No início era o rei. Exercia sobre seus súditos um poder absoluto. Naqueles dias um único ser humano administrava, legislava e julgava. Sob imenso sofrimento a humanidade, ao longo de milênios, reagiu contra tal estado de coisas.
Eis que entrou em cena Montesquieu e seus três poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário. A ideia era boa, qual a do controle do Estado por si próprio. Seria o fim do poder absoluto e o alvorecer de uma nova era.
De lá para cá passaram-se pouco mais de dois séculos. Contemplo nosso planeta. E percebo, angustiado, que na verdade o Estado não está a exercer controle sobre si próprio – antes, está a disputar poder consigo mesmo! Uma guerra fratricida, podemos assim dizer, na qual não há vencedores e da qual resulta apenas uma vítima: o povo.
Comecemos pelo Poder Judiciário, a buscar administrar e legislar em escala preocupantemente crescente. Passemos pelo Poder Legislativo, a cada dia mais julgador e administrador. E cheguemos ao Poder Executivo, um Leviatã cotidianamente dedicado a emitir mais leis e a interferir no ato de julgar.
Na esteira de tão confusa realidade surgiram pelo planeta afora diversos órgãos de controle – os quais, porém, por não submetidos a praticamente controle algum, acabaram por induzir debates sobre a criação de novos mecanismos…de controle! Eis a quadra na qual estamos atualmente: quem controla os controladores? Amanhã, talvez, passaremos os dias a discutir sobre o controle de quem controla os controladores – em um ciclo sem fim.
Enquanto isso, pena a população, diante de um Estado a cada dia mais burocratizado e neurótico por conta desta realidade. O mundo das leis, após produzir bibliotecas inteiras sobre este quadro, pouco ou nada resolveu – fico mesmo a pensar se não o piorou.
Pois é. Será que chegada a hora de aprimorarmos a boa ideia de Montesquieu lançando nossos olhares a um elemento tão fundamental quanto esquecido, qual o ser humano? Não adianta, eis a verdade, eliminarmos um rei e criarmos vários outros – estaremos apenas somando ao despotismo o conflito.
Tenho que no início deste debate deverão estar algumas sérias indagações: pode o exercício do poder público ser apenas uma carreira? Até que ponto pode ele depender de uma única pessoa? E como regulamentarmos a pluralidade nas instituições?
(Pedro Valls Feu Rosa é desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Espírit oSanto)