O Projeto de Lei nº 4.363/2001, que trata da nova Lei Orgânica das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Estaduais, apresenta propostas que vão provocar muitas discussões. O PL reduz o poder dos governadores estaduais sobre a PM e o Corpo de Bombeiros. Outro proposta, que também tramita no Congresso Nacional, altera a Lei Orgânica das Polícias Civis e, da mesma forma, limita a autoridade dos governadores sobre as instituições.
O novo texto (ao qual o Blog do Elimar Côrtes teve acesso) relativo às PMs e Corpos de Bombeiros cria privilégios e reserva de mercado para quem já está na corporação – em concurso para oficiais, por exemplo, haverá reserva para os praças, prejudicando, assim, quem não é policial. A proposta também provoca riscos iminentes, como a possibilidade de a PM e o Corpo de Bombeiros poderem contratar praças e oficiais para o trabalho temporário.
Também privilegia os militares que deixarem cargos eletivos e desejarem retornar à ativa: vão poder retornar com direito a serem promovidos do mesmo modo que seus colegas de turma, mesmo estando fora da caserna.
O projeto, porém, inova, como o estabelecimento de cotas para mulheres e a implantação de Escolas Cívico-Militar, sob a responsabilidade das próprias instituições militares, para oferecer ensino a crianças e adolescentes.
Na segunda-feira, o Blog do Elimar Côrtes foi o primeiro veículo de imprensa a ouvir especialistas em segurança pública sobre o assunto. Foram unânimes em condenar os Projetos de Lei que reduzem poder dos governadores sobre as polícias. Foram ouvidos o coronel e professor Júlio Cezar Costa; o economista e professor Daniel Ricardo de Castro Cerqueira; o presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, professor Renato Sérgio de Lima; e o ex-secretário Nacional de Segurança pública, coronel José Vicente da Silva Filho.
O PL traz outra inovação, ao acabar com a situação de sub judice para policiais e bombeiros militares. Atualmente, na maioria dos Estados e no Distrito Federal, para serem promovidos, oficiais e praças não podem estar respondendo a processos criminais ou até mesmo administrativos.
A partir da nova Lei Orgânica, no entanto, “a condição de indiciado em inquérito policial ou de réu em processo judicial ou administrativo não impede o ingresso no quadro de acesso e a regular promoção pelo princípio constitucional da presunção de inocência, ressalvadas as hipóteses previstas na legislação do respectivo ente federado em que houver sentença condenatória transitada em julgado ou decorrente de acórdão de órgão colegiado, nos crimes dolosos apenados com reclusão e que sejam incompatíveis com o exercício da atividade ou os valores da instituição”.
Nesse aspecto, o Espírito Santo saiu na frente. É que a Lei Complementar nº 962, sancionada no dia 30 de dezembro de 2020 pelo governador Renato Casagrande e que institui o Código de Ética e Disciplina dos Militares Estaduais, já inova na legislação quanto ao fim da figura do sub judice para policiais e bombeiros militares.
O Espírito Santo foi o primeiro Estado a regulamentar novo Código dos Militares, obedecendo, assim, a Lei Federal nº 13.967 (de 26 de dezembro de 2019), sancionada em 27 de dezembro de 2019 pelo presidente Jair Bolsonaro. A Lei define que os Estados e o Distrito Federal teriam prazo de 12 meses para regulamentar a implementar a Lei Federal.
O artigo 185 do novo Código revoga dezenas de incisos que tratavam da promoção de policiais que respondem a inquérito ou processos na Justiça e estavam enquadrados Lei Complementar nº 911, de 26 de abril de 2019, que “estabelece os princípios, os requisitos e as condições básicas que regulam o ingresso e as promoções das Praças e dos Oficiais dos quadros de Oficiais de Administração da Polícia Militar do Estado do Espírito Santo e do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Espírito Santo”.
Com a proposta, as PMs e os Corpos de Bombeiros vão ter alterados também seus quadros organizacionais, que atualmente são divididos entre Praças e Oficiais Combatentes e Oficiais Administrativos, além dos profissionais da Saúde.
Para ingressar nas duas corporações, os candidatos que se inscreverem em concursos para o Curso de Formação de Soldados precisarão ter curso superior completo – qualquer graduação. Já os candidatos ao quadro de oficiais terão de possuir formação em Bacharelado em Direito.
Observa-se que pela proposta os praças passam a ter condições de chegar ao posto de tenente-coronel, sem se submeter a um curso de oficiais. Pelo menos é o que define o item que trata dos novos quadros nas PMs e Corpos de Bombeiros, que são:
Quadro de Oficiais de Estado Maior (QOEM); Quadro de Oficiais Complementar (QOC), a ser integrado por oficiais oriundos do quadro de praças, com graduação de nível superior, com progressão até o posto de tenente-coronel; Quadro de Oficiais de Saúde (QOS); Quadro de Oficiais da Reserva e Reformados (QORR); Quadro de Praças (QP), com progressão até a graduação de subtenente e acesso ao Quadro de Oficiais Complementar (QOC); e Quadro de Praças da Reserva e Reformados (QPRR).
A nova Lei Orgânica cria privilégios para quem já é militar, ao declarar que “os integrantes da instituição militar terão reservado percentual de 30% das vagas nos concursos públicos para acesso aos cargos do Quadro de Oficiais de Estado Maior (QOEM)”. Diz ainda que os “os integrantes da instituição militar não terão limite de idade para o concurso público de ingresso no Quadro de Oficiais de Estado Maior (QOEM)”.
Se aprovada, a nova Lei Orgânica criará um precedente muito perigoso para a Polícia Militar, pois possibilitará a contratação de oficiais e praças em caráter temporário. Um dos artigos estabelece que “a critério das corporações poderão ser instituídos Quadro de Oficial Temporário (QOT) e Quadro de Praça Temporário (QPT), destinados a missões específicas, por tempo determinado, nos termos da legislação do respectivo ente federado”. E diz que “a critério das corporações poderão ser estabelecidas especialidades dentro dos quadros”.
Nota do Editor:
O risco de uma instituição de Estado, como as PMs, contratarem policiais em caráter temporário é muito grande. As corporações preparam o profissional, ensinam a eles tudo sobre segurança pública e depois os dispensam. Essa mão de obra poderá se voltar, depois, contra o próprio Estado. E poderá se colocar a serviço das organizações criminosas – leia-se narcotráfico, algo muito comum no vizinho Estado do Rio de Janeiro.
Projeto acerta ao assegurar 20% de reserva para mulheres
O Projeto de Lei, entretanto, inova em propostas proativas, como cota para mulheres ingressarem na PM e Corpo de Bombeiros e a implantação de Escolas Cívico-Militar nas corporações para crianças e adolescentes. Um dos itens determina que “fica assegurado no mínimo o percentual de 20% (vinte por cento) das vagas nos concursos públicos para as candidatas do sexo feminino, na forma da lei do respectivo ente federado”.
O artigo 14 diz que as Polícias Militares e os Corpos de Bombeiros, dos Estados, Distrito Federal e territórios manterão o seu sistema de ensino militar, incluídos os Colégios Militares e as Escolas Cívico-Militar de ensino fundamental e médio, e poderão ter cursos de graduação ou pós-graduação lato sensu ou stricto sensu, e, se atendidos os requisitos do Ministério da Educação, terão plena equivalência com os demais cursos regulares.
Chama a atenção também outro privilégio previsto na proposta de Lei Orgânica. Pela Constituição Federal, policiais e bombeiros militares que assumem cargo eletivo vão para a Reserva Remunerada automaticamente e não podem mais retornar à ativa quando cumprirem o mandato. Trata-se de privilégio, já que aos militares das Forças Armadas não é dado esse mesmo direito.
Pela nova proposta, “após o término do mandato o militar terá até 90 dias para manifestar o seu interesse de ser revertido ao serviço ativo, contando-se o tempo de exercício do mandato para promoção por antiguidade no lugar da sua turma de formação, e para recálculo da sua remuneração na inatividade, se não for integral”.
E mais: “Na hipótese de retorno a atividade após o fim do mandato, o militar não poderá ser transferido de sua unidade de origem pelo período de dois anos, salvo a pedido ou motivo justificado em processo administrativo, assegurada ampla defesa e contraditório”.