Muito se tem falado acerca das inúmeras mudanças trazidas ao Código de Processo Penal com a recente Lei 13964/19 aprovada pelo Congresso Nacional, após intenso debate, e sancionada pelo Presidente Bolsonaro.
Esta lei é fruto de um projeto enviado ao Congresso pelo Poder Executivo e apelidada pela mídia de “Pacote Sérgio Moro”, por ter sido gestado no Ministério da Justiça , pasta onde o ex-juiz atualmente exerce a função política de ministro.
Algo que chamou a atenção durante a tramitação no Congresso Nacional de tal projeto de lei foram as inúmeras críticas retratadas na imprensa de entidades de classe das diversas carreiras de operadores do Direito e, inclusive , do próprio ministro Moro acerca do fato deste citado projeto ter sido “ desfigurado “ durante sua tramitação . Cabe-nos lembrar que todo projeto de lei ( daí a razão do nome : projeto) está sujeito a modificações e discussões durante sua tramitação no poder legislativo .
Saber conviver com divergências de ideias é um imperativo de um Estado Democrático de Direito e achar que aqueles que pensam de maneira diferente é “inimigo do povo e a favor da corrupção “é uma forma míope ou , quem sabe , eivada de má fé de se conviver em um regime democrático”.
Pois bem, foi neste ambiente que se incluiu no projeto de lei “Moro” o instituto do Juiz de Garantias , instituto este duramente criticado por aqueles que não o conhecem ou não o querem conhecer.
O Juiz de Garantias veio para dar equilíbrio entre as partes que compõem a persecução penal: Polícia Judiciária , conduzida por um Delegado de Polícia /operador jurídico, acusação e defesa técnica. Serve o Juiz de Garantia para, em última análise, não deixar que o afã da investigação macule a decisão do magistrado que deve permanecer equidistante das partes e decidir conforme o Direito e as provas do delito trazidas aos autos.
Neste diapasão , cabe salientar a nova previsão do art. 3- c , par. 3 da citada lei. Segundo o citado artigo, o membro do MP pode oferecer denúncia colhendo “partes “ do inquérito policial que ficará a disposição da DEFESA e do MP na secretaria da Vara do Juiz de Garantia .
Cumpre-nos ressaltar que o legislador foi sábio ao permitir que a DEFESA tivesse acesso à íntegra do inquérito policial arquivado perante o Juiz de Garantia. Na verdade, o espírito do legislador foi permitir uma forma de defesa contra denúncias oferecidas por membros do MP onde fossem “pinçadas” do inquérito policial somente as “partes” que interessassem à parte acusadora e fossem desprezadas as partes que interessassem à defesa. Não é incomum a adoção de tal expediente por parte do órgão acusador, pois, diferentemente da Polícia Judiciária que não tem interesse processual como parte , o parquet tem um interesse natural em vencer a “contenda” e, por isto, juntar aos autos do processo as peças que lhe sejam úteis para seu interesse é algo “ natural”.
Podemos dizer , hoje , que com a nova legislação houve uma correção desta distorção e que a DEFESA também tem acesso ao procedimento investigativo técnico por excelência qual seja , o inquérito policial e , por isto , permitir que durante o contraditório da fase processual a ampla defesa seja exercida em sua inteireza ( e não apenas “pró forma” como vem sendo exercido em muitos casos).
Podemos dizer que a nova legislação, em seu art. 3 -C , parágrafo 3 , veio trazer um enorme avanço para o Estado de Direito ao permitir que a DEFESA técnica tenha acesso aos autos de inquérito policial, conduzido por um operador do Direito, para poder ver todas as medidas encetadas na fase investigativa e, em trabalhando com a verdade real, analisar qual a melhor medida a ser adotada em defesa do acusado e da própria sobrevivência do Estado de Direito com a verdadeira paridade de armas em um contraditório processual.
(Rodrigo de Melo Teixeira é delegado da Polícia Federal e diretor Regional da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal – ADPF/MG).
(Artigo publicado, originalmente, no Portal de Notícias Consultor Jurídico)