Encontra-se concluso para despacho a Ação Civil Pública nº 0014148-77.2017.8.08.0048, que tramita na Vara da Fazenda Pública Municipal da Serra, em que o Ministério Público do Estado do Espírito Santo requer a condenação do candidato a governador Audifax Barcelos (Rede) pela acusação de cometer a prática de ilícito civil enquanto cumpria seu primeiro mandato como prefeito da Serra. O MPES quer que Audifax, seu então secretário Municipal de Cultura, Esporte Turismo e Lazer, José Antônio Caliman, e a Sociedade Desportiva Serra Futebol Clube sejam condenados a devolver R$ 2.491.041,80 aos cofres públicos – valores de julho de 2017, quando a ação foi protocolada no Fórum da Comarca da Serra.
O dinheiro destinado pela Prefeitura da Serra ao Serra Futebol Clube deveria ser utilizado em eventos desportivos e sociais para crianças e adolescentes. No entanto, o clube não cumpriu as exigências do convênio e o então prefeito Audifax, que se identifica como “economista, administrador e excelente gestor”, deixou de cumprir a sua missão fiscalizadora do dinheiro público.
A denúncia proposta pela Promotoria de Justiça Cível da Serra foi acolhida pela juíza Telmelita Guimarães Alves em 10 de outubro de 2018. O Município da Serra, para onde o dinheiro terá que ser devolvido caso Audifax, José Antônio e o Serra Futebol Clube sejam condenados, entrou na ação como Litisconsorte Ativo – refere-se à existência de mais de um integrante na parte autora da demanda.
A juíza havia marcado audiência de instrução e julgamento para o dia 14 deste mês, mas, pelo fato de um dos réus – Audifax – ser candidato a governador, Telmelita Alves acabou desmarcando e vai redesignar o ato para outra data.
De acordo com os autos, o Ministério Público Estadual ajuizou a Ação Civil Pública de ressarcimento de danos ao erário em face de Audifax Barcelos, José Antônio Caliman e o Serra Futebol Clube, sustentando, em síntese, que por meio de representação formal encaminhada pelo Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo, obteve a informação de que o ex-prefeito e o ex-secretário Municipal de Esportes “deram motivo a uma série de irregularidades passíveis de reparação, traduzidas no cometimento de atos administrativos desconformes com as regras que norteiam a administração pública.”
Audifax foi prefeito da Serra por três mandatos: 01/01/2005 a 31/12/2008; 01/01/ 2013 a 31/12/2016; e 01/01/2017 a 31/12/2020. Segundo o MPES, o Inquérito Civil nº 2014.0000.6294-94 detectou repasse de verba pública para o Serra sem qualquer comprovação do atendimento ao interesse público e do real emprego de recursos.
Na denúncia, o Ministério Público explica que o Procedimento Administrativo instaurado pelo Tribunal de Contas do Estado nº 1141/2009 apresenta o detalhamento das irregularidades que se têm em conta e que embasam a denúncia. Consta que a administração de Audifax Barcelos repassou R$ 730 mil, parcelados em 10 vezes de R$ 73 mil, para o Serra Futebol Clube, “sem qualquer comprovação do atendimento ao interesse público e ao real emprego dos recursos”.
Atualizados no dia 29 de julho de 2017 – um dia antes da ação ter sido protocolada no Fórum da Serra –, os valores chegaram a R$ 2.491.041,80. O Ministério Público leva como base a Atualização Monetária de Débitos Judiciais da Corregedoria Geral de Justiça do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo. Em caso de condenação, o valor a ser arbitrado pela Justiça será dividido solidariamente entre o ex-prefeito Audifax Barcelos, seu então secretário José Antônio Caliman e o Serra Futebol Clube.
Segundo o MPES, o Município criou a Lei nº 2.491/2002, instituída para permitir a realização de convênio da Prefeitura com o Serra Futebol Clube. Já a Lei nº 3.2006/2007, na gestão de Audifax Barcelos, apresentou a estimativa de receitas e despesas para o exercício financeiro de 2008, “viabilizou a elevação do valor do repasse para o patamar de R$ 730 mil”, justamente o valor do convênio entre o Município e o Serra.
Ainda na denúncia, o Ministério Público lembra que a Lei Municipal 2.491/2002 autorizou a realização de convênio com a condição de que a aplicação das verbas tivesse um viés social. O valor destinado pelo então prefeito Audifax Barcelos ao Serra Futebol Clube deveria ser aplicado no treinamento de crianças e adolescentes carentes, em tratamento médico-odontológico, orientação educacional, realização de partidas finais das equipes de futebol de várzea no Estádio Municipal Roberto Siqueira Costa, o Robertão (que pertence ao Serra), jogos estudantis municipais e intermunicipais e jogos comunitários.
“A verificação do emprego dos recursos dar-se-ia mediante elaboração de relatório comprobatório mensal, a ser repassado pelo Serra Futebol Clube à Secretaria Municipal de Esportes. Ao apreciar a regularidade das operações financeiras realizadas pelo Município da Serra em 2008, o Tribunal de Contas constatou que as exigências da Lei Municipal nº 2.491/2002 passaram intencionalmente despercebidas, haja vista que tanto o clube esportivo quanto a Pasta falharam na aplicação das verbas públicas transferidas, dando-lhes destinação que não a pública”, diz trecho da denúncia do Ministério Público.
Para o MPES, se a condição para a obtenção da verba, instrumentalizada por convênio e prevista em lei, era unicamente o atendimento da finalidade pública, “qualquer emprego diverso colocaria em xeque a idoneidade da transação”. E, de fato, “foi o que ocorreu, na medida em que a instituição beneficiária não comprovou ter aplicado os recursos auferidos nos exatos termos em que pactuados.”
Nos autos, a defesa do Serra Futebol Clube alegou preliminarmente a prescrição do direito autoral. Aduz no mérito a inexistência de fundamentos ao ressarcimento, ausência de responsabilidade em razão do real cumprimento das obrigações legalmente impostas. Por isso, requereu o acolhimento da prejudicial suscitada, e caso, ultrapassada a total improcedência dos pedidos autorais.
Também nos autos, a defesa de Audifax Barcelos alegou, a princípio, a preliminar de ilegitimidade passiva e a ocorrência da prescrição. No mérito, aduz ausência de responsabilidade, que houve a prestação de contas de forma eficiente. Já a contestação do réu José Antônio alegou ausência de comprovação de interesse público na utilização dos repasses.
Como se verifica nos autos, não houve possibilidade de composição, o que levou a juíza Telmelita Alves sanear o feito. Sobre a prescrição alegada, ela explicou que o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a imprescritibilidade de ações de ressarcimento de danos ao erário decorrentes de ato doloso de improbidade administrativa. E, desse modo, afastou a prejudicial suscitada. Quanto à ilegitimidade passiva alegada por Audifax Barcelos, a defesa explicou nos autos que o agora candidato a governador não poderia figurar no polo passivo da demanda, “sob o fundamento de que cabe o gestor da Pasta responder aos atos que lhe competem, em razão de que quem supervisiona, orienta e fiscaliza as atividades de sua equipe é o Secretário Municipal.” A preliminar foi indeferida pela magistrada.
Para a juíza Telmelita Alves, o ponto controvertido reside em verificar a existência de ilegalidade no convênio firmado entre Audifax, José Antônio e o Serra Futebol Clube, “quanto ao repasse de verba pública; se houve ausência de comprovação de interesse público na utilização dos repasses; se houve a regular prestação de contas e se houve desvio de finalidade.” Quanto a essas questões, a magistrada decidiu que ficam admitidas a produção de prova pericial e depoimento pessoal e testemunhal, observando-se a regra de distribuição do ônus da prova prevista nos incisos I e II do art. 373 do CPC.