O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para permitir que réus em processos criminais condenados em Júri Popular cumpram a pena após a decisão dos jurados. Os ministros ainda vão decidir, no entanto, se validam a execução provisória apenas caso a condenação seja igual ou superior a 15 anos, ou se ela pode acontecer independentemente do total da pena aplicada. De acordo com a Constituição Federal, o Júri Popular julga crimes dolosos (quando há intenção) contra a vida, entre os quais homicídio, feminicídio e infanticídio. Logo, o Júri Popular não julga um homicídio culposo (quando não há intenção de matar).
No julgamento virtual na Corte, há seis votos no sentido de que é constitucional iniciar a execução da pena ainda na pendência de recursos no processo. Ainda não há maioria, no entanto, para definir se esse procedimento pode ocorrer independentemente do tempo de pena aplicado ou se só pode ser feito se o réu for condenado a pelo menos 15 anos.
O relator, ministro Luís Roberto Barroso, votou no sentido de que o cumprimento da pena pode começar após a decisão do júri qualquer que seja a pena aplicada. Sua posição é seguida por outros quatro ministros: Dias Toffoli, Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia e André Mendonça. O ministro Edson Fachin votou na sexta-feira (04/08) no sentido de que é constitucional a execução imediata da punição se a pena for acima de 15 anos, como prevê a legislação processual penal. O voto de Fachin formou a maioria a favor da execução imediata da pena. O ministro, porém, entende que isso pode ocorrer para condenações acima de 15 anos.
Outros três ministros consideram que não é possível iniciar o cumprimento da condenação: Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e a presidente do STF, Rosa Weber. Todavia, os três consideram que é cabível a prisão preventiva após a decisão do júri, se estiverem preenchidos os requisitos previstos em lei. Ainda faltam os votos dos ministros Nunes Marques e Luiz Fux. O julgamento termina na segunda-feira (07/08) se não houver pedido de vista (mais tempo de análise) ou de destaque (que traz o caso para o plenário presencial). Além disso, até o fim da deliberação, os ministros podem mudar o posicionamento.
A análise do caso foi reiniciada em 30 de junho de 2023 no plenário virtual, formato de deliberação em que os ministros depositam seus votos em uma página eletrônica da Corte, sem a necessidade de sessão presencial ou por videoconferência. O julgamento estava suspenso desde novembro do ano passado, quando o ministro André Mendonça pediu vista – mais tempo para avaliação do processo. Na retomada, o ministro acompanhou o relator. Por ter repercussão geral, a decisão tomada pelo STF valerá para todos os casos semelhantes nas demais instâncias da Justiça.
Voto do relator
O relator do recurso é o ministro Luís Roberto Barroso, que votou no sentido de estabelecer o entendimento de que a execução imediata da condenação pelo júri vai ocorrer independentemente do total da pena aplicada. Ele propôs a seguinte tese: “A soberania dos veredictos do Tribunal do Júri autoriza a imediata execução de condenação imposta pelo corpo de jurados, independentemente do total da pena aplicada”. O ministro também concluiu que deve ser invalidada a restrição, prevista na Lei Anticrime, do início imediato do cumprimento de pena apenas nos casos em que a punição é igual ou maior que 15 anos.
Para Barroso, a medida limita o princípio da soberania do júri, previsto na Constituição. Por este princípio, decisão tomada pelo júri não pode ser revista; caso sejam acolhidos recursos na segunda instância, cabe a realização de novo júri.
“A ideia de restringir a execução imediata das deliberações do corpo de jurados ao quantum da resposta penal representa, em última análise, a relativização da própria soberania que a Constituição Federal conferiu aos veredictos do Tribunal popular. Se, de fato, são soberanas as decisões do Júri, não cabe à lei limitar a concretização e o alcance dessas mesmas deliberações. Limitar ou categorizar as decisões do Júri, além de contrariar a vontade objetiva da Constituição, caracteriza injustificável ofensa ao princípio da isonomia, conferindo tratamento diferenciado a pessoas submetidas a situações equivalentes”, afirmou.
Barroso afirmou também que o tema envolve outros princípios constitucionais, como a presunção de inocência e a dignidade da pessoa humana. No voto, o relator defendeu a execução imediata das penas impostas pelo júri. “Não faria o menor sentido a Constituição atribuir ao júri o exercício de tão nobre e distinto poder – julgar soberanamente os crimes dolosos contra a vida –, caso o seu veredito pudesse ser livremente modificado pelos tribunais de segundo grau”, afirmou.
Acompanharam o voto do relator os ministros Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e Cármen Lúcia. À posição, se soma agora o ministro André Mendonça. Para Toffoli, “a condenação deve ser imediatamente cumprida nos crimes julgados pelo tribunal do júri, em razão da estatura constitucional desse órgão do Judiciário, mormente se levado em consideração a soberania dos vereditos”.
Moraes argumentou que, “ao reconhecer como inviável a execução provisória da pena nos casos de condenações relativas ao Tribunal do Júri, estar-se-ia dando de ombros à garantia constitucional da soberania dos vereditos”.
Divergência
Os ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber divergiram do relator e votaram contra a possibilidade de execução imediata da pena imposta pelos jurados, permitindo apenas a prisão preventiva justificada dos réus. O decano da Corte, Gilmar Mendes, afirmou que a presunção de inocência é “regra”. “Ninguém pode ser punido sem ser considerado culpado; ninguém pode ser preso sem ter a sua culpa definida por ter cometido um crime; não se pode executar uma pena a alguém que não seja considerado culpado”, votou.
Ele sugeriu a seguinte tese: “A Constituição Federal, levando em conta a presunção de inocência (art. 5º, inciso LV), e a Convenção Americana de Direitos Humanos, em razão do direito de recurso do condenado (art. 8.2.h), vedam a execução imediata das condenações proferidas por Tribunal do Júri, mas a prisão preventiva do condenado pode ser decretada motivadamente, nos termos do art. 312 do CPP, pelo Juiz Presidente a partir dos fatos e fundamentos assentados pelos Jurados”.
Para Lewandowski, “afigura-se até compreensível que alguns magistrados queiram flexibilizar essa importante garantia dos cidadãos por, ingenuamente, acreditarem que assim melhor contribuirão para evitar o crescente número de homicídios dolosos que perturba nossa harmonia social”. A ministra Rosa Weber, que antecipou o voto, considerou que o princípio da presunção de inocência estabelece uma proibição da execução provisória da pena, mesmos nos casos do júri.
“Não extraio, contudo, da soberania dos veredictos a imposição constitucional de execução provisória da pena desde a condenação proferida pela primeira instância. Na realidade, como já dito, o art. 5º, LVII, da Constituição da República encerra proibição peremptória de execução provisória de qualquer pena e tal fato, na minha compreensão, não se altera pela soberania dos veredictos”.
O ministro Edson Fachin considerou que é constitucional a previsão da lei de execução imediata da pena quando a condenação é superior a 15 anos. “Presumo que o legislador tenha considerado que condenação que receba reprimenda a partir daquele quantitativo, decorra de conduta criminosa qualificada por gravidade acentuada, em tese, fundamento para a escolha do critério, o qual não o vejo como desarrazoado”, afirmou.
Caso julgado
O caso que chegou ao STF é de Santa Catarina. No recurso, o Ministério Público contesta uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que derrubou a prisão de um condenado pelo júri por feminicídio duplamente qualificado e posse irregular de arma de fogo.
O MP afirma que a execução da pena é possível em respeito ao princípio da soberania dos vereditos e que uma decisão do júri não pode ser revista pelo tribunal de apelação. Já o STJ entendeu que é ilegal a prisão decretada apenas com base na condenação pelo júri, sem elemento para justificar a prisão cautelar e sem a confirmação da condenação por colegiado ou o esgotamento das possibilidades de recursos.
Em 2019, por 6 votos a 5, o Supremo decidiu derrubar a possibilidade de prisão de condenados em segunda instância, alterando um entendimento adotado desde 2016, mas essa decisão não se aplicou ao júri popular. A maioria dos ministros entendeu que, segundo a Constituição, ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado (fase em que não cabe mais recurso) e que a execução provisória da pena fere o princípio da presunção de inocência.
(Fonte: Portal O Globo)