Ao proferir a sentença na Ação Penal número 0016850-68.2017.8.08.0024, a juíza Gisele Souza de Oliveira, da 4ª Vara Criminal de Vitória, explica que o tenente-coronel Carlos Alberto Foresti foi absolvido por falta de provas. Foresti foi um dos 10 militares réus no processo. A ação foi desmembrada e na outra parte constam familiares de policiais. Entre os outros militares, está o deputado estadual Capitão Assumção (PSL), condenado a cinco anos e seis meses de prisão.
O tenente-coronel Foresti foi acusado de, na condição de chefe do Centro Integrado Operacional de Defesa Social (Ciodes), localizado dentro da Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp), atentar contra a segurança ou o funcionamento de serviços públicos; incitar, publicamente, a prática de crime; e associação criminosa. Foi absolvido das três acusações.
Ele chegou a ficar preso e foi até expulso da Polícia Militar por decisão de um Conselho de Justificação instaurado pelo então governador, Paulo Hartung. No entanto, o oficial foi beneficiado pela Lei de Anistia sancionada pelo governador Renato Casagrande (PSB).
A anistia abrangeu as transgressões disciplinares cometidas por militares estaduais durante os 22 dias do movimento, que começou no dia 3 de fevereiro de 2017, quando um grupo de familiares de policiais bloqueou a entrada da 14ª Companhia Independente da PM (Feu Rosa), na Serra. No dia seguinte, as demais unidades da PM de todo o Estado já estavam também bloqueadas por policiais e familiares. A anistia de Renato Casagrande também beneficiou o Capitão Assumção.
De acordo com a sentença da juíza Gisele Souza de Oliveira – que o site Blog do Elimar Côrtes divulgou em primeira mão na tarde de sexta-feira (27/09), A denúncia do Ministério Público Estadual narra que o tenente-coronel Carlos Alberto Foresti teria, por intermédio do aplicativo whatsapp, incitado associados e diretores da AGEM, à qual havia sido alçado ao cargo de diretor, a apoiarem o movimento e planejar ações para fortalecê-lo.
De acordo com o MP, Foresti teria incitado, reiteradamente, não só protestos no intuito de aumentar o poder de barganha frente ao governo, como a própria paralisação dos serviços de segurança pública.
“Entretanto, em relação às mensagens enviadas via whatsapp pela linha atribuída ao réu Carlos Alberto Foresti, entendo que razão assiste à defesa quando afirma que não há como se especificar quem, de fato, dela tenha feito uso”, diz a juíza Gisele Souza de Oliveira na sentença que absolveu o oficial.
Isto porque, prossegue ela, “há informações nos autos que dão conta de que o aparelho celular no qual estava habilitada a referida linha era de uso comum no setor do CIODES, pelo qual Carlos Alberto Foresti era responsável, motivo pelo qual estava acautelado em seu nome”.
No depoimento que prestou no âmbito do Inquérito Policial Militar (IPM), Foresti confirmou que a linha do celular era funcional, utilizada por diversas pessoas, “aduzindo, ainda, que nos horários das mensagens, a maioria no período noturno, sequer estava nas dependências do CIODES”.
“Diante desta informação, e considerando que o Ministério Público Estadual não se desincumbiu do ônus de comprovar a autoria deste delito no grau de certeza necessário à prolação de uma sentença penal condenatória, entendo que, neste aspecto, inexistem elementos aptos a ensejarem uma condenação, ainda que existam alguns indícios que apontem para autoria de Carlos Alberto Foresti”, diz a juíza na sentença.
Gisele Souza de Oliveira completa: “Fato é que o crime de incitação ao crime exige que seja praticado de forma pública e direcionado a pessoas indeterminadas, sendo certo que, feito em grupo de whatsapp integrado por policiais militares, tais requisitos não restaram preenchidos”.
De acordo com o aditamento à denúncia, no dia 8 de fevereiro de 2017, o tenente-coronel teria adentrado nas dependências do CIODES e, exaltado, criticou atos de seus superiores e conclamou os policiais militares que ali trabalhavam para que desligassem os rádios comunicadores, deixassem seus postos e prosseguissem em direção ao Quartel do Comando Geral, a fim de aderirem ao movimento.
Nesta mesma oportunidade, diz a denúncias, Foresti também teria gravado um áudio em que conclamou os policiais a se rebelarem. Além disso, também conforme os autos, o oficial teria publicado um vídeo em sua página do facebook, pelo qual defendia o movimento e incentivava a resistência por parte dos policiais militares.
No entanto, para a juíza Gisele Souza de Oliveira, “as imputações contidas no aditamento à denúncia não merecem prosperar”. E explica: a defesa do acusado, em suas alegações finais, informou que no dia 8 de fevereiro de 2017 houve a determinação no sentido de que os policiais cumprissem suas respectivas escalas externas sem o auxílio de viaturas, cujas saídas estavam bloqueadas pelos manifestantes.
A defesa alegou que o tenente-coronel Foresti alertou os demais comandantes sobre os riscos de tal conduta, colocando em perigo os membros da corporação, mas que nada foi feito para evitar isso.
A defesa de Foresti afirmou que, em razão da preocupação do oficial com a colocação das tropas nas ruas, acabou estendendo sua carga horária. Mais tarde, o tenente-coronel teria sido surpreendido pela operadora do 7º Batalhão da PM (Cariacica), que informou que policiais estavam sendo “abatidos” em Flexal, com a seguinte frase: “Coronel, estão matando policiais lá em Flexal!”.
Ainda segundo a versão apresentada pelo tenente-coronel Foresti nos autos, os áudios dos radiocomunicadores estavam abertos, “de forma que foi possível ouvir disparos e gritos de socorro dos policiais, em evidente desespero e pavor”.
De acordo com a defesa, foi neste momento que Carlos Alberto Foresti teve um “surto”, sendo filmado por um policiais, segundo o qual o tenente-coronel “chorava, gaguejava, dizia que a culpa era dele, visivelmente desequilibrado”.
De fato, diz a juíza Gisele Souza de Oliveira na sentença, dos autos há prontuário de atendimento médico ambulatorial/hospitalar, datado de 8 de fevereiro de 2017 – exato dia dos fatos – dando conta de que:
“[…] Paciente trazido por militares, choroso, mostrando preocupação com a equipe que comanda, pois (palavra ilegível) por intervenção do governo, os policiais precisaram sair sem planejamento estratégico. Encontra-se choroso, verbalizando muito. Refere ainda cefaleia (palavra ilegível). (…) Estresse agudo pós-traumático. Reação aguda ao estresse […]”.
Na sentença, a magistrada destaca que o documento “vem acompanhado de diversos outros de mesma natureza, cujas datas são posteriores, denotando que, após este fato, o réu passou a fazer acompanhamento psiquiátrico e psicológico, em razão do grau de estresse sofrido”.
O policial que gravou o “surto” do tenente-coronel Forest dentro do Ciodes revelou em Juízo que o oficial “até pode ter dado ordem para desligar os rádios do CIODES, mas ninguém cumpriu porque ele estava alterado”.
“De fato, os elementos trazidos pelo Ministério Público Estadual não demonstraram quaisquer condutas do réu Carlos Alberto Foresti anteriores ao fatídico 08.02.2017 que pudessem ser enquadradas nas condutas tipificadas nos artigos 265, 286 ou 288 do Código Penal, à exceção das mensagens supostamente encaminhadas por ele por meio do whatsapp, em relação às quais, porém, não se obteve o grau de certeza necessário para lhe imputar a autoria”, diz trecho da sentença:
“As condutas posteriores, por outro lado, ao que indicam os elementos trazidos pela defesa, se deram num contexto de instabilidade emocional, causada por estresse agudo pós-traumático, denotando a ausência do dolo em suas ações ou, no mínimo, dúvida em relação à presença dele”, completa Gisele Souza de Oliveira.
Segundo ela, teria faltado ao Ministério Público Estadual “a produção das provas que comprovassem o dolo do acusado, e não contrário, de modo que, na dúvida, deve ela ser interpretada em favor dele”. Portanto, finaliza a magistrada, “frente a inequívoca insuficiência probatória, deve o réu “ser absolvido de todas as imputações que lhe foram feitas por ocasião do aditamento à denúncia”.
Logo após o movimento de fevereiro de 2017, o então comandante-geral da PM, coronel Nylton Rodrigues deu início ao que ficou conhecido como “perseguição” a praças e oficiais que teriam participado do aquartelamento. O tenente-coronel Carlos Alberto Foresti foi um dos alvos. Submetido a um Conselho de Justificação, ele foi julgado de maneira célere e considerado “indigno” de vestir a farda da PMES.
Em outubro de 2018, o governador Paulo Hartung, por meio do Conselho Estadual de Correição do Poder Executivo, decidiu pela expulsão do oficial. O caso, então, foi para o Tribunal de Justiça, a quem cabe julgar a exclusão ou não de oficiais.
Foresti, no entanto, foi um dos ais de 2 mil militares beneficiados pela Lei de Anistia, criada e sancionada pelo governador Renato Casagrande (PSB). Sendo assim, no dia 15 de abril d 2019 o Tribunal de Justiça publicou acórdão, em que encerrou o Conselho de Justificação de Foresti. Diante da ausência de interesse processual do Estado pela perda superveniente do objeto, o processo foi extinto sem resolução do mérito.