores e pesquisadores de universidades brasileiras e estrangeiras, o documento contrapõe o discurso de que não haveria comprovação para as teses apresentadas. “O material tem farta bibliografia, e os pesquisadores compilaram todos os fundamentos que subsidiaram a representação formulada ao MPF e que resultou na instauração do inquérito civil”, explica o procurador da República Júlio Araújo, procurador Regional dos Direitos do Cidadão no Rio de Janeiro e responsável pela apuração.
Outros encaminhamentos
Na reunião do dia 27, também foi acordado prazo de 15 dias úteis para que o Banco do Brasil se manifeste sobre o reconhecimento da sua participação no tráfico de pessoas escravizadas e na escravidão no século XIX, bem como sobre um pedido de desculpas. No mesmo prazo, deverá informar sobre o interesse na construção de um plano de reparação em relação ao período.
O banco deverá, ainda, apresentar medidas que pretende implementar no curto prazo em decorrência do eventual reconhecimento de seu papel na escravidão e no tráfico transatlântico. Também deverá se manifestar sobre o financiamento de pesquisas sobre esse passado, além de indicar as medidas que pretende acelerar para racializar a forma de pensar a sua própria estrutura.
A cargo do MPF ficou a responsabilidade de promover audiências públicas para tratar de um possível plano de reparação a ser adotado pelo BB. A primeira delas já está marcada: vai acontecer no próximo dia 18/11, no Grêmio Recreativo Escola de Samba Portela, no Rio de Janeiro, com o tema “Consciência negra e reparação da escravidão”.
Banco empresta dinheiro para traficantes de pessoas
A primeira relação entre o Banco do Brasil e a escravidão se deu logo quando foi criado, em 1808, com a vinda do rei D. João VI ao Brasil. Na época, parte do dinheiro da instituição vinha de taxas cobradas de embarcações dedicadas ao tráfico de pessoas. Outra forma de incentivo ao comércio de seres humanos era a concessão de títulos de nobreza, pelo governo imperial, a escravocratas e comerciantes ilegais que colocavam dinheiro no banco.
Em 1829, o BB foi dissolvido por problemas financeiros. Sua refundação ocorreu em 1833, e a partir dali sua relação com a escravidão se tornou mais intensa, começando pela participação de grandes traficantes no grupo de empresários que assinaram o termo de refundação do BB, entre eles José Bernardino de Sá, maior acionista do BB, em 1853.
Estima-se que Bernardino de Sá tenha contrabandeado 20 mil africanos entre 1825 e 1851, grande parte teria passado por um barracão que manteve no norte de Luanda, capital de Angola, onde deixava os africanos sequestrados até o embarque para o Brasil. Outros nomes de traficantes ligados ao BB são João Pereira Darigue Faro e João Henrique Ulrich, que foram, respectivamente, vice-presidente e diretor do banco. João Pereira Darigue Faro, conhecido também como Visconde do Rio Bonito, foi um dos maiores proprietários de escravizados no Império, com 540 seres humanos detidos em nome de sua família. João Henrique Ulrich chegou a ser flagrado pelo governo de Angola, em 1842, comandando um barracão de escravizados em Luanda.
Os historiadores descobriram ainda que foram os traficantes de pessoas que financiaram o Estado, com títulos da dívida pública e capital societário nos bancos. Mais de 3 mil execuções de dívidas no Rio de Janeiro, entre 1830 e 1860, revelaram também que escravizados eram utilizados como garantia de pagamento de empréstimos no Banco do Brasil.