A 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça o Estado do Espírito Santo manteve a condenação de dois anos de reclusão em desfavor do tenente-coronel da Polícia Militar Renato Cristianes Lacerda, pela acusação da prática de denunciação caluniosa. Assim como ocorreu no âmbito do primeiro grau, o oficial, que se encontra aposentado, foi condenado ao pagamento de R$ 5 mil a título de indenização por danos morais. A pena de reclusão, no entanto, foi substituída por duas penas restritivas de direitos.
A vítima do tenente-coronel Lacerda foi o então procurador-geral de Justiça do Estado, Eder Pontes, hoje desembargador do Tribunal de Justiça. Os fatos ocorreram há quase quatro anos. No dia 6 de maio de 2020, Lacerda foi condenado pelo juiz Luiz Guilherme Risso, da 2ª Vara Criminal de Vitória, depois de ter sido denunciado pelo Ministério Público Estadual. O tenente-coronel recorreu e o recurso foi julgado no dia 9 de fevereiro de 2022, tendo como relatora a desembargadora substituta Débora Maria Ambos Correa da Silva. No dia 22 de fevereiro último o acórdão do julgamento do recurso foi publicado.
No voto, acolhido à unanimidade pelos demais desembargadores da 1ª Câmara Criminal, Débora Maria Correa cita que às 15h24 do dia 2 de agosto de 2018, o denunciado Renato Lacerda, “consciente e voluntariamente, deu causa à instauração de Procedimento Administrativo (PAD) em face da vítima, o então chefe do Ministério Público, Eder Pontes, “imputando-lhe o crime de prevaricação, do qual sabia ser a vítima inocente, ao protocolar na Corregedoria do MPES uma “denúncia”, em que afirmava que a vítima, na condição de Procurador-Geral de Justiça, “teria cometido crime de prevaricação, ao prolatar decisão lançada nos autos nº 2018.0013.4782-63, que indeferiu a instauração de Inquérito Civil em desfavor do” então governador do Estado, Paulo Hartung.
No recurso da Apelação Criminal, a defesa do tenente-coronel Lacerda alegou cerceamento por ausência de defesa técnica, uma vez que a “Defensoria Pública Estadual apresentou defesa em uma lauda e afirmou não ter tido contato com o apelante (Lacerda), bem como deixou de requerer diligências”. De acordo com a desembargadora substituta Débora Maria Correa, enunciado sumular n. 523 do Supremo Tribunal Federal ressalta que no Processo Penal a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu.
No entanto, frisa a magistrada, consta nos autos nº 0028199-34.2018.8.08.0024 que Lacerda fora citado, oportunidade na qual afirmou ter advogado constituído. Transcorrendo o prazo para apresentação da defesa, determinada intimação do mesmo, o tenente-coronel “se recusou em atender ao oficial de Justiça, conforme certidão de fls. 82, sendo, então, esta, apresentada pela Defensoria Pública, que afirmou não ter conseguido entrar em contato com o mesmo. Registra-se, que após três tentativas frustradas e recusa em exarar o seu ciente, o apelante fora intimado para audiência de instrução e julgamento e deixou de comparecer, sendo decretada a sua revelia. Ainda assim, houve uma nova tentativa de intimação para audiência de instrução e julgamento, tendo o apelante se recusado, mais uma vez, em atender ao oficial de Justiça.”
Por outro lado, informa a desembargadora Débora Maria Correa, a Defensoria Pública esteve presente em todas as audiências designadas, bem como apresentou alegações finais requerendo a absolvição de Lacerda: “Vê-se, portanto, que o requerente não restou indefeso, inexistindo nos autos provas de que o advogado dativo tenha atuado de forma negligente ou superficial.”
Despois de rebater as preliminares arguidas pela defesa do tenente-coronel Lacerda, a magistrada entra no mérito, salientando que artigo 339 do Código Penal pune a conduta de “dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que sabe inocente: pena – reclusão, de 02 (dois) a 8 (oito) anos, e multa”.
Segundo ela, a materialidade e autoria se confirmam pelo procedimento GAMPES do Ministério Público e declarações da vítima (Eder Pontes), ouvida na qualidade de testemunha do juízo. Nos autos conta que o tenente-coronel, além de fazer a denunciação caluniosa contra Eder Pontes, também usou grupos de WathsApp para atacar a honra do então chefe do Ministério Público Estadual. Conforme prova dos autos, Lacerda apresentou Notícia de Fato n.º 2018.0013.4782-63 em face de Paulo Hartung, afirmando o então governador ele teria praticado irregularidades ao não publicar o Decreto n.º 863-S que nomeou oficiais para comporem o Conselho de Justificação, requerendo a apuração de suposta improbidade administrativa.
O então procurador-geral de Justiça, Éder Pontes, após a devida análise, indeferiu o pedido, por tratar-se de irregularidade sanável e que poderia ser requerida no próprio Procedimento que constituiu o Conselho de Justificação e determinou o arquivamento do inquérito civil.
“Irresignado, (Lacerda) ingressou com Notícia de Fato na Corregedoria Geral do Ministério Público atribuindo à vítima (Eder Pontes) o crime de prevaricação, alegando que este possuía relação profissional com o Governador, dele dependendo para manter-se no cargo de Procurador-Geral de Justiça, sem qualquer prova neste sentido”, diz o voto da desembargadora Débora Maria Correa.
“Diante da prova produzida têm-se que o apelante (Lacerda), através de Notícia de Fato, provocou a instauração de procedimento contra a vítima Eder Pontes, que sabia ser inocente, pois, além da decisão que determinou o arquivamento do inquérito encontrar-se devidamente fundamentada, o apelante não adotou as medidas cabíveis para revertê-la, insurgindo-se diretamente contra a vítima por meio de denúncia junto à Corregedoria do órgão. Corrobora este entendimento, o fato de que, mesmo após o arquivamento do GAMPES, o apelante ainda noticiou tal fato ao Conselho Superior do Ministério Público, sendo também arquivado.”
Segundo a magistrada, o conjunto probatório demonstra que o tenente-coronel Lacerda voltou-se contra Eder Pontes “em face de sua insatisfação pessoal com a decisão proferida a qual, repito, fora devidamente técnica, estando provado o elemento subjetivo do tipo. Inobstante ausência de ação penal, a instauração da investigação mostra-se suficiente para configurar o crime de denunciação caluniosa, haja vista o real prejuízo à vítima e a Administração Pública que desloca o seu aparato para apurar denúncia sabidamente falsa”.
Quanto ao pedido da defesa de exclusão da condenação em danos morais, a desembargadora Débora Maria Correra observa que o Ministério Público expressamente formulou aditamento às fls. 67 pleiteando a indenização por danos morais e reiterou o pedido nas alegações finais, atendendo a orientação do Superior Tribunal de Justiça que sedimentou o entendimento da necessidade de pedido expresso e formal para fixação do valor mínimo de reparação dos danos à vítima nos moldes do artigo 387, IV do Código de Processo Penal sendo, portanto, oportunizado ao apelante o exercício do contraditório. “O dano moral resta demostrado, uma vez que a vítima (Eder Pontes) ocupava cargo público de expressivo destaque e fora alvo de acusações em grupo de mensagens e em investigação por crime ligado a sua atuação funcional, consequência que extrapola aquela prevista no tipo. Deste modo, entendo razoável e proporcional a indenização por danos morais fixadas em R$ 5.000,00”.