O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) deixou muito bem claro – além dos palavrões que saíam de sua boca e da alguns ministros –, na tão famosa reunião ministerial do dia 22 de abril de 2020, no Palácio do Planalto, em Brasília, que possui uma espécie de ‘Serviço Nacional de Inteligência’ para atender somente suas demandas pessoais e de sua família. Seria, segundo ele, uma Agência Brasileira de Informação (Abin) paralela, formada, basicamente, por policiais que atuam nos Estados.
Na sexta-feira (22/05) o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), liberou quase integral o vídeo da reunião em que Bolsonaro manifestou insatisfação com a Polícia Federal.
Dois dias depois da reunião, Sergio Moro se demitiu do Ministério da Justiça e Segurança Pública denunciando suposta interferência de Bolsonaro na PF. O Presidente demitiu o então diretor-geral da instituição, delegado Maurício Valeixo, por entender que precisava colocar n o cargo alguém de sua confiança.
A partir da denúncia de Moro, a Procuradoria-Geral da República abriu uma investigação para apurar se Bolsonaro ou Moro cometeu crimes. Por isso, a análise da gravação do vídeo da reunião é importante para esclarecer se o Presidente buscava ou não alguma interferência ilegal na Polícia Federal.
Se tentou ou não interferir na PF, o certo é que Bolsonaro deixou claro que tem seu particular ‘Serviço de Inteligência’, como costumam ter também, sobretudo, ditadores de países presididos pela esquerda – como Venezuela, Cuba, China, dentre outros.
Na mesma sexta-feira, Bolsonaro concedeu entrevista à Rádio Jovem Pan e a outros canais de TV em que afirmou ter amigos policiais espalhados por todo o País que lhe passam informações sobre diversos assuntos.
Dentre os assuntos repassados a Bolsonaro estão, inclusive, detalhes sigilosos de investigações da Polícia Federal que têm como alvo dois de seus filhos: o senador Flávio Bolsonaro e o vereador Carlos Bolsonaro (Rio).
“Policiais civis e militares do Rio, que são amigos meus, me informaram sobre mandado de busca e apreensão que seria cumprido na casa de meus filhos, onde provas seriam plantadas. Nunca pedi ao Moro (ex-ministro da Justiça) que me protegesse. Pedi apenas que me ajudasse para que eu pudesse governar o País com tranquilidade. Os meus amigos policiais de todo o País é que me abastecem com informações”, disse Bolsonaro.
Os policiais que repassam informações relativas a investigações ao presidente Bolsonaro estão, em tese, cometendo crime previsto no Código Penal Brasileiro e infrações administrativas.
O artigo 325 do CPB, que trata da Violação de sigilo funcional, diz: Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação. Pena – detenção, de seis meses a dois anos, ou multa, se o fato não constitui crime mais grave. Nas mesmas penas deste artigo incorre quem: I – permite ou facilita, mediante atribuição, fornecimento e empréstimo de senha ou qualquer outra forma, o acesso de pessoas não autorizadas a sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública; II – se utiliza, indevidamente, do acesso restrito. 2o Se da ação ou omissão resulta dano à Administração Pública ou a outrem: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.
Se a informação é repassada a Bolsonaro, por exemplo, por policiais federais, estes profissionais estão sujeitos a sofrer até a pena de demissão. É o que estabelece o artigo 132 da Lei 8112/1990, que dispõe sobre Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis das União, das autarquias e das fundações públicas federais. Diz o inciso IX: Revelação de segredo do qual se apropriou em razão do cargo.
Com as falas na reunião ministerial e, posteriormente, nas entrevistas o Presidente da República acaba normalizando os ilícitos e insuflando policiais a cometerem os crimes e infrações disciplinares.
Desta forma, Jair Bolsonaro acaba por induzir seus eleitores-policiais a infringir o artigo 2º da Lei 12.850, de 2 de dezembro de 2013, que ‘Define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal’.
Diz o citado artigo: Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa. Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas. 1º Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa…§ 7º Se houver indícios de participação de policial nos crimes de que trata esta Lei, a Corregedoria de Polícia instaurará inquérito policial e comunicará ao Ministério Público, que designará membro para acompanhar o feito até a sua conclusão.
Mais perigoso, ainda, é que o presidente Bolsonaro declarou que vai continuar interagindo com policiais ‘vazadores’ de informações. Nos meios da segurança pública é de conhecimento que existe um lado nas Polícias Federal, Civis e Militares disposto a vazar para Bolsonaro qualquer informação, seja ela de interesse do Sistema de Justiça Criminal ou de cunho políticos, como fizera em outubro de 2019 o diretor de Segurança Legislativa da Assembleia Legislativa do Espírito Santo, o subtenente do Corpo de Bombeiros Sérgio de Assis Lopes, conhecido como Subtenente Assis.
Naquela ocasião, Assis foi a Brasília, onde se reuniu com Bolsonaro, para dedurar o prefeito de Cariacica, Geraldo Luzia de Oliveira Junior, o Juninho (Cidadania). Na época, Subtenente Assis disse que Juninho havia criado um disque-denúncia para a população denunciar supostos abusos dos operadores da segurança pública que integram a Força Tarefa que atua no município.
Dias depois, o então ministro da Justiça, Sergio Moro, esteve em Cariacica e constatou que o Subtenente Assis havia mentido para o Presidente da República. Moro, inclusive, declarou que o serviço de disque denúncia de Cariacica serviria de modelo para o Governo Federal.
Algumas corregedorias já estão agindo, mas encontram dificuldades em apurar e punir os policiais que integram o “Serviço de Inteligência” do presidente Bolsonaro. Nas redes sociais, é comum se ver operadores da segurança governistas que usam o espaço em autopromoção impunemente para obter cargos no Governo Federal ou apoio de Jair Bolsonaro para se candidatarem nas eleições municipais de 2020.
De acordos com fontes ouvidas pelo Blog do Elimar Côrtes, em Brasília, semanas antes de ser exonerado do cargo por Bolsonaro, o então diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, estava tentando aprovar norma interna para facilitar a punição pelo uso abusivo de policiais federais nas redes sociais.
“O doutor Valeixo não conseguiu avançar, não deu tempo; e ainda tinha risco de virar censura aos servidores não governistas que se expressam com responsabilidade”, comentou um delegado federal.