O diretor Financeiro do Sindicato dos Agentes Penitenciários do Espírito Santo (Sindaspes), Sostenes Araújo, e mais cinco inspetores penitenciários viraram réus na Ação Penal nº 0001238-70.2021.8.08.0050, que tramita na 3ª Vara Criminal de Viana, pela acusação de disparos de arma de fogo em via pública e usurpação de função pública. A denúncia, formulada pelo Ministério Público Estadual, foi acolhida na quinta-feira (01/07) pela juíza Jaqueline Teixeira da Silva, titular da unidade judiciária. Os inspetores são servidores públicos lotados na Secretaria de Estado da Justiça (Sejus), responsável pelo sistema prisional do Espírito Santo.
Os demais réus no processo são Charles Schade, Lucas da Fonseca Braga, Willian Nobre de Souza, Jean Patrich Ferreira Souza e Manuel Veras Cabral. A Ação Penal teve origem em Inquérito Policial instaurado pela Delegacia de Crimes Contra a Vida de Viana, que apurou as circunstâncias da morte de um homem identificado como Ruan Felipe Xavier Gouveia, 22 anos, alvejado com um tiro, em Marcílio de Noronha, no dia 26 de dezembro de 2017. No tiroteio, outro rapaz ficou ferido e foi identificado como sendo Danrley Correa dos Passos.
Na ocasião, a imprensa noticiou que o homem morto teria trocado tiros com inspetores penitenciários e acabou baleado. O assassinato de Ruan e a tentativa contra Danrley, no entanto, ainda são um mistério e continuam sendo investigado pela Polícia Civil. De acordo com a pericia, apenas um tiro causou ferimento em um dos rapazes e matou Ruan, que pilotava a moto e carregava na garupa seu parceiro, Darley. O tiro atingiu o braço do carona e transfixou, indo atingir uma parte abaixo da axila direita de Ruan e parando no seu pulmão.
Naquele 26 de dezembro de 2017, Araújo, que à época era presidente do Sindaspes, e os outros inspetores penitenciários foram a Marcílio de Noronha para ajudar um de seus colegas – Charles Schade – a sair do bairro. O inspetor e sua família tinham sido ameaçados por traficantes da região.
Dirigindo um veículo do Sindicato, Sostenes Araújo foi para Viana. Chegando nas imediações do Posto 13 de Maio, na entrada do bairro Marcílio de Noronha, ele se deparou com um grupo de mais de 30 pessoas, sendo a maioria inspetores penitenciários, e uma guarnição da Polícia Militar.
Todos tinham ido ao local para ajudar inspetor Charles. Os policiais militares, ao constatarem que os inspetores penitenciários poderiam garantir a segurança do colega, se tiraram do local. Depois de colocar pertences pessoais, como roupas e documentos, num veículo de passeio, Charles pediu aos colegas para passar na residência de seus pais, num bairro vizinho, pois estava preocupado com a possibilidade deles receberem ameaças. Quando viram que a situação estava tranquila na casa dos pais de Charles, os inspetores penitenciários iriam embora do bairro, mas outro inspetor, que estava em Marcílio de Noronha, teria ligado para um colega, que ajudava Charles, dizendo que havia sido também ameaçado por dois motoqueiros.
O grupo, então, se dirigiu ao colega ameaçado, que foi encontrado nas imediações do Bar do Sebá, na Avenida Piracicaba. Foi lá que ocorreu a confusão, quando dois homens, em uma moto, passaram pelo local e fizeram nova ameaça ao grupo formado por Charles e demais inspetores – havia mais de 30 pessoas no local.
Alguns inspetores, como Araújo e seus colegas que acabam de virar réus, atiraram para o alto e para o chão, com a finalidade de obrigar a dupla a parar. Eles, porém, teriam atirado e houve revide. Ruan prosseguiu pilotando a moto, tendo Danrley na garupa. Os dois só foram parar a cerca de dois quilômetros do local do tiroteio, quando Ruan caiu praticamente morto.
Ao perceberem que o motoqueiro e o carona foram embora, os inspetores penitenciários também se dispersaram, acreditando estar tudo normal. Entraram em seus veículos e foram embora. Quando estavam indo embora também, Araújo, Charles e outros dois agentes (um deles, diretor do Sindaspes) passaram pela rua onde um dos rapazes estava caído, já morto, e a moto na calçada. Eles foram os primeiros a chegar ao local. Araújo acionou, por meio de seu telefone celular, o CIODES. Ele e os outros três ficaram no local até a chegada de guarnições da PM e e uma ambulância. Araújo se identificou como presidentes do Sindicato e seus dados foram anotados na ocorrência da Polícia Militar.
No dia seguinte – 27 de dezembro de 2017 –, os inspetores penitenciários Charles, Lucas, Willian Nobre, Jean Patrich Ferreira e Manuel Veras foram à sede do Sindaspes, em Vitória, e procuraram o Departamento Jurídico, afirmando que estavam preocupados, pois havia surgido comentários em grupos de WhatsApp da categoria de que eles teriam matado o motociclista em Marcílio de Noronha.
Araújo e os cinco colegas foram, então, à Delegacia de Crimes Contra a Vida de Viana, onde relataram o fato à Autoridade Policial e se colocaram à disposição para as investigações por acreditarem ser inocentes e por terem agido em legítima defesa.
As armas funcionais deles foram recolhidas e levadas para exames de balística. O resultado de cinco armas deu negativo na comparação ao projétil encontrado no corpo de Ruan. Já o exame da arma de outro inspetor, Willian Nobre, deu inconclusivo. Em relação à balística na arma do então presidente do Sindaspes, Sostenes Araújo, e de outros dois inspetores, os peritos criminais fizeram a seguinte observação:
“As posições dos agentes estão baseadas nas imagens colhidas pelo videomonitoramento e nos termos de declarações. Alguns agentes e veículos não foram possíveis identificá-los. No momento em que SOSTENES de dentro do carro efetuou um disparo para o chão, havia apenas o Celta prata conduzido pelo agente Jean Patrich Ferreira Souza estacionado na frente do Bar do Sebá. Demais veículos estavam em frente a Maranata. O agente Lucas da Fonseca, que efetuou disparos, estava próximo ao Bar do Sebá. Em depoimento, não disse onde se abrigou no momento dos disparos”.
Ao final da primeira fase do inquérito, a Polícia Civil indiciou os seis inspetores por disparo em via pública. Também indiciou quatro deles por lesão corporal e um dos inspetores – Willian Nobre – foi indiciado por tentativa de homicídio.
A DP de Crimes Contra a Vida mandou o Inquérito Policial para a Justiça, que pediu manifestação da Promotoria Criminal de Viana. O Ministério Público, entretanto, solicitou novas diligências à Autoridade Policial, como a identificação das mais de 30 pessoas – inspetores penitenciários – que estavam no local do fato e novos exames de balística nas armas recolhidas.
A Polícia Civil encaminhou ofício à Corregedoria da Secretaria de Estado da Justiça (Sejus), solicitando a identificação dos servidores envolvidos na ocorrência. A Sejus, no entanto, respondeu à DP de Crimes Contra a Vida que era “impossível a identificação” de todos os inspetores penitenciários, uma vez que as “imagens do videomonitoramento” recolhidas no local eram “péssimas”.
Diante de novos resultados da balística, a Autoridade Policial concluiu o inquérito, remetendo os autos ao Ministério Público informações sobre a direção dos disparos. Por sua vez, o MPES concluiu por denunciar o grupo por disparo de arma de fogo em via pública e usurpação da função pública – por fazer abordagem policial. Deixou de denunciar o sexto inspetor – Willian Nobre – por suposta tentativa de homicídio porque o resultado do exame de balística na arma dele foi “inconclusivo”.
Erro da Justiça leva categoria a fazer comentários contra os colegas
Quando foi protocolada no Fórum de Viana pelo Ministério Público, no dia 14 de maio de 2021, a denúncia foi distribuída para a 3ª Vara Criminal, responsável pelos processos e julgamentos de diversos crimes, com exceção dos crimes contra a vida, que são de atribuição da 1ª Vara Criminal – privativa do Tribunal do Júri da Comarca vianense.
Todavia, equivocadamente o sistema do Tribunal de Justiça, inicialmente, registrou a denúncia como se fosse homicídio e tentativa de assassinato, provocando uma série de comentários em desfavor dos inspetores Sostenes Araújo, Charles Schade, Lucas da Fonseca, Willian Nobre, Jean Patrich Ferreira e Manuel Veras.
Diversos compartilhamento foram feitos nas redes sociais dos servidores da Sejus e em aplicativos de WhatsApp, dando conta de que os seis inspetores seriam levados a Júri Popular por “assassinato e tentativa de homicídios”, o que não procede. A divulgação das fake news teria sido feita por dois diretores da atual gestão do Sindicato.
O erro da Justiça, contudo, foi corrigido na sexta-feira (02/07) em despacho proferido pela juíza Jaqueline Teixeira da Silva, um dia depois em que ela acolheu a denúncia. No despacho, a magistrada altera o Assunto Processual da Ação Penal, excluindo os Assuntos 11071 (Crime Tentado) e 11243 (Homicídio).
“Agora é trabalhar, confiar em Deus e esperar que a situação tenha um desfecho justo”, diz diretor do Sindaspes
Ouvido pelo Blog do Elimar Côrtes, o ex-presidente do Sindaspes e atual diretor Financeiro da entidade, Sostenes Araújo, fez os seguintes esclarecimentos sobre o caso:
1- Eu soube do caso por mensagens enviadas em grupos de Whatsapp da categoria, onde servidores de várias regiões foram até o local dar apoio ao colega.
2- Saí de casa em pleno Natal, para dar apoio a um servidor que eu não conhecia, mas que estava em perigo, juntamente com sua família.
3- Enquanto representante sindical eu sempre acompanhei a categoria em todas as ocorrências possíveis.
4- Muitos colegas já estavam presentes no local quando eu cheguei. Conhecia apenas alguns, outros de vista, mas a maioria eu nunca havia visto.
5- Efetuei um único disparo para o chão, inclusive, há uma filmagens e um relatório detalhado dos investigadores de polícia que apontam a trajetória do projétil.
A situação estava tensa, afinal, estávamos ali porque um servidor havia relatado que dois indivíduos estavam rondando sua casa em uma motocicleta e que um deles sacou uma arma para tentar contra sua vida quando ele saia para lanchar com sua esposa e filha. Além do fato de um outro servidor, quando já estávamos para ir embora, ligar para alguém do grupo informando que sofreu uma tentativa quando seguia para o local para dar apoio.
Por fim, apesar de eu ter efetuado um disparo, de dentro do carro, após ouvir gritos e uma moto acelerando na minha direção, o que me fez temer pela minha vida, tudo muito rápido, fui indiciado e denunciado por disparo de arma de fogo em via pública e usurpação de função pública, por supostas abordagens (que vai cair, por não condizer com a realidade dos fatos).
Agora é trabalhar, confiar em Deus e esperar que a situação tenha um desfecho justo.