A Polícia Civil concluiu as investigações – e já encaminhou o relatório para o Ministério Público do Estado do Espírito Santo – relativas às denúncias de suspeita de desvio de recursos públicos em contratos que somam pelo menos R$ 1 milhão, feitos pela administração municipal com uma única empresa, pertencente a primos do prefeito Alessandro Broedel (Republicanos).
O delegado Fabrício Lucindo, da 16ª Delegacia Regional de Linhares, ouviu o vereador Edson Santiago (PTB), o ex-vereador Edson Isidoro e vários servidores da Prefeitura e já teria – segundo o jornalista Oséias Farias, do programa Ronda da Cidade, transmitido pela Rádio e pela TV Sim, de Linhares – encaminhado o resultado das investigações ao MP, sob sigilo de justiça.
O montante apurado refere-se a contratações de quase R$ 430 mil feitas com a Distrimar, já recebidos, outros R$ 480 mil numa “adesão” a uma ata de licitação de uma prefeitura do interior da Bahia, e a outro contrato de R$ 100 mil para utilização de arbitragem de futebol durante a pandemia da Covid-19.
O ponto de partida é a Distrimar, localizada na Avenida Vista Alegre, com a razão social Denilda Maria Frossard Stein Paqueli EPP, CNPJ 06.901.248/0001-00, que já firmou pelo menos quatro contratos, tanto com a Prefeitura quanto com o SAAE (Serviço Autônomo de Água e Esgoto) de Sooretama, e já recebeu R$ 429.633,51 de 2018 a 2019.
O ex-vereador Edson Isidoro denunciou à Câmara Municipal de Sooretama, há mais de um ano, o desaparecimento de praticamente todo o material comprado da empresa da Distrimar. Como não houve providências, ele voltou a carga e há cerca de dois meses convidou os vereadores para percorrerem com ele supostas obras onde teria sido aplicado o material. Somente o vereador Edson Santiago aceitou o desafio.
Em resumo, após ter acesso às notas fiscais pagas pela prefeitura, ficou comprovado, após visitar prédios públicos do município, que centenas de itens que a prefeitura adquiriu não foram utilizados.
São mais de 15 mil metros de lona preta 4×100; 150 janelas de alumínio; 200 facões; 100 jogos de aduela de madeira de lei (Angelim pedra); 200 jogos de alisar madeira mista; 1000 metros cúbicos de brita; 500 brocas fibrocimento; mais de 100 portas de almofada de madeira mista; além de material elétrico; cimento; ferragem e outros itens que somente com uma análise mais técnica, para tirar a dúvida, se de fato foram utilizados.
O ex-vereador Edson Isidoro e o vereador em exercício Edson Santiago estiveram in loco visitando o almoxarifado central da prefeitura, além de outras repartições, buscando constatar se por acaso o material estaria estocado. Do chefe do Almoxarifado, Dalvaci Guaitolini, ouviram que todos aqueles milhares de itens adquiridos pela prefeitura nunca passaram pelo setor.
Não satisfeitos, Edson Isidoro e Edson Santiago foram atrás do fiscal dos contratos, o servidor público comissionado Tiago Magnago. E ele deixou claro que assinou as notas atestando o recebimento e conferência, mas nunca conferiu nenhum dos itens, sequer os tendo visto.
Ao ser questionado se ele tinha consciência do que ele havia atestado, Magnago apenas justificou apontando a responsabilidade para outro servidor comissionado (Gilson Lahass), ex-subsecretário, afastado para disputar eleição para vereador.
Novamente a situação foi levada ao conhecimento da Câmara. O vereador Edson Santiago foi o interlocutor com o Legislativo. Os demais vereadores não tomaram partido para investigar a denúncia, levada em uma sessão da Câmara, por meio da Tribuna Livre, e demonstrada, com provas, por Isidoro.
Duas semanas após o ex-vereador Edson Isidoro usar novamente a Tribuna para demonstrar o que foi apurado e pedir providências ao Legislativo, nada de concreto foi feito pela Câmara.
A partir daí, o próprio Edson Isidoro promoveu uma Queixa-Crime contra a administração municipal junto à Polícia Civil, queixa esta validada pelo delegado Fabrício Lucindo, chefe da 16ª Delegacia Regional da PC em Linhares, iniciando os procedimentos de investigação.
Além do denunciante, a Polícia ouviu o vereador Edson Santiago, pelo menos dois secretários municipais (Fernando Camiletti que era responsável pela Secretaria de Obras, e Lidiani Peixoto, atual responsável pela Pasta); ouviu também Gilson Lahass, ex-subscretário de Obras, que seria o responsável por retirar o material da empresa e encaminhar para as pequenas reformas e pequenas obras; além de outros servidores, como pedreiros e eletricistas do quadro de servidores da Prefeitura Municipal de Sooretama. O teor dos depoimentos não foi revelado pelo delegado, que teria encaminhado as investigações para o MP e saído de férias.
Fontes internas, porém, garantiram que todos os servidores alegaram que não usaram o material, pelo menos não naquela enorme quantidade discriminada nas notas fiscais pagas pela prefeitura. Um desses depoimentos, nesses termos, teria sido o de Gilson Lahass, reconhecendo e dizendo que prova que usou alguns itens, mas não na quantidade “comprada” pela prefeitura.
O material “comprado” desapareceu. As obras que foram realizadas no município, segundo os denunciantes, as reformas desde 2017, até o presente momento, são obras com contratos distintos. Ou seja: a prefeitura abre licitação, empresas participam, e os vencedores do certame entram com mão de obra e material. Assim, esses contratos de obras não têm nenhuma relação com o material que a administração “comprou”.
A prefeitura alega que o material adquirido foi para pequenas reformas de prédios públicos e construções, mas isso foi questionado porque os serviços geralmente são realizados por empresas terceirizadas, contratadas para tais fins, com mão de obra e material por sua conta e risco.
São vários contratos firmados entre a prefeitura e empresas de construção e reformas de quadras poliesportivas, escolas, unidade de saúde, pavimentação e em outras repartições.
Se a Prefeitura não realiza, diretamente, tais manutenções, construções com o emprego dos seus servidores, como justificar um gasto tão elevado na aquisição de material?
Um dado curioso é que a Prefeitura aderiu a uma ata de um município baiano em 8 de abril de 2020, numa contratação destinada a um primo do prefeito, sob alegação de ter que comprar material para “pequenas reformas”.
Quem representou a empresa dos parentes do prefeito, segundo a denúncia levada à Polícia, foi o empresário Maykson Antonio Monte, o mesmo que fez um contrato de R$ 100 mil para arbitragem em tempos de pandemia, além de, em outra empresa de sua propriedade, vender serviços e equipamentos de ar condicionado para a prefeitura de Sooretama.
Quando a denúncia foi apresentada na Câmara, sem manifestação da maioria dos vereadores, Edson Isidoro então pediu que as informações que ele estava apresentando fossem tratadas como “denúncia de um cidadão sooretamense e representação partidária” (ele preside o Cidadania no município).
O presidente da Câmara, Klysmmamm Marcelino, solicitou cópia dos contratos com a empresa DISTRIMAR Material de Construção; da Empresa de Arbitragem Maykson Antônio Monte e também da empresa de Limpeza Urbana Bio Sanear Tecnlogia.
Quase 60 dias depois é que a Prefeitura enviou cópia dos processos licitatórios, contábeis das empresas. Mais uma vez o ex-vereador disse que teve dificuldades em ter acesso à documentação, pois os vereadores alegavam que, antes, queriam verificar os documentos, para somente depois conceder o acesso ao cidadão. Foi então que Edson formalizou o pedido de acesso, por meio de ofício, e somente assim foi-lhe concedido verificar as informações da administração.
Ao analisar a documentar, Edson diz que concluiu, de imediato, que eram consistentes as denúncias que lhe foram feitas por moradores da cidade, inconformados com o que estava acontecendo.
Além da ocorrência na Polícia Civil, foi feita também uma denúncia ao Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo para apurar os supostos desvios de recursos públicos em contratos que montam a R$ 1 milhão.
No início de 2019, um ex-secretário Municipal de Esportes de Sooretama, Cleidson Carminatti, protocolou uma denúncia no Legislativo Municipal apontando inúmeras irregularidades, inclusive com fotos e dados que davam subsídio para que a Câmara abrisse uma CPI contra Alessandro Broedel, mas a denúncia foi arquivada.
A Câmara Municipal alegou, na época, que não prosseguiu com os procedimentos pelo fato de que o denunciante não demonstrou que ele é “eleitor” do município, não tendo demonstrado na inicial, no requerimento, o seu número do título de eleitor.
Na denúncia, Carminatti cita contratos com oficinas mecânicas do município de Sooretama com gastos exorbitantes, e indícios de práticas parecidas com a questão do material de construção: peças e serviços na frota municipal estavam sendo pagas, porém não realizadas, e com isso lesando o erário.
A política em Sooretama parece uma grande organização familiar. Um dos chefes pelo setor de compras, que faz a licitação, é filho do ex-vereador Paulão (Paulo Correia), falecido no final do último mês de julho, vítima da Covid-19.
O presidente da Câmara, Klysmmamm Marcelino, a quem competiria fiscalizar os atos do Executivo, é filho de uma prima do prefeito Alessandro Broedel (Foto), a senhora Mônica Maria Broedel Machado. Além disso, Klysmmamm tem mais dois irmãos em cargos comissionados na prefeitura: Christopher Machado, que trabalha no almoxarifado da Prefeitura, e Cintia Lorem Machado.
O pai de Klysmmamm, Adson Pereira, é motorista concursado da Prefeitura, mas tem regalias, como salário diferenciado, com horas extras e gratificações que batem quase 100% sobre o salário.
A esposa de Adson, madrasta de Klysmmamm, também está nomeada na Prefeitura desde 2019, quando deixou um cargo que tinha na Câmara Municipal. Ainda tem uma irmã de Adson, portanto tia do presidente do Legislativo, que também foi contemplada com um cargo e nomeada para trabalhar na prefeitura.
De acordo com levantamentos preliminares, a maioria dos outros vereadores, na base de apoio ao prefeito, tem parentes na Prefeitura e algum vínculo, que é desproporcional aos cargos que exercem, principalmente de fiscalizadores.