O investigador Mitri Guedes Paranhos, da Delegacia de Pedro Canário, e a investigadora Luciana Maria de Souza, da 18ª Delegacia Regional de São Mateus, foram afastados de suas atividades depois de serem flagrados em um vídeo agredindo um funcionário dos Correios do Espírito Santo, que estava trabalhando. Veja o vídeo no final desta reportagem.
A agressão, que viralizou na internet e recebeu milhares de críticas em todo o mundo, aconteceu na segunda-feira (25/11), durante manifestação de policiais civis ligados a uma congregação de sete entidades ligadas às forças estaduais de segurança pública denominada de ‘Frente Unificada de Valorização Salarial dos Policiais Civis, Militares e Bombeiros.
A passeata aconteceu depois de uma Assembleia convocada pela Associação dos Investigadores de Polícia Civil (Assinpol), na manhã de segunda-feira (25/11), no pátio da Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), no bairro Barro Vermelho. A ‘Frente’ reivindica reajuste das perdas salariais dos últimos anos, além de um plano de valorização das carreiras.
A manifestação dos policiais aconteceu numa das mais movimentadas e mais importantes vias do Estado, a Avenida Nossa Senhora da Penha (Reta da Penha), acarretando um transtorno para a população capixaba, pois deixou o trânsito congestionado e prejudicou habitantes da Serra, Vitória e Vila Velha, principalmente.
No decorrer do dia de segunda-feira (25/11), a investigadora Luciana teria gravado um áudio e postado num grupo de WhatsApp de policiais civis e demais servidores públicos, em que diz que o seu desejo era ter “dado um tiro na cara” do funcionário dos Correios. Os policiais civis que participaram da manifestação estavam, em sua maioria, armados com pistolas que são da própria Polícia Civil
À TV Gazeta, Luciana negou que a voz do áudio seja dela. No entanto, a reportagem da TV Gazeta fez a comparação e concluiu que as vozes são idênticas – do áudio e da entrevista de Luciana.
O que diz o áudio:
“Ele (funcionário dos Correios) tentou passar por cima de mim. E se ele passasse, o controle emocional seria muito pior, porque as pessoas têm que respeitar os direitos dos outros. Estávamos lá para defender melhorias para todos os servidores, inclusive pessoas desse grupo. Temos um salário de merda. Vem uma peste desta dos infernos, que a gente acorda de manhã, cansada, passou um fim de semana super estressada, porque o salário, chega a uma hora dessas, não dá mais, a gente vai fazer uma passeata e ainda vem uma praga dessas dos infernos e ainda tenta passar por cima da gente, no meu caso eu…O meu descontrole ainda foi muito pouco. Eu deveria ter dado um tiro no meio da dele. E a gente estava ali foi para correr atrás do prejuízo de todo mundo, não foi só da Polícia Civil não. Tem muitos funcionários públicos que ficam em casa, com a bunda no sofá só esperando os loiros da gente que vai pra rua. Me desculpem o desabafo…”
Atitude de Mitre e Luciana está fora dos padrões da Polícia Civil
A manifestação foi organizada pela Associação dos Investigadores de Policiais Civis (Assinpol) e pelos Sindicatos dos Investigadores de Policiais (Sinpol) e Delegados de Policiais (Sindepes).
Na primeira postagem, na noite de terça-feira (26/11), o site Blog do Elimar Côrtes errou ao informar que o Sindepes não é reconhecido oficialmente pela Justiça. É sim, conforme assegurou o Departamento Jurídico do Sindicato dos Delegados. Apenas o Sindicato dos Investigadores (Sinpol) não tem a legitimidade reconhecida pelo Tribunal Superior do Trabalho e instâncias inferiores.
Foi o próprio delegado-geral da Polícia, José Darcy Arruda, quem anunciou na tarde desta terça-feira (26/11), o afastamento dos policiais Mitri e Luciana, que deixaram suas unidades, no Norte do Estado, para participar da manifestação na capital capixaba.
De acordo com o delegado Darcy Arruda, a atitude dos policias Mitri e Luciana está fora do padrão da Polícia Civil. “Nossos policiais são treinados para ter equilíbrio psicológico diante de situações de conflito. O policial civil recebe um treinamento na Academia de Polícia, no sentido de saber conduzir processos e negociações de conflitos. Quando sai dessa realidade, temos que intervir e estamos fazendo isso agora. Eles estão sendo afastados de suas funções para que haja uma celeridade e lisura nas investigações. Também deverão ser submetidos a tratamento”, disse o chefe de Polícia Civil.
Darcy Arruda disse mais: “Vamos analisar se é motivo de encaminhar os dois policiais para o Departamento Social da Polícia Civil para que haja um estudo sobre o comportamento, o motivo do nível de stress tão elevado para que eles possam ser atendimentos e porque não ser tratados. Não podemos só punir, devemos cuidar”.
A agressão ao funcionário dos Correios – ele estava trabalhando e vestindo uniforme da empresa –, que pilotava uma moto da estatal, aconteceu na manifestação realizada pelos próprios policiais. O vídeo mostra os policiais Mitri e Luciana gritando com o funcionário dos Correios. Em um momento, a policial civil percebe que está sendo filmada e vai para cima de um motoboy que filma toda a situação.
Depois, um delegado de Polícia, que participava da manifestação, “autoriza” o funcionário dos Correios passar com sua moto e se deslocar para outro destino.
Em nota, o delegado Arruda disse que a Polícia Civil que a Corregedoria vai instaurar um Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD) será instaurado para a apuração dos fatos. “Será publicado, em Diário Oficial, o afastamento dos dois policiais para que haja uma lisura nas investigações. Todas as partes envolvidas serão ouvidas dentro do tempo necessário e o direito de ampla defesa será dado, de acordo com o que determina o estado democrático de direito. Outros detalhes não serão divulgados, para não interferir no andamento das investigações”, disse Darcy Arruda, que completou:
“A PCES reitera que não compactua com desvios de conduta e ressalta que atitudes como as apresentadas nas imagens não refletem o treinamento oferecido aos policiais que ingressam na Academia”.
O que querem as entidades
Ao Século Diário, o presidente da Associação de Delegados da Polícia Civil (Adepol), Rodolfo Laterza, disse que “os policiais civis, militares e integrantes do Corpo de Bombeiros resolveram iniciar um ciclo de atos públicos até o Governo do Estado oferecer uma oferta concreta de valorização salarial”.
Segundo Laterza, “a Frente tem se espelhado na mobilização realizada em Minas Gerais. O Estado, apesar de estar quebrado financeiramente, concedeu 37% reajuste escalonado até o ano de 2022 aos agentes de Segurança Pública”.
Em sua página no Facebook, o presidente da Associação dos Investigadores do Espírito Santo (Assinpol), Antônio Fialho Garcia Júnior, dá outra versão para a agressão dos investigadores Mitri e Luciana ao funcionário dos Correios. Diz que foi o servidor dos Correios quem teria tentado atropelar os policiais civis que estavam na manifestação:
“Informe sobre o evento registrado em vídeo envolvendo policiais civis na passeata: A ASSINPOL, SINPOL, ADEPOL É SINDEPES gostariam de informar que foram requeridas providências aos Correios e Telégrafos e à Delegacia de Delitos de Trânsito devido ao fato de dois policiais civis quase terem sido atropelados quando motociclista da referida empresa avançou em manobra que atentou contra a segurança dos pedestres. Pedimos a todos que repudiam tal situação que desnecessariamente gerou risco aos policiais envolvidos, que estavam no e exercício pacífico de manifestação”.
Sindipol não estava em manifestação e diz que protesto tem que ser feito de “forma ordeira, pacífica e respeitando a sociedade”
Enquanto um grupo de policiais fazia a manifestação – que é, diga-se de passagem, legítima por se tratar de reivindicação por melhorias salariais -, que acabou sendo ofuscada pela falta de tato de dois investigadores que parecem não ter aprendido nada na Acadepol, a diretoria do Sindicato dos Policiais Civis do Espírito Santo (Sindipol/ES) estava na Assembleia Legislativa acompanhando a votação das propostas de Reforma da Previdência dos servidores públicos capixabas e conseguiu emplacar emendas que vão ajudar na melhoria da aposentadoria dos policiais civis do Espírito Santo.
Em nota, o Sindipol esclarece que não fez parte das manifestações na Reta da Penha. O Sindipol diz ainda que toda e qualquer manifestação tem que ser feita de “forma ordeira, pacífica e respeitando a sociedade”.
“A diretoria do Sindicato dos Policiais Civis do Espírito Santo (Sindipol/ES) esclarece que nesta segunda-feira (25/11) esteve na Assembleia Legislativa com os diretores das Associações dos Agentes de Polícia (Agenpol) e dos Escrivães de Polícia (Aepes) apresentando aos parlamentares estaduais emendas à proposta de reforma da Previdência do governo. Mudanças que foram acatadas pelo relator da PEC da Previdência, o deputado Marcelo Santos.
A diretoria do Sindipol tem pautado o seu trabalho no diálogo junto aos órgãos do Governo do Estado, do Poder Judiciário e aos representantes do Legislativo Estadual e Federal.
O Sindipol/ES deixa claro que não organizou nenhuma manifestação e que o protesto desta segunda-feira foi realizado por associações de classe da segurança pública capixaba. A diretoria do Sindipol/ES sabe que os policiais civis sofrem com a desvalorização salarial e com a falta de condições dignas de trabalho, mas entende que todo ato em defesa dos direitos e prerrogativas deve ser realizado de forma ordeira, pacífica e respeitando a sociedade”.
Mitri e Luciana são da turma do concurso de 1993, mas…
Os policiais civis Mitri e Luciana são do emblemático Concurso de Investigadores de 1993. Por falhas gritantes no edital, provocada à época pela Chefia de instituição, mais de 1.500 candidatos acabaram sendo aprovados, embora o número de vagas fosse inferior a 200. E, assim, foram obrigados a cursar o Curso de Formação na Acadepol.
Resultado: o Estado do Espírito Santo foi condenado, ao longo dos anos, a convocar e nomear todos os que fizeram o curso. A maioria deles foi nomeada a partir de 2011, quando o governo, reconhecendo a necessidade de recompor o efetivo da Polícia Civil e por força de decisões judiciais, elaborou um Projeto de Lei e nomeou mais de 700 candidatos. Sendo assim, Luciana Maria de Souza foi nomeada em dezembro de 2011, enquanto Mitri Guedes Paranhos aguardou até janeiro de 2017 para ser nomeado.
(Texto atualizado às 9h16 de 27/11/2019)