A Justiça Estadual concedeu medida liminar ao Estado do Espírito Santo num imbróglio criado pelo Ministério Público Federal. A liminar foi concedida no Plantão Judiciário de sábado (06/06) e é assinada pelo juiz Anselmo Laghi Laranja. Em síntese, a liminar impede o MPF de interferir nas políticas públicas adotadas pelo governador Renato Casagrande (PSB) no combate ao novo coronavírus.
Por meio da Procuradoria-Geral do Estado, o Governo questionou a postura administrativa da Procuradoria Regional da República em Vitória, afirmando que o MPF estaria se envolvendo indevidamente, por meio do Procedimento Administrativo nº 1.17.000.000642/2020-16, “nas políticas públicas de enfrentamento à situação de emergência em saúde pública decorrente da pandemia relativa à doença Covid-19/SARS-CoV”.
No bojo do procedimento administrativo, o Ministério Público Federal recomendou ao Estado (Recomendação 12/2020/PR-ES/GAB-E00) incluir a “taxa de transmissão da doença Covid-19/SARS-CoV na Matriz de Risco Ampliada do Espírito Santo”, advertindo-o, expressamente, que o descumprimento poderia acarretar a adoção das providências cabíveis.
Ainda segundo a PGE, o secretário de Estado da Saúde, Nésio Fernandes, expediu ofício ao MPF explicando todas as dificuldades na inclusão de novo índice na matriz de risco ampliada, asseverando, no entanto, que as áreas técnicas da Sesa avaliariam essa possibilidade, para o que seria necessário mais prazo.
Contudo, diz a Inicial, esgotado o prazo concedido pelo MPF, no início da tarde de sexta-feira (05/06) alguns agentes públicos souberam pela imprensa que o Parque teria requisitado “nome e a qualificação profissional do responsável técnico pela elaboração, implementação e operação do assim denominado mapa de risco do Estado do Espírito Santo”, sob as penas legais, inclusive a configuração de crime e ato de improbidade administrativa.
Dessa forma, o Estado requereu a concessão de medida liminar que: I) afirme a competência da Justiça Estadual para processar e julgar a causa; II) suste os efeitos da Recomendação 12/2020/PR-ES/GAB-E00; III) suste os efeitos da Requisição instrumentalizada pelo Ofício nº 1631/2020/PR-ES/GABE00; IV) o trancamento do procedimento administrativo nº 1.17.000.000642/2020-16.
O juiz Anselmo Laranja entendeu no pedido que a Justiça Estadual tem competência para analisar a medida liminar:
“O art. 109, inciso I, da Constituição Federal, determina que aos juízes federais competem processar e julgar ‘as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes’. Como bem afirmou o Estado na Inicial, a demanda foi proposta em face do Ministério Público Federal, que possui personalidade jurídica, além de autonomia funcional e administrativa, não sendo, portanto, integrante da União, tampouco de autarquias e empresas públicas federais. Além disso, no exame de medida cautelar deferida na ADI 6.341, o C. Supremo Tribunal Federal afastou a pseudo primazia da União sobre os demais entes federados para deliberar sobre medidas adotadas para o enfrentamento da pandemia da Covid-19/SARS-CoV, reconhecendo a competência concorrente prevista no art. 23, inciso II, da CF.”
O magistrado completou: “Importante salientar, ainda, que a Lei Federal nº 13.979/2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, não afastam a competência concorrente e a legitimidade das tomadas de decisões pelos Estados. Desse modo, não vislumbro interesse da União Federal em fiscalizar as políticas epidemiológicas que estão sendo adotadas pelo Governo do Estado do Espírito Santo.”
Sobre os pedidos em si, o juiz Anselmo Laranja pondera que é “fato notório que vivenciamos um momento de extrema delicadeza na história da humanidade, já que a vida e a saúde de milhões de pessoas se encontram em risco, tendo em vista a avassaladora proliferação da doença Covid-19/SARS-CoV. Diante desse cenário, o Poder Público (em níveis nacional, estadual e municipal) tem tomado diversas medidas com o propósito de evitar a propagação da doença.”
Segundo ele, “não há como negar, pois é fato notório todo o esforço que o Estado do Espírito Santo tem empreendido neste momento delicado pelo qual passamos. Inúmeros decretos foram e vêm sendo editados com o propósito de conter o avanço da doença. Além disso, sobre o Estado recaem várias obrigações impostas pela CF/1988, como, por exemplo, a de garantir a saúde, educação, segurança pública, etc., devendo cumprir todas elas.”
Ele destaca ainda que, por meio do Decreto nº 4.593-R, de 13/03/2020, o Estado do Espírito Santo criou a Sala de Situação de Emergência em Saúde Pública, com o objetivo de centralizar a adoção de medidas administrativas e sanitárias necessárias ao eficaz enfrentamento da pandemia, assessorada por um Centro de Controle de Comando (CCC), sendo este integrado por órgãos técnicos com experiência em situações de calamidade pública, tais como o Corpo de Bombeiros, a Defesa Civil, a Vigilância Sanitária.
O magistrado frisa também que o decreto governamental estabelece, em seu art. 2º, parágrafo único, que “os critérios epidemiológicos e os indicadores a serem considerados para o enquadramento dos Municípios nos níveis de risco serão estabelecidos em ato do Secretário de Estado da Saúde”.
Ainda de acordo com o referido decreto, agora em seu art. 3º, “o enquadramento dos Municípios nos níveis de risco será feito semanalmente por ato do Secretário de Estado da Saúde, que poderá, a qualquer tempo, proceder à revisão do enquadramento, quando houver alteração dos indicadores levados em consideração na avaliação de risco”.
Como se pode perceber, diz o juiz Anselmo Laranja (Foto), embora o mapeamento de risco da propagação da doença Covid19/SARS-CoV seja ato afeto ao secretário de Estado da Saúde e ao Governador do Estado, “eles têm sido assessorados pela Sala de Situação de Emergência em Saúde Pública e pelo Centro de Controle de Comando, valendo reiterar que este último é composto por órgãos técnicos com experiência em situações de calamidade pública, tais como o Corpo de Bombeiros, a Defesa Civil e a Vigilância Sanitária.”
O magistrado afirma que esse assessoramento indica que o Poder Público capixaba “tem enfrentado a pandemia com respaldo técnico e científico, pautado, ademais, pelos princípios que regem a Administração Pública, sendo evidente a transparência dos critérios adotados para a aferição dos riscos a cada dia, em cada lugar.”
Anselmo Laranja diz mais: “Não olvido da relevantíssima função constitucional desempenhada pelo Ministério Público Federal, mormente no excepcionalíssimo momento que vivenciamos. Todavia, em que pese a relevância da atuação ministerial, penso que, no caso concreto, data máxima vênia, ela acaba por imiscuir-se no mérito de ato administrativo, cuja conveniência e oportunidade devem ser exercidas pelo Poder Executivo, no caso concreto, e preservadas em virtude de imperativo constitucional.”
E o magistrado conclui esta parte da análise: “Mais claramente dizendo, parece-me que a intenção do Parquet, de que seja incluída a ‘taxa de transmissão da Covid-19/SARS-CoV na Matriz de Risco Ampliada do Espírito Santo’ (Recomendação 12/2020/PR-ES/GAB-E00), importa em interferência na formulação da política pública respectiva, devendo ser tolida.”
Relativamente à requisição (instrumentalizada pelo Ofício nº 1631/2020/PR-ES/GAB-E00) feita pelo Ministério Público Federal para obter o nome e a qualificação profissional do responsável técnico pela elaboração, implementação e operação do Mapa de Risco do Estado do Espírito Santo, sob as penas legais, inclusive a configuração de crime e ato de improbidade administrativa, “entendo tratar-se de desdobramento da sua tentativa de imiscuir-se no mérito administrativo.”
Por isso, afirma o juiz, “mão ignoro a possibilidade de o MPF questionar em juízo a legalidade dos atos administrativos. No entanto, respeitosamente, não é isso o que aparentemente se verifica no caso vertente, visto que o Parquet não sinalizou pretensão de controle de legalidade, mas tentativa, em tese, de alterar política pública.”
Para Anselmo Laranja, “a postura do MPF tem a aptidão interferir negativamente na matriz de risco ampliada e em todo o programa de enfrentamento da pandemia desenvolvido pelo Estado do Espírito Santo, inserindo índice (taxa de transmissão da doença) que não faz parte do estudo inicial, prejudicando, dessa forma, o planejamento que vem sendo adotado, o qual, conforme se disse anteriormente, possui respaldo técnico e científico.”
Portanto, concluiu o magistrado, “estando preenchidos os requisitos previstos nos arts. 12 da LACP e 300 do CPC, a tutela provisória reclamada deve ser parcialmente deferida, para o fim de se determinar a sustação dos efeitos da Recomendação 12/2020/PR-ES/GAB-E00 e da Requisição instrumentalizada pelo Ofício nº 1631/2020/PR-ES/GABE00.”
Porém, no tocante ao pedido de trancamento do Procedimento Administrativo nº 1.17.000.000642/2020-16, decidiu o juiz Anselmo Laranja, “não me parece ser apropriada a sua análise em plantão, visto que pode versar sobre várias outras questões que não se relacionam àquilo que se discute nesta demanda, razão pela qual torna-se necessário um exame mais criterioso e que exige mais tempo de estudo, o que não se revela possível em cognição sumária.”