Morreu na madrugada desta terça-feira (15/12) o coronel aposentado da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, professor, escritor e cientista político Jorge Da Silva, 78 anos. Negro e nascido no Complexo do Alemão, na cidade do Rio, Jorge Da Silva era doutor em Ciências Sociais e foi um dos oficiais responsáveis por levar a democracia para dentro das Polícias Militares Estaduais, ainda durante o regime militar. O coronel enfrentava um câncer nos rins e morreu em Niterói, onde residia com a família.
Alisou-se ao também coronel da PMRJ Carlos Magno Nazareth Cerqueira e, juntos, lançaram a agenda de democratização das polícias. O coronel Cerqueira foi assassinado no dia 14 de setembro de 1999, no Centro do Rio. Em suas obras literárias, Jorge Da Silva abordava a segurança pública sob diversos olhares, inclusive, o racismo dentro e fora dos órgãos policiais e no Sistema de Justiça.
A morte de Jorge Da Silva foi comunicada por um de seus filhos, o coronel da PMRJ Jomar Da Silva. Em comunicado, ele agradeceu a solidariedade dos amigos e colegas e disse que seu pai já vinha lutando contra o câncer:
“Gostaria de agradecer pessoalmente aos amigos que se manifestaram pelas condolências a morte do meu pai. Fico feliz por saber da admiração que vocês tinham por ele. Mas esse ano foi muito difícil. Descobriu o câncer e teve que ficar trancafiado em casa, pois já estava no grupo de risco. Na última semana piorou muito. Muito obrigado à Família Trovão. Mas agora ele está descansando”, escreveu o filho.
Jorge Da Silva tinha uma ligação com a PM capixaba. Em agosto de 1995, ele esteve em Guaçuí, no Fórum Brasileiro de Polícia Comunitário-Interativa, e era amigo pessoal do professor e coronel RRPMES Júlio Cézar Costa, um dos idealizadores do Fórum. O coronel Jorge Da Silva esteve várias vezes no Espírito Santo, proferindo palestra para operadores da segurança pública e participando de aulas inaugurais.
Embora estivesse debilitado, Jorge Da Silva mantinha-se ativo nas redes sociais, onde possuía milhares de seguidores. Na última quarta-feira (09/12), o coronel Jorge Da Silva postou, em sua página Facebook, uma manifestação em favor da tenente-coronel da PMRJ Gabryela Dantas, que foi duramente atacada pela imprensa do Rio depois de criticar uma reportagem publicada nos jornais O Globo e Extra.
Gabryela exercia o cargo de porta-voz da Polícia Militar do Rio. Por conta de sua crítica, gravada em vídeo aos dois jornais, a oficial foi exonerada da função e acabou assumindo, em seguida, o comando do 23º Batalhão da PM (Leblon), na Zona Sul da cidade. Na noite do dia 8 deste mês, a tenente-coronel Gabryela apareceu em um vídeo divulgado nos canais da PM nas redes sociais, no qual fez críticas a um repórter do Grupo Globo.
“Minha solidariedade à TC Gabryela Dantas”, escreveu o coronel Jorge Da Silva, recebendo, depois, dezenas de elogios por sua atitude.
Numa rede social, a professora e policióloga Jacqueline Muniz lamentou a morte do coronel Jorge Da Silva, de quem era amiga há mais de 25 anos. Ela lembrou que “o doutor Jorge Da Silva resolveu levar sua irreverência intelectual, seu humor crítico e sua animação de festeiro e anfitrião lá para cima. No alto encontrou o parceiro Cel. PM Nazareth Cerqueira. Juntos inauguraram, de dentro, a agenda de democratização das polícias, cujos princípios e práticas seguem revolucionários até hoje”.
Jacqueline Muniz escreveu mais: “Conheci Nazareth e Jorge desse jeito, quebrando paradigmas. Fui calorosamente abraçada por eles. Entrou uma menina, cantora pop de cabelo laranja, na guarnição dos coronéis para puxar a revolução nas polícias. Coronéis PRETOS que chegaram ao topo da PMERJ para mostrar para todo mundo o que é ser polícia e policial na democracia. E assim saímos rodando o País em congressos, seminários, oficinas, academias de polícia, cursos de pós-graduação nas universidades, secretarias de Estado. Pusemos a nossas bocas afinadas no trombone das reformas de polícia, dentro e fora do Brasil”.
Segundo ela, Jorge Da Silva participa de discussões que “eletrizavam o debate público de Direitos Humanos e Segurança Pública. Bons tempos de embates entre esquerdistas, progressistas, liberais, direitistas e conservadores que tinham em comum o respeito à vida e aos princípios democráticos e republicanos. A predação institucional das polícias, o retorno da profissão policial à indigência intelectual e a naturalização das mortes do povo preto e pobre por parte de PMs, também pobres e pretos, como política de (in)segurança não combinam com as fardas de Narazareth e Jorge”.
E concluiu: “Jorge, seguirei mais um tempo aqui ajudando a refazer o caminho da esperança. Sem vocês na guarnição, tenho agora como companheiros minha tatuagem tribal, o espadachim dos direitos humanos que peguei com vocês e a voz para seguir cantando, dentro das polícias, que Paz se faz com Paz, que o Estado é de direitos para todos! Não exagere na alegria festiva aí encima. Volte logo ao trabalho com nossos parceiros daí para seguir na luta pelos nossos daqui. Abraços. Jac Muniz”.
UFF lamenta a morte do professor Jorge Da Silva
Em nota, a Coordenação do Curso de Especialização em Políticas Públicas de Justiça Criminal, da Universidade Federal Fluminense (UFF), lamentou a morte do professor Jorge Da Silva.
“Foi uma das principais pessoas que possibilitou a criação deste curso. Em suas obras sempre defendeu a importância de se pensar a segurança pública fora da ótica jurídica e militar. Argumentava que essa perspectiva era normativa e fragmentada. Sua contribuição aos estudos da violência passou por sua incorporação da análise da discriminação racial, tema que sempre pautou sua reflexão teórica e sua vida. Viver a gestão pública e pensar sobre ela foi uma das marcas de Jorge Da Silva, conhecido também por sua gentileza, bom humor e sua voz, que maravilhava quem o ouvia cantar”, diz a nota.
Os pesquisadores da Rede Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos (INCT-InEAC/UFF) também externaram seus sentimentos em documento de despedida.
“O professor Jorge Da Silva era uma pessoa singular. Sua inteligência privilegiada combinava com a generosidade de seu espírito, expressa sempre em sorrisos e risadas espontâneas, trato hospitaleiro e, principalmente, um olhar e audição atentos para com o interlocutor. Era, assim, uma figura humana exemplar capaz de aliar, de forma natural, empatia pessoal e excelência profissional a toda prova. Exercitou desta forma rara e ampla competência para a vida em diferentes universos e contextos, sempre demonstrando grande capacidade para projetar, no futuro, aspirações coletivas e de bem estar para todos na sociedade”, afirma um trecho.
Um currículo notável
Um dos mais notáveis especialistas de segurança pública, o coronel Jorge Da Silva tinha Pós-Doutorado na Universidade de Buenos Aires/Equipo de Antropologia da Faculdade de Filosofia e Letras (2006); possuía doutorado em Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio (UERJ/Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (2005); mestrado em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense/ Instituto de Ciências Humanas e Filosofia (1998); mestrado em Letras pela Universidade Federal Fluminense / Instituto de Letras (1972; graduação em Direito e em Letras pela Universidade Federal Fluminense (1970 e 1972, respectivamente.
Também possuía todos os cursos regulares do oficialato da Polícia Militar do Rio, corporação em que chegou ao último posto, o de coronel, e em que ocupou altas funções. Foi professor-adjunto da UERJ, onde foi coordenador-executivo da Coordenação Multidisciplinar de Estudos e Pesquisas em Ordem Pública, Polícia e Direitos Humanos / Reitoria.
Foi coordenador, no Núcleo Superior de Estudos Governamentais / NUSEG, do Curso de Segurança Pública: Teoria e Gestão, realizado em convênio com Governo do Estado (Instituto de Segurança Pública / ISP (1999-2007). Exercício na Faculdade de Formação de Professores da UERJ / Departamento de Letras (professor-adjunto) até junho de 2008.
O coronel Jorge Da Silva foi pesquisador-convidado do Núcleo Fluminense de Estudos e Pesquisas (NUFEP) da Universidade Federal Fluminense, e professor do Curso de Especialização em Políticas Públicas de Justiça Criminal e Segurança Pública do referido Núcleo; coordenador do Curso de Especialização em Direito da Segurança Pública, da Faculdade de Tecnologia e Ciências Educação a Distância (FTC EAD).
Possuía experiência nas áreas de Educação, de Formação Policial, e de planejamento estratégico no campo da Segurança, Justiça e Direitos Humanos. Escreveu mais de 10 livros em torno de temas como segurança pública, violência urbana, racismo, criminologia, polícia, além de artigos em publicações nacionais e estrangeiras.
Possuía também experiência no desenvolvimento de políticas públicas nessas áreas, em razão sobretudo de sua atuação como integrante da cúpula da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro até 1994 (subsecretário de Estado e chefe do Estado Maior Geral), e depois em cargos da alta administração do Estado, a saber: coordenador de Segurança, Justiça, Defesa Civil e Cidadania (2000-2002), presidente do Instituto de Segurança Pública (2003), e secretário de Estado de Direitos Humanos (2003-2006).
O coronel Jorge Da Silva foi também diretor-presidente do Instituto de Segurança Pública do Governo do Estado do Rio (ISP). Carioca, do subúrbio da Leopoldina, o coronel PM Jorge da Silva foi pesquisador de temas relacionados à segurança pública e violência.